I LOVE YOU BABY Sai do Congonhas, a paisagem desagrada, espera, quer tranqüilizar - se , ambientar - se , inútil, pega um táxi...–Ipiranga perto da Praça da República - fala ao motorista, acende um cigarro, olha pela janela, abstrai - se da visão urbana, céu azul, por instantes pensa que está no Rio, o carro pára, ele desce, paga, anda alguns metros, entra num edifício, elevador, blindex...– fez boa viagem, doutor? a recepcionista sem esperar pela resposta se levanta, ele a segue...pareço um cão adestrado, entra na sala, responde sem entusiasmo aos cumprimentos, procura uma poltrona, se senta, acende um cigarro, vozes difusas, não presta atenção, dá - se conta que não precisava estar presente...a vida tão curta e eu perco tempo com essa merda, por que faço concessões? cão adestrado filho da puta!...olha pela janela...não faço outra coisa a não ser olhar por janelas...a torre do Hilton...tantos cubículos, quantas fodas ali?...– doutor, doutor, concorda? aceno de cabeça...um faz de conta, as chefias já resolveram tudo...conversa ao seu redor, o sotaque paulista o irrita...parece anuncio de TV.. – – então, todos concordam?...de novo?...não se dá o trabalho de responder, aguarda a transcrição da ata, som ambiente vem da sala, a musica ...diabo, tinha que ser essa?...lembra - se dela, nostalgia , saudades, pose de tristeza, confissão de solidão? insegurança? vago tormento, sorri...YOU 'RE JUST TOO GOOD TO BE TRUE...I LOVE YOU BABY...PRETTY BABY...acompanha o refrão , os lábios se movem, cantarola...I LOVE YOU BABY...a única vez que fodi com som ligado...entra no imaginário...mãos longas apoiadas no seu peito, ele por baixo, imóvel , ausente, o pensamento no primeiro encontro, um fracasso, bastante cínico para não ligar, dia seguinte resoluto, o pau uma estaca, eu tomo conta, falara ela ao montar, a cabeça movimento continuo , o cabelo longo chicoteia, movimentos sinuosos, gozo silencioso, no rosto dela lágrimas...deriva...sonho? sonhar, como é insípido, mas ela, é um fantasma? fantasmas, são musica, novela? a gente carrega sempre, nunca joga fora? trançam com os sonhos ? são multi - espaços ?...– doutor! por favor, nessa linha...assina, se despede, sai, na rua olha para o relógio, dá para chegar no Rio , ir à praia,,, táxi! táxi! táxi ! ...uma mulher... ela?

Você?

...I love you baby...

Silvia?

...pretty baby...

Almoço no Rubayat, táxi até o Coplan, vigésimo andar...–vou vestir algo confortável – diz ela, ele não sente a emoção da expectativa...tá murcho...não se preocupa, fazia tempo que ficava duro só em pensar que...vai até a janela, o fim de tarde sãopaulino o deprime, céu azul sumido, procura pelo cheiro da maresia, sente monóxido de carbono, do alto formigueiro de gente, carros indo vindo, sufoca, engole uma pílula... por que não estou feliz?...olha para baixo de novo...encarcerado num cubículo a setenta metros do chão...o remédio faz efeito , euforia sintética, tira o blusão, o joga em cima da mesa...não a quero mais, mas a nostalgia continua, preciso de algo concreto, algo que apague o sentido...apanha uma garrafa, dúvida...preciso nova versão do meu sonho...enche o copo com uísque, concentra - se na bebida, não quer transa, também não quer bebida, coloca o copo na estante...queria reencontrá - la?...mão no bolso , retira umas notas, conta, separa algumas...melhor deixar a grana, me mandar...veste o blusão, olha ao redor, a decoração de gosto duvidoso o irrita...se ao menos eu escuto a musica...a cama...quantos já deitaram?...amor ultrapassado, vontade de estar em Ipanema no Barril 1800, chope, pôr de sol nas Tijucas, reanima - se , cantarola...mais uma trepada e a esqueço, preciso atravessar, extenuar o caminho iniciado, abolir meus sentimentos...sabe que é mentira, queria ser rico, sustentá - la...e se nunca mais a vejo? o diabo dessa musica vai me atazanar para sempre!...joga o blusão de novo em cima da mesa, tira as calças, a camisa, o espelho reflete sua imagem, analisa(gosto da morenice de seu corpo, dissera ela), vaidade? com certeza, afasta o olhar, apanha o copo, bebe...será que ela merece? paixão é perversa, não é ligada à beleza, detalhe do corpo? textura da pele? modo de respirar?...sorri...ou até mesmo uma falta de jeito...ela aparece de baby doll , coxas firmes, seios de adolescente, ele larga o copo semivazio em cima da mesa, a abraça, beija a cova do pescoço, sente o calor dos seios, coloca a mão na bunda, a boca no mamilo, gemidos, deitam - se mãos dadas, vê rosto sereno...puta não! mulher...amo?...amei? beijos, caricias...a culpa não é dela...seduzia mulher programa, gamava, sentia ciúme, sofria...falso malandro...movimentos lentos, aperto prolongado das mãos , prazer... ...ela segura a mão dele, levanta o rosto, ele beija a boca com carinho, acaricia os cabelos, ela dá um pulo, corre para o banheiro...merda! essas donas fogem logo pra limpar a xota, não conseguem curtir o após...cochila, se levanta, dispensa o banho, uma maneira de levá - la ao Rio? se veste, lá fora escuro, nenhuma estrela...droga de cidade poluída...afasta -se da janela, examina os retratos , grupos de mulheres, chácara da Emí, Baurú, vestígios, sombras nas paredes, fantasmas...perigos que nos espreitam...pega no copo, o esvazia...mas o homem tem olhos...excesso de cromado, carpete gasto, plantas artificiais, crucifixo...aceitável? não, não mesmo, será o "não desejo"? muito teatral !...qualquer um dos seus sentidos fará com que sempre se lembrasse dela...amo, não amo, amo, não amo...a oscilação o cansa, paranóia? acende um cigarro, trégua...água no chuveiro, aproxima - se, sombra esguia de trás da cortina de plástico , volta para o quarto, deixa o dinheiro...nenhum adeus...sai.

...tenta cantarolar, não consegue, sorri...grande cidade São Paulo...– que tal o Corinthians? pergunta ao taxista, –doutor, quer mesmo saber? uma porcar...sotaque paulista, beleza!