I R M A .LA D O U C E
I
O rádio relógio a despertou, Angela Maria e o eterno "Babalu", péssimo para uma segunda feira...apertou o botão, silêncio de novo , garrafa vazia do Forrestier em cima da mesa parecia ameaçá - la...só bebendo pra agüentar preciso manerar...no relógio sete horas...daqui pouco ele tá aqui, fim de semana com a mulher e vem esvaziar aqui...Luiz, cliente regular, sempre as segundas cedo, uma rapidinha antes do batente...com ele nem preciso fingir...Irma levantou - se, dormia despida, olhou - se no espelho, segurou os seios na palma da mão...grandes demais, mas eles gostam...o delegado aposentado, não aborrecia..."mamãe, mamãe eu quero" ...e mais nada, deixava o dinheiro e saía cabisbaixo...Jorginho, Jorginho, que saudade sua... banho, cremes, escovada nos dentes, shorte , blusa decotada...a freguesia gosta, facilita, meio caminho andado...arrumou a cama, colocou uma colcha amarela...é a da "batalha", lençol limpo só pro Jorginho...jogou a garrafa vazia no lixo, abriu as cortinas, um copo com água atrás da porta, ramo de arruda num prego acima do olho mágico, rezou o terço, ajeitou o cabelo, ligou o som, Roberto Carlos, fita pornô no vídeo, a campainha tocou...
II
Chegara de Aracaju, babá de gente abonada, o namorado estudante de medicina, fez o serviço e sumiu...caíra na vida pelas mãos do Gonçalves, entrara na "escuderia" do Fernandinho... JK, Bloch e outros figurões fregueses... afastada do proxeneta criara sua própria clientela, quarto e sala comprado em Copa, um Fusca na garagem, jóias no cofre...as vezes saudades batiam, pai capataz de fazenda, irmã professora, fazia anos que não os via...volto qualquer dia, compro casa na Atalaia, levo Jorginho, largo tudo...por que não dão aposentadoria pra gente?...o que fazia era trabalho...quem trepa de graça é puta, sou mulher dama...sorriu, Maurício, sujeito distinto..."minha concubina, minha gueisha, minha cortesã..."falara na hora de... escrevera as três palavras num pedaço de papel, o guardava entre as páginas da Bíblia, vez ou outra dava uma olhada, o dia parecia melhor depois...mas mulher dama é como gosto, ensino ele me chamar assim, do jeito do nordestino, Jorginho amor, sou tua mulher dama...
...era agradecida ao Gonçalves, malandro da noite, da alta mas malandro, não tinha preconceito, levara ela ás boate chiques, restaurantes da moda, ele sabia tudo, ensinara - lhe as boas maneiras, bons modos, como segurar talheres, comer com elegância, encheu seu armário com roupas caras...faz isso, faz aquilo, dizia, até professora para que falasse direito arrumara, lhe era grata...sorriu...uma tarde inteira ensinando..." é assim, presta atenção, pulinhos entremeados com ligeiro gemido, sem exagero, unhadas delicadas nas costas, uns tapas se o cara pedir, nunca, mas nunca beijos, ouviu? acaba gamando, sentindo prazer, não pode..." , sentira uma vez, com o velho deputado impotente, mas ele sabia das coisas...ensino ao Jorginho...tenho vergonha...Irma, nome de guerra escolhido por Gonçalves..." Maria Luiza não dá, Irma la Douce, Shirley McLane interpretou no cinema, tá aí, Irma..."
..."gosto mais de Shirley..." "nada disso, muito vulgar, é Irma..."...
...o telefone tocou...é ele, o meu amor...
– Jorginho?
– Porra nenhuma, sou eu, Álvaro. Às seis! Avisa a Regina! as...ela desligou, ligou:
– Regina, hoje as seis, o de sempre...sei, um saco...e olha não me beija na boca...vê se não ri, da ultima vez quase nos pega, e não grita tanto, basta gemer e olha , vem com teu negócio limpinho...
Com todo cansaço da alma, o corpo ainda com energia, tal como um artista ela sentia necessidade de exibir sua arte, comuncá - la aos homens, aguardou tranqüila , risos frescos vindo do corredor a fizeram sorrir, sentou - se paciente, pegou no crucifixo...padre nosso. que estás....
III
Apareceu na terça a noite, como combinado dois dias antes.
Conhecera ele nas Paineiras, ela gostava de passear lá, sentir o frescor das sombras, o resplandecer da luminosidade entre as folhas, a harmonia profunda na natureza , a perspectiva de um belo dia de cansaço e sol, a reunião com os amigos para o café matinal no hotel, ele aparecera levado por um amigo comum , calado, encabulado , conversaram , lembrou - se do que ele dissera ao perceber o olhar dela nas muletas :"...se pudesse recomeçar a vida...", o calor aumentara de repente, respirou aroma escaldante , sentiu - se entorpecida , silenciaram...– quer me visitar? - falara de repente, – é claro - respondera ele...
...deitou - se com a cabeça no colo dela, as muletas num canto.
– O medico, ele garante que fico bom, que ando de novo, que consigo fazer amor...sonho tanto com isso...
Ele chorou, ela acariciou a cabeça dele.
Beijos, muitos, molhados.
IV
Cuidou dos cabelos, das unhas, vestido novo da Celeste Modas, a noite jantar com o suíço, homem educado, fino...Jorge entende, ele sabe, mas sofre...ela enxugou uma lágrima..."sou impotente, foi um desastre de moto " falara no primeiro encontro...ele é tão doce, gentil, educado ..." sei o que faz" falara ao se despedir...não aceitei o dinheiro, passou a me visitar uma vez por semana, gamei, tanto tempo que não namorava...
V
Irma acordou feliz, o suíço viajara, cinco mil dólares, nada mal...Jorginho, hoje é teu dia...
VI
– Tem cura, doutor Birman me opera em São Paulo, no Albert Einstein...é tão caro, nem sei como fazer, só com agiota, mas...
Ele chorou, ela acariciou a cabeça dele.
Beijos, muitos, molhados.
VII
Gonçalves não zombou, não riu.
– Te falei uma porrada de vezes...nada de beijos, merda...carro tu compra outro, as jóias tira fácil da Caixa, não é tanta grana assim...seis meses de programa e tá resolvido, o apartamento...eu devia te sacanear, me mentiu, disse que era para comprar terreno em Atalaia, mas...deixa comigo...meu amigo, ele resolve...arranca a grana do tal de Jorginho num tapa...tenho tanta certeza que...– levantou - se, abriu o cofre, retirou uma pasta, puxou um papel, rasgou...– Pronto, é teu de novo...bom, agora vamos pro que interessa e nada de fingimento...eu conheço...
...me beija mulher, droga, me beija...