Sonhos Perigosos


Tana Dineen

Publicado no The National Psychologist
Novembro
/Dezembro, 1999, p.24

English Version

Maria era uma jovem estudante universitária. Ela sempre achou que sua infância foi feliz, que nada realmente ruim havia acontecido com ela. Mas um sonho revelou que, quando criança, ela havia sido abandonada pelos seus pais. Um século atrás, Freud afirmou que os sonhos seriam "a estrada real para o inconsciente". E apesar de suas teorias terem sido atacadas em anos recentes, a idéia de que os sonhos podem revelar lembranças ocultas ainda persiste.

Pesquisas mostram que um considerável número de terapeutas ainda consideram a interpretação dos sonhos como sendo uma parte essencial de sua prática clínica. Alguns buscam por símbolos, outros acham nos sonhos de seus clientes "réplicas exatas" de eventos traumáticos. Por exemplo, a psicóloga Renee Frederickson escreve que os "sonhos são geralmente os primeiros sinais de lembranças emergentes". Poucos iriam questioná-la, mas alguns psicólogos estão atualmente pesquisando o assunto e o que eles estão descobrindo sugere que a fé na interpretação dos sonhos pode estar desencaminhando muitas pessoas. Maria foi, na verdade, uma das 50 pessoas de um estudo recente e sofisticado de interpretação dos sonhos conduzido por Giuliana Mazzoni e suas colegas da Universidade de Florença em colaboração com Elizabeth Loftus da Universidade de Washington. Este estudo, relatado no Professional Psychology Research and Practice (Vol.30, nº 1, 1999), é parte de suas pesquisas em curso no campo de interpretação dos sonhos.

Elas começaram perguntando a um grande grupo de graduandos sobre a probabilidade de certos eventos - como se perder ou ser abandonado pelos pais - ter alguma vez acontecido quando eram crianças.

Maria e os outros 49 integrantes do grupo acreditavam firmemente que nada de tão perturbador lhes havia  acontecido. Dessa forma, eles foram então selecionados para participar de um outro estudo, que envolveria resgatar um ou mais sonhos recentes ou recorrentes. Os participantes não tinham conhecimento de que havia uma relação entre o estudo anterior e este. Metade deles relatou seus sonhos para um pesquisador que não forneceu nenhuma sugestão com sentido oculto. 

A outra metade relatou os sonhos a um terapeuta qualificado, um famoso psicólogo de um show de rádio em Florença. Depois de mencionar sua longa experiência em interpretação de sonhos, ele explicou que os sonhos possuem significado. Ele ouviu atentamente o sonho de cada participante e lhes perguntou o que achavam que os sonhos poderiam significar. Ofereceu, então, seus próprios comentários começando com sugestões gerais de que tal sonho, não importa qual, indicava que o participante era infeliz consigo mesmo e que o sonho estava provavelmente relacionado a alguma experiência passada que poderia até mesmo não ser lembrada. Ele continuou dando sugestões mais específicas, relacionando o sonho a certos eventos ocorridos antes dos três anos, como a de ser abandonado pelos pais ou estar perdido num lugar público. Finalmente, o terapeuta perguntou se eles se lembravam de algum evento semelhante e explicou que as memórias da infância estão geralmente enterradas no inconsciente e mencionou como elas poderiam aparecer nos sonhos.

Várias semanas depois, os estudantes foram novamente questionados sobre suas memórias de infância. O grupo ao qual não havia sido dado nenhuma sugestão ainda acreditava firmemente que nada traumático lhes havia ocorrido quando crianças. Mas aqueles cujos sonhos haviam sido "interpretados" agora relatavam que podiam se lembrar de certos eventos traumáticos que lhes haviam sido sugeridos. Apesar dessas "memórias" serem apenas frutos da interpretação de sonhos, os estudantes acreditavam que eram verdadeiras.

Se tal efeito pode ser alcançado em tão curto tempo - as sessões experimentais duraram apenas 30 minutos - o que dizer das influências persuasivas que existem na psicoterapia e que se estendem por meses ou até mesmo anos com sugestões repetidas muitas vezes? 

Como apontaram os pesquisadores, a interpretação de sonhos pode ter uma poderosa influência sobre os pacientes, já que as pessoas tendem a começar a terapia com a idéia de que os sonhos revelam acontecimentos passados verdadeiros. O problema é, então, que quando os terapeutas encorajam esta crença e sugerem possíveis interpretações, o passado pessoal pode facilmente se tornar distorcido.

Desde tempos antigos, os sonhos parecem ser maravilhosos e até mesmo proféticos. Eu não tenho dúvidas de que esta fascinação com o misterioso domínio do sonho vai continuar. Eu nunca negaria que os sonhos podem nos deixar perplexos, nos intrigar e enriquecer nossas vidas. Entretanto, esta pesquisa sugere que se aventurar na interpretação de sonhos pode ser uma atividade perigosa. Ninguém deveria ter a pretensão de saber o que os sonhos significam ou o que eles revelam sobre o passado. Até que os psicoterapeutas descartem sua tola noção freudiana sobre os sonhos, eu estou persuadida a manter os meu sonhos para mim mesma.