TERÇA FEIRA DE CARNAVAL.

O pessoal em Petrópolis, o apartamento imenso do Biaritz vazio, castelo abandonado, o príncipe estava só. Fui até à varanda. Garoava, morro da Urca, Pão de Açúcar, silhuetas escuras, silenciosas, a fortaleza na entrada da baia saliência cinza, espuma branca do mar em ressaca, os bancos do passeio, solitários, os trilhos do bonde reluziam, a luz dos postes refletiam-se neles, poucos carros na avenida, melancolia total.

Saí da varanda, acendi um cigarro, me servi de bebida, pensei nos amigos no baile da Atlantic, nem um pouco arrependido por não ter ido, cansado que estava das paqueras inúteis, dos bofes desgarradas, olhei o relógio, nove horas, joguei o cigarro aceso no cinzeiro, esvaziei o copo num só gole, levantei-me, a Avenida Rio Branco seria divertida? Rápida chuvarada, olhei no espelho, o bigode a la Clark Gable bem aparado, vaselina no cabelo, topete, camisa de malandro comprada no OTTO, apertada para ressaltar o físico.. . . para você faço preço especial. . . bicha safado, resmunguei, flexionei os braços, bíceps, triceps definidos, estufei o peito, conferi a saliência das azas, arreganhei os lábios, dentes brancos, pele morena queimada pelo sol, dinheiro, identidade, chaves, cigarros, isqueiro no bolso, parti . O bonde ao aproximar-se deu meia trava, o peguei, pé direito à frente, mão no balaustre, refastelei-me num banco , acendi um cigarro, vi dois casais abraçados, uma negra velha fantasiada de baiana, um coroa, chapéu na cabeça lia um jornal, o cobrador cochilava no banco da "cozinha", terça-feira de carnaval, garoava.

Pretendia saltar na Lapa, de lá a pé pela Cinelândia até á Avenida.

Na Gloria a velha baiana saltou, o coroa enchapelado dobrou o jornal, entediado resolvi descer também. Já com o pé no estribo, uma cossaca, uma índia americana e um cigano subiram, voltei ao meu lugar. O cobrador acordou, correu pelo estribo, cobrou as passagens, puxou o cordão da registradora, o tintilar da campainha me animou, saí do meu lugar, sentei no banco dos três fantasiados, olhei a cossaca, fantasia de cetim verde, seios delineados, barriga à vista, saiote curto, coxas roliças. No ponto da Lapa não desceram, decidi continuar, Tabuleiro da Baiana, Largo da Carioca, fim de linha, descemos.

Rua da Carioca, encostei.

Vão pra onde?

João Caetano!

O cigano segurou a índia, adiantou-se.

Peguei na mão da cossaca, macia, queria encostá-la numa das entradas dos velhos casarões, começar e acabar ali mesmo. Abracei ela, aceitou tranqüila, amoleceu junto o meu corpo, parei o andar, submissão no olhar dela, empurrei-a junto à parede, meus lábios nos dela, língua quente, segurei a bunda, mossa saliente entre as suas pernas, levantei o saiote, abri minha braguilha. . . aqui não, meu bem, por favor.

tá bem, tá bem. . .

Seguimos caminho.

João Caetano, fila dos homens para revista, estranhei, acostumado que estava com o Municipal, o Copacabana Palace. Baile popular na Praça Tiradentes novidade para mim, a barra podia pesar, retesei a musculatura, ninguém se meteria com a minha cossaca, a porrada iria comer.

O salão abarrotado, cheiro de suor e lança perfume, Mamãe eu quero ensurdecedor, foliões aos pulos, não me animei, dançar coladinho, preferia, mas no carnaval. . .

Acompanhei a cossaca, não queria perdê-la, afastei os afoitos, beijos, apertões, não havia pressa, a garota se divertia.

Aí, branco !Fazendo das suas?

