MONOLOGO DE UM ESTUPRADOR..
...esse olhar, esse rosto de sofrimento, droga, o mal - estar me invade, torturoso, doentio...talvez a minha vida e o meu destino se encerram agora, mas escuta bem...um campeão mundial dos pesos pesados, um forte, um valente, um corajoso...uma mulher sobe as três da madrugada no quarto do hotel dele, eles bebem, tiram a roupa, se deitam, fodem e ela depois diz que foi estuprada...estuprada? ela? pra mim quem foi foi ele... mulheres assim gostam e querem se sentir dominadas, subjugadas por alguém como aquele cara, um gladiador, é donde ela tiram as suas próprias forças, entendeu? força pra dominar a força...umas safadas...toda estuprada é assim...eu não te obriguei, você quis, queria, tirei até o meu gorro pra você me ver, mandou colocar de volta, assim sua fantasia valia mais, não é?...quando cheguei garoto nessa cidadezinha, sabe como é com um novato, tem que dar porrada, leva e dá, tem que ser assim pra ser aceito, mas eu não quis, me refugiei no meio das meninas, eram alegres, doces, maravilhosas...cresci, acabei me bandeando pro lado dos caras, mas elas ...nunca as esqueci...encontrei meu lugar entre os homens, mas sempre de olho nelas...mais tarde conheci uma mulher mais velha com certeza tentada por carícias jovens e robustas...sei que ela as teve antes do casamento, mas me usou e até abusou...faz assim, faz assado, eu obedecia...gostava sim, muito...a sacana mandava simular coisa forçada, cheguei a sentir tesão só daquele jeito, depois cansei, era velha demais, as belezinhas que conheci quando cheguei aqui tinham crescido, as do bairro onde eu morava eram as mais animadas, transei com umas duas, três, quatro, talvez cinco, nunca nenhuma se queixou, mas eu senti, sabia, queriam ser dominadas para sugar minhas forças ...elas precisavam acreditar nisso, é como se acendesse nas entranhas delas uma centelha de sublimidade , de pureza , até choravam, acredita? manifestação brutal, animal...minha? quer saber? pois eu ficava cheio de respeito, depois do ato me sentava na colcha em desordem, fechava os olhos, as vezes respirava com dificuldade mas isso não me impedia de sentir o cheiro do sexo dela, eu absorvia tudo , comprimia no coração a revolta da vida, chegava nos limites do mundo...depois cochilava...quando te conheci, você se lembra? foi numa festa, te acompanhei depois até à sua casa , fizemos o amor mais correto do mundo...de manhã acordei de frente para as suas costas, admirei durante longo tempo seus largos quadris e languidos ombros e depois parti sem querer te despertar, quando cheguei à porta te ouvi chamando "querido, querido!" , você veio, te beijei, me lembro do teu rosto se iluminando, sabe, naquele instante você despertou em mim um sobressalto de emoção...se te amo não sei, mudo de opinião depois de cada duas xícaras de café...você me olha com ar de espanto, com interrogação, o que quer de mim? desculpas? quer que me entregue à polícia e confesse? pois bem. talvez eu faça isso, mas me diga : o que é o amor? qual é a diferença de se amar a si mesmo e amar ao outro? te digo, homem é egoísta, dominador, bruto, intransigente, orgulhoso...mulher é vaidosa, sedutora, tem falsos pudores, infiel, mentirosa...entanto as vezes eles se amam, superam o amor de si mesmo e se amam, isso é o amor, passar por cima do seu próprio amor e amar o outro ... por que me olha tão espantada , você pensa que sou um animal? nunca fui vulgar, escuto mil vozes que murmuram a felicidade...felicidade, não há coisa que envelhece mais depressa que a felicidade... quando te possuí tudo ria e cantava em minha volta, o ritmo do meu movimento dentro de você uma espécie de dança interior, uma luta de desejo e preguiça, nunca senti tanta sede de amar, de gozar, de beijar, meu membro nunca esteve tão rijo, tão ereto...anseio pelo divino, pela beleza do espirito, sou sensível a isso, como queria demorar meus dedos nos seus, passear nossos rostos ao luar, harmonizar os nossos passos e gestos sem nada em troca a não ser sentir a presença de nossos corpos...mas não, não você, me oferecia apenas suas faces geladas, seus lábios indiferentes...surgiu dentro de mim esse grande grito ardente, um uivo, diante da noite carregada de estrelas me veio a vontade desenfreada de colher de dentro de você todo o sentido daquele seu mundo desumano...entrei pela janela, você me viu mas não esboçou nenhuma reação, ficou deitada, percebi um sorriso, me inclinei sobre você com delicadeza, como se pousasse a boca sobre as plumas de um pássaro, você gemeu , mordeu meus lábios, me repelia e me segurava, como uma naufraga e agora está aqui com essa cara de santa maculada...droga, não me olha assim, com esse sorriso contido nos lábios, com o olhar constrangido, você deixa o meu espirito agitado, confunde as minhas idéias, sua cólera surda...confesso a minha vergonha, minha covardia, droga, eu te amo, quando fiz aquilo uma coisa tépida e boa se apoderou de mim , me senti leve e bem disposto...podemos talvez...não? tá bem, desculpa...não me olhe assim, por favor, tem certeza que...veja aquela janela, tá aberta, é só subir no parapeito e sumo pra sempre...quer ver? tá satisfeita agora? vejo que não esboça nenhuma reação, nenhum gesto pra me impedir...saiba que já fui feliz um dia, à minha maneira, tenho lembranças da minha pacata solidão, agora vagueio entre as sombras, acabrunhado e triste, e você não percebe nada, o meu tormento, remorsos de consciência, remorsos sombrios, severos, quem diria... não terei mais nem dias nem noites tranqüilas e você nem pergunta, nem move a cabeça, nem muda o olhar, só vejo desgosto...teu mundo empalidecerá também, teus sonhos fenecerão, sinto tanto...tanta tristeza, sozinho vou, pulo...te amoooo...ooo...oo...o...