O processo mitológico de compreensão da Gnose.
O mito representa uma forma extremamente simples de enunciar algo extremamente complexo. O mito corresponde a uma forma de revelar aquilo que o homem não consegue explicar, utilizando formas mais figuradas, ou histórias, ou contos. Os mitos seriam finalmente, formas de parábolas.
O mito não serve apenas para revelar coisas, como serve também para velar outras. Mas em ambos os casos, o mito é uma forma de expressar algum conceito. O mito tem muitos processos de manifestação. Como analiso agora as formas de conseguir colocar o consciente com esferas interiores, tanto quanto com esferas interiores, um bom exemplo do uso do poder do mito, é o mito gnóstico de criação, que procura mostrar a estrutura do Universo, mas em termos mais figurados, sem deixar de ser algo muito profundo. Tanto em "Pistis Sophia", como em outros livros gnósticos, o mito mostra como se pode receber um conhecimento, apenas meditando sobre algo que é totalmente figurado.
Outras formas de expressão do mito, que podemos utilizar como processo de provocar a compreensão, é através da astrologia, que tem uma forte ligação com a mitologia, e claro, com a religião antiga, fato quase sempre esquecido. Os trânsitos e movimentos da abóbada celeste representariam os desejos dos deuses.
É impossível dissociar mito de religião. Dessa forma, também não podemos nos esquecer que a astrologia tem um componente religioso forte. Afinal, na dança cósmica, estava a dança da vontade dos deuses. O astrólogo antigo acreditava que conhecendo os astros e seus movimento, conhecia aos deuses. E com os astros criava mitos.
Saturno, por exemplo, é o deus (titã, mais corretamente falando) do tempo. Isso se deve a regularidade infalível do movimento do astro. Já com Júpiter, o rei dos deuses, se deve ao fato da forma como o astro domina os céus.
Evidentemente, Júpiter se manifesta em diversas culturas diferentes com mitos diferentes, nomes e atributos. Mas o mesmo Júpiter pode ser sempre reconhecido onde quer que sua energia seja manifesta. Portanto, esse mesmo Júpiter se integra com uma determinada forma, ou energia, ou estado de consciência apropriado, o qual o mito tenta mostrar e desmascarar. A procura do cerne desse estado é a forma ocultista de conceber o mito.
Astrologicamente podemos chegar próximo daquilo que representa o real Júpiter, analisando as formas como ele se manifesta dentro da consciência humana, dentro de seu comportamento. Assim, juntando as pontas, conhecendo o símbolo que ele emprega, podemos chegar próximos daquilo que é realmente representado por Júpiter, o que ele é realmente, despido de todas suas máscaras, suas máscaras divinas.
A verdade é que Júpiter para o homem corresponde a um deus, pois o homem não o compreende ou o controla. Uma vez que ele compreende o símbolo de Júpiter, o homem transcende o que Júpiter representa e torna ele mesmo um deus, posicionando-se no lugar dele, pois o controla.
O mito tem muitos outros meandros para tentar explicar aquilo que somente pode experimentado, pois o elemento mercurial deve ser transcendido para que a compreensão possa se manifestar. Dessa forma, mitos de criação do mundo, de destruição mundo, de estrutura do cosmo são reflexos da realidade, ou grau de consciência de alguém, ou de uma sociedade. Quanto mais complexo se torna o conhecimento oculto da realidade, mais complexo se torna o mito, tendo uma raiz mais profunda e simbólica, tornando-se assim, mais difícil a captação do que lá está escondido.
Dessa forma, sendo o mito uma raiz codificada de algo, como podemos ativar o que lá está velado ? A forma está contida na própria religião ou crença que criou o mito. Não podemos dissociar o mito dos seus ritos, de sua época, de sua realidade que o criou.
Para melhor compreendermos Dionisio, devemos fazer o culto a Dionisio. Assim, em um processo devocional, chegamos próximos dele e bebemos de seu vinho. Recebemos sua iniciação, que culmina com receber sua gnose, sua verdade. E perceber o código escondido por trás daquilo que ele realmente representa.
O mito é apenas mais uma das chaves para chegar a um determinado local, uma sala onde estão todos os elementos do que é real, ou aquilo que nos torna real. Para melhor explicar isso, vamos ter que nos remeter a saber o significado do que é o Tarot.
Por Tarot se compreende poder. A palavra Tarot não se referencia apenas a um baralho. Os Atus são poderes do homem. Cada um descreve um símbolo, igualmente aquele que um mito também pode representar. A ativação do mito pode ativar determinado Tarot em uma pessoa, ou seja, um determinado poder. Entretanto, a palavra "poder" não serve para descrever aquilo que seria um Tarot. O poder que um homem acessa ao vencer Júpiter, assimilando o que ele determina e representa, é um Tarot. Ou melhor, um Tarot é aquilo que o homem possui de divino e está latente e não descoberto nele mesmo.