A crioula gorda de baiana, me beliscou, partiu rindo, corri atrás da cossaca, um marinheiro a segurava pelo braço, ela tentava desvencilhar-se.

Cai fora, malandro, que a dama tá comigo.

Largou, dançou!

Um empurrão, caiu, levantou-se, ensaiou uma rasteira, o pé passou perto, tentou de novo, levou um soco na têmpora, esborrachou-se, roda de fantasiados, dois mulatos enormes próximos.

Guentam ai!

Mostrei minha identidade, tenente do exercito, bendito C. P. O. R.

Tá limpo!

A morena sumida, fiquei parado à margem da folia, não afobei, acendi um cigarro aguardei, ela parou à minha frente, puxou-me pelo braço, não desgrudei mais.

As quatro horas, Cidade Maravilhosa, fim de baile.

Partimos.

Onde mora?

Marquês de São Vicente, conjunto do IPASE.

Apanhamos um táxi, o olhar guloso do motorista não desgrudava do espelho.

Paguei a corrida, o cara piscou, partiu.

Entramos por uma ruela, dobramos noutra, no meio da quadra um barraco caiado de branco, ela destrancou a porta, entramos.

Um pilantra deitado na cama, estanquei, ela o cutucou, ele se levantou, fiquei na minha frente, alto esguio.

O que deseja, amizade?

O que tu também quer.

Navalha? só faltava isso!. . . bem feito, quem manda se meter com a plebe, melhor enrrabar as granfas do Sacré Coeur. . . mas o último dia do carnaval tinha que acabar com entrelaçar de coxas . tradição mais de que estabelecida, igual ao do Flamengo antes de jogo, São Judas Tadeu, tradição é tradição e ela era gostosa demais e eu com um tesão daqueles e afinal pra quê toda essa estampa minha, muque, azas, bigodinho, não dava pra recuar... olhei ao redor, armário, cama, rádio, abajur em cima da cômoda, cortinas coloridas na janela, São Jorge numa das paredes, imagem do Cristo em cima da cama, crucifixo logo abaixo, mesa com vaso e flores, quatro cadeiras, cristaleira, pouco espaço pra porrada, o malandro na minha frente.

Gostou, amizade?

É simpático. Tu é simpático. Todos somos simpáticos.

Resposta de babaca, amizade.

Grana?

Obrigado. Manda! Tô com pressa.

Foda-se a tradição. . . fui até á porta, levei uma rasteira, caí sentado, calcei as pernas dele com as minhas, ele arriou, montei, acabei com ele, o joguei pela porta. . . obrigado São Gracie por ter me ensinado. . . passei a chave.

A mulher sorria.

Quem é o pilantra?

Sorrisos ainda, não insisti, mulher mente sempre.

Não deixei ela tomar banho. . . quero teu corpo quente, teu sovaco suado, tua xota molhada, falei, tateei a parede, encontrei o interruptor, desliguei a luz, São Jorge ainda aceso, aflorei seus lábios, senti seu corpo estremecer, forcei sua boca com minha língua, apertei seu corpo junto ao meu, a brisa entrou pela janela, mexeu com a cortina, ao longe a buzina de um carro, corpo dela teso, procurei pelos seios, rasguei a fantasia, pele morena na penumbra, reflexos avermelhados na bunda, São Jorge espiava, mamilos escuros, salientes, ligeira barriga . . . amo as barriguinhas!. . . dedos, bocas, multiplicados sobre, dentro dela, gemidos, chamei-a de Odete, paixão de outros carnavais. . .

Acordei com o sol passando através das cortinas.

Ela dormia, corpo moreno, coxas cheias, triângulo escuro abaixo do umbigo, mamilos apontando, lábios entreabertos, dentes brancos, aflorei o rosto com um beijo, não se moveu. . . por que são tão perfeitas? Vesti-me em silêncio, não valia a pena acordá-la, a praia me aguardava.

Amor de carnaval acaba na quarta feira de cinzas.