Breve Histórico do Crescimento Vertical na Cidade de São Paulo
Do livro: São Paulo: Crise e Mudança - Ed. Brasiliense e Prefeitura Municipal de São Paulo
( Gestão Luiza Erundina - ano 1991 - pág. 110 e 111)
São Paulo é amplamente conhecida por seus arranha-céus e congestionamentos viários. No entanto, quando analisamos sua forma de ocupação, constatamos que, em relação a outras metrópoles, a cidade é vertical e não efetivamente densa. Os seus congestionamentos podem ser explicados pela histórica prioridade ao transporte individual, o que resulta numa ocupação irracional do território, com as conhecidas influências sobre o transporte público.
A ação municipal, através da legislação urbanística, vem atuando no processo de verticalização no sentido de limitar os coeficientes de aproveitamento permