BAIRRO DA FREGUESIA DO Ó
(jornal "Freguesia do Ó News" – 2ª quinzena de agosto de 1991)
(Todos os textos são de Célio Pires, com base em pesquisas feitas pelo próprio, por Cairbar Palma, e na monografia "Nossa Senhora do Ó", de Máximo Barro)
Foi o fundador da Freguesia do Ó, o bandeirante Manoel Preto, o responsável pela construção da primeira capela, uma necessidade dos antigos moradores, que anteriormente para participarem dos rituais religiosos precisavam se deslocar até a Sé. A primeira missa no Ó ocorreu no dia 18 de setembro de 1615, embora o historiador Azevedo marques fale em 1610, como sendo a data de fundação da capela, chamada então de Nossa Senhora da Esperança.
Para obter a autorização da Santa Sé Manoel Preto teve que doar ao Vaticano as terras onde instalou a capela, alguns bens materiais, como gado e plantação. Em compensação teve assegurada a seus filhos a posse da Igreja e a obrigatoriedade de se celebrar cinco missas anuais pela sua alma. Como se pode ver, o bandeirante acreditava no valor das indulgências. A sua consciência pesada queria garantir um lugar no céu, mesmo tendo cometido tantas atrocidades contra índios e negros.
A igreja construída por Manoel Preto em 1794, acabou arruinando-se pela ação do tempo e foi abandonada, dando lugar a uma outra, feita de taipas no Largo da Matriz Velha e que acabou sucumbindo a um incêndio em 1896, quando um sacristão, ao queimar um enxame de abelhas, causou a destruição. Por longo tempo as cerimônias religiosas foram celebradas na sacristia, que salvara-se. Porém, foi no ato da reconstrução que se pode notar o elan grupal e o empenho particular dos óenses.
Apesar do Brasil estar atravessando, na época, uma crise tão contundente quanto a atual, os moradores conseguiram, com seus parcos recursos, edificar uma igreja em quatro anos, a sagração deu-se a 27 de janeiro de 1901. A invocação da igreja, originalmente Nossa Senhora da Esperança, passou então para Nossa Senhora do Ó.
O nome do bairro
O nome do bairro está diretamente ligado á tradição católica do povo brasileiro, cujas povoações sempre se desenvolveram em torno de uma igreja, e a Freguesia não fugiu à regra, tendo sido fundada sob a invocação de Nossa Senhora da Espectação (ou Esperança) do Bom Parto e São José. O ó surgiu em razão dos cânticos religiosos, em cujas antífonas (versículo cantado) se pronunciam a vogal ó ( nas invocações). Com o tempo, passou de N. S. da Espectação do Ó (já abandonado o Bom Parto e São José) para simplesmente Nossa Senhora do Ó. O termo Freguesia é um sinônimo arcaico de cercania ou vila.
Nos primórdios da Freguesia do Ó, a atividade econômica principal da população era a agricultura, exercida através da plantação da cana-de-açúcar. A tradição se manteve até decênios do século 20, só que no final do ciclo, utilizada no fabrico da "especial Caninha do Ó", aguardente muito apreciada na época.
O pioneiro neste ramo de atividade (no início do século 19) foi o proprietário da Fazenda da Ponte, cujo alambique estava localizado onde é hoje a Escola Emílio de Sousa Pena (Vila Brito) e depois de estendeu por todos os demais sítios da região.
Sr. José de Oliveira Simões, aos 86 anos de idade, em entrevista a este jornal no mês de julho de 1987, relembrou esta época, quando ainda era garoto e ia com sua pai, o velho Timóteo Oliveira Simões, vender a caninha do Ó no Centro de São Paulo, segundo o seguinte trajeto: ponte do rio Tietê (não mais existente – localizava-se na continuação da avenida Santa Marina), Água Branca, rua das Palmeiras, Largo do Arouche, Praça da República, rua Barão de Itapetininga, Viaduto do Chá, rua Direita e finalmente a rua do tesouro, onde era vendida a "caninha" a um distribuidor e até mesmo diretamente ao público.
"O percurso demorava cerca de duas horas e era feito também por outros sitiantes da região", recordou.
Outras atividades da população também movimentavam a economia da Freguesia de outrora. No final do século 18, era ponto obrigatório de passagem dos mineradores que iam atrás de ouro do Jaraguá.
A beleza natural da Freguesia atraia moradores de boa renda, que aqui vinham passar temporadas em suas casas de veraneio. Pelo censo de 1775, sabe-se que o presidente do Senado paulista, Manuel Rodrigues, era um dos moradores da Freguesia. A beleza de sua paisagem atraía com freqüência estudiosos europeus, que se encantavam com a diversidade da fauna e flora local.
A pesca teve também o seu período áureo. Um edital de 1745 chegou a regular a distribuição do pescado na região. O rio Tietê, na época não era retificado como agora primava pelos meandros que possuía, onde lagos consideráveis eram formados na época das chuvas , o que privilegiava a pesca.
Outra atividade econômica derivada do Tietê eram os portos de extração e areia, já neste século e após a chegada dos imigrantes, um reflexo do crescimento industrial e urbano que iniciava-se em São Paulo, com os loteamentos e suas construções. Exploravam os portos de areia as famílias dos Postalli, dos Finzeto e do Zé Prata, um português muito conhecido na época (décadas de 30 a 50).
O Futebol das várzeas do Tietê
A Freguesia do ò contava até a década de 50 com inúmeros campos de futebol – devido as grandes várzeas existentes nas proximidades do rio Tietê e depois literalmente tomadas pelas indústrias e loteamentos. Restou como recordação desta época apenas o campo do "Sete de Setembro", na rua da Balsa (próximo à Editora Abril).
Entre os times existentes naquela época gloriosa do futebol amador, tínhamos o Corinthians da vila Palmeira como um dos mais respeitados. Maravilha e Gula eram os craques. Na vila Palmeira havia o América, o São José o São Marcos; na vila Carolina a glória era o A . A . da Vila Carolina, que sobrevive até hoje. Outros que se destacavam: Santos, Anchieta, e o Olímpicos, cujo craque era o Wilsinho.
O "7 de setembro" sempre foi o clube mais organizado da Freguesia do Ó. Possuía sede própria e promovia bailes carnavalescos, muito concorridos, no Cine Clipper. Outros times que se destacavam: Laboratório, Clipper, Vila União, Onze garotos, Santa Eudóxia, Luzo-Paulistano, Ás de Ouro, Botafogo, 25 de agosto, Matriz, Cifa, Itaberaba, A . A . São Paulinho, Sobrado, Araras, etc. ) Na Vila Brasilândia as sensações eram: glorioso, Maracanã, Mocidade Paulista, Mocidade Brasileira e Guaraú. Na cachoeirinha destacava-se o Sergipe (ainda em atividade) entre outros. O Paulista, do alto da Freguesia do Ó foi um dos mais antigos e conceituados da região. Estes clubes revelaram jogadores famosos, na várzea paulistana, tais como: Bela Domingos Fredianelli, Toningo, Zé Funfun, Maquininha, Congo, Miro, Bile, Juvêncio, Tuca, Neguinha, Fiore, Biguá, etc.
Aos domingos acontecia uma verdadeira festa nos campos de várzea da região. Os disputados jogos e aguerridas torcidas proporcionavam um belo espetáculo, hoje praticamente inexistente e que manteve-se vivo até meados da década de 60.
Os escravos na velha Freguesia
O fundador da Freguesia do Ó, o bandeirante Manoel Preto, tratava de forma desumana os índios aprisionados e escravizados em sua fazenda. Melhor tratamento não era dispensado aos escravos negros que vieram para esta região trabalhar nos canaviais existentes. Mesmo o negro mais passivo tinha como principal meta a fuga.
Os castigos corporais dispensados aos fugitivos quando recapturados eram violentos e até mesmo "sádicos" – como relatou o historiador Máximo Barro -, "mas isso, em contrapartida, gerava um ódio e uma ânsia de liberdade que dobrava a cada golpe desferido pelo leitor".
Por volta de 1770, a situação dos negros do Ó era desesperadora. Eles não titubeavam quando surgia oportunidade de fuga. A situação era igual em todas as cercanias da cidade de são Paulo, as fugas se sucediam e os fazendeiros utilizavam, por sua vez, os chamados "capitães-de-mato" que saíam em busca dos negros fugitivos. Isso fazia com que eles se internassem cada vez mais nas matas e em lugar seguro instalavam os chamados quilombos (locais em que os negros escravizados se concentravam e viviam em comunidade).
Muitos eram capturados e espancados violentamente. Após as chibatadas, no interior das senzalas, eles faziam meticulosas narrativas para os irmãos de infortúnio dos caminhos melhore para a fuga. Os próximos que fugiam já tinham o endereço certo dos quilombos. Reunidos em grupo eles ofereciam maior resistências aos captores e davam, respaldo para as novas fugas.
Os quilombos solidificaram-se na clandestinidade, contribuindo decisivamente para a libertação dos escravos, conquistada somente em 13 de ano de 1888.
O nome da Freguesia do Ó foi citado várias vezes nas "Atas da Vereança" dessa época, por Ter-se tornado um refúgio dos mais propícios para os negros fugitivos de vários pontos de São Paulo.
Foi o negro, um elemento de extrema importância na formação social, econômica e principalmente psíquica do habitante da Freguesia do Ó, e também o mais abundante, já que era o realizador de todo o trabalho dessa cercania. O censo publicado pelo mapa demográfico de 1805 revelou que, de um total de 1436 habitantes na Freguesia do Ó, 535 eram escravos. Os demais eram: 137 agricultores, 12 médicos, 2 padres, 2 militares, 3 negociantes, 6 artistas e 1 minerador.
Em 1836, novo censo é publicado e apresenta o seguinte quadro: brancos 796; pardos livres 388; pardos escravos 68; pretos livres 51; pretos escravos 456. Como se pode observar o efeito da mestiçagem se dava intensamente, mas o elemento de origem negra ainda era em maior número (negros + mestiços). Dos dois mil e tantos índios que Manoel Preto chegou a possuir já não restava nenhum. O que se pode concluir é que parte deles foi absolvida no processo de miscigenação, dando origem ao chamado "pardo" e outra parte, certamente, foi aniquilada pelo maus tratos sofridos.
A proporção entre os escravos e os homens livres era, de certa forma, igual à de outras cercanias. Em 1836 a cidade de São Paulo abrangia as Freguesias da Sé (5668 habitantes), Cutia(3.370) hab.), Santa Efigênia (3.064 hab.), Guarulhos (2.255 hab.), Juqueri (2.181 hab.) e Freguesia do ò (1.759 hab.).
A freguesia acorda para a urbanização
A velha Freguesia do ò, até então estacionada no tempo, alheia ao desenvolvimento paulistano, que já salientava-se desde o final do século 19 com o implemento das estradas de ferro, foi sacudida com os acontecimentos relevantes que se sucedem no início do século 20 e que prolongaram-se até a década de 40. O final da escravidão, a imigração européia para o Brasil, o advento da migração interna, com a chegada dos nordestinos à São Paulo, não deixaram a Freguesia fora do processo de urbanização acelerado que se deu a partir de então.
A freguesia do Ó recebeu as principais correntes imigratórias: japoneses, portugueses, espanhóis, eslavos, etc. Da Itália, os Finzettos, os Zuani, os Puosso. Os japoneses se concentram pelos lados, onde hoje se localizam as Vilas Cachoerinha e Brasilândia. Os húngaros: Azabó, Reiholz, Inhazs, radicalizaram-se na Vila Albertina e deram grande contribuição ao processo de industrialização da região e de São Paulo. É desta época a fundação do primeiro grande armazém, o do Marchini, na esquina da Av. Nossa Senhora do Ó (conhecida na época como Caminho do Limão) com Av. Santa Mariana, onde também foi instalada a primeira bomba de gasolina da região.
O loteamento de Vila Albertina, segundo o historiador Máximo Barro, foi iniciado em 1923, iniciando-se na rua Javoraú e seguia até a rua Antonio de couros (onde passa hoje a Avenida Inajar de Souza). Em 1926 é iniciado o loteamento da Vila Siqueira, propriedade de Antonio Rodrigues Siqueira e de seus filhos, Tristão Alves Siqueira (coronel da Guarda Nacional e manda-chuva político-militar da época), Francisco e Maria Angelina. Em 1929 inicia-se a vila Palmeira. Estava começando o processo de urbanização da região que estendeu-se na década de 40, pela V . N . Cachoeirinha e Vila Brasilândia, resultando no que vemos hoje, um aglomerado de quase um milhão de pessoas, que formam a região da Freguesia do Ó.