Quando o homem vence a Apollo, ou Hórus, ou Seth, ou outro deus, um Tarot é ativado dentro dele. Pela astrologia sabemos que temos facilidades ou dificuldades com certos planetas ou signos, ou seja, com certas áreas que temos como sendo componentes de nós mesmos.
A função de um determinado mito é ativar esses Tarots. O mito realmente mostra que isso existe e pode ser ativado. Evidentemente isso não é função exclusiva do mito. O Zos Kia Cultus pode ser ou exemplo, ou o Livro de Thoth.
As lâminas são chaves que apontam para Tarots que existem dentro ou fora do indivíduo. Dentro ou fora devido ao velho dito hermético "o que está em cima é semelhante ao que está em cima, e o que está em cima é semelhante ao que está embaixo".
As lâminas apenas servem para apontar o caminho que lá existe. E aqueles que descobriram esses locais, ou Tarots, criaram certos desenhos que condiziam a aquilo que eles haviam ativado em si mesmos. Ou melhor, nem sempre uma figura dos baralhos tradicionais podem realmente representar aquilo a que ela aponta. Portanto, baralhos como os de Marselha podem conter erros grosseiros, que não refletem realmente o que querem demonstrar. Essas lâminas não seriam símbolos, mas diábolos.
A melhor forma de saber isso, é utilizando outras ferramentas para a compreensão do símbolo, pois cada símbolo tem várias máscaras. Uma delas é a mitologia, uma ferramenta poderosa por si só. Outras formas são a alteração da consciência por processos mágicos ou semelhantes, para ir onde está o real símbolo, ou Tarot.
Portanto, o melhor baralho de Tarot é aquele que é concebido utilizando a compreensão daquilo que ele representa e não simples cópia de uma tradição que pode ser arcaica ou pedida, pois não está completa. O verdadeiro baralho de Tarot é aquele talhado na compreensão dos símbolos, vistos de perto. E os desenhos não precisam seguir a qualquer regra, mas apenas realizar a contemplação do Tarot que representam.
Foi o que conseguiu Giger em seu baralho. Seus desenhos conseguem simbolizar algo sem se ater, ou perder-se em elucubrações de Marselha.
Diferentemente, Crowley procurou expressar o símbolo levando o operador ao local onde está o Tarot, através de seus componentes, por assim se dizer, "hipnóticos". E aí está o grande trunfo de seus desenhos, eles seriam uma forma de sigilos mágicos. E é exatamente isso que um baralho deve ser. Ele deve ser um sigilo e nada mais.
O verdadeiro Tarot não precisa de figuras. Os Atu (ou comumente Arcanos) são Tarots, ou idéias, Zonas de Poder. Muitas vezes os desenhos e símbolos ali expressos apenas atrapalham a aqueles que o utilizam, por se prenderem uma roupagem fixa de algo dinâmico. Para exemplificar melhor, o que Saturno representa aparece em diversas culturas, mas como os mesmos atributos, ou melhor, remetendo a um centro único. Saturno é Cronos na Grécia, como é Odin entre os nórdicos, Seth entre os egípcios, Shaitan entre os Caldeus e outras diversas manifestações. Muitas roupagens diferentes para o mesmo Tarot. Diferentes culturas isoladas ou não, em tempos diferentes, mas procurando ao mesmo símbolo.
Evidentemente, aqueles que tem um deus saturnino, precisam ou usam esse Tarot. Saturno da mesma forma não se manifesta em muitas culturas, ou por não se identificarem, ou por não precisarem desse Tarot no processo em que vivem. Ou até mesmo por terem dificuldade com ele.
Da mesma forma funciona o mito. São "desenhos" que explicam determinados Tarots. Mas os mitos são uma expressão de crenças religiosas. E viver essas crenças pode acabar por afastar a realidade expressa por trás do mito. Mas a religião que o criou deve ser compreendida, para que o mito faça sentido.
Portanto, ligar mitos aos símbolos astrológicos pode ser errôneo e induzir ao erro da sua compreensão. A evolução da consciência do homem permitiu que ele tivesse uma concepção astrológica dissociada do mito, pois a astrologia evoluiu, se expandiu e o mito ficou parado, pois a cultura que o criou e a religião que o inspirou, não existem mais.
Mas isso tem solução. Em muitos locais começam a surgir aqueles que cultuam os velhos deuses, e esses começam a ter sua egrégora revitalizada. Mais uma vez o processo Bhakti da via do coração começa a fazer resultado. E talvez tenhamos uma nova mitologia, que reflita as necessidades do homem hoje. Em outros termos, teremos de escrever um novo Fausto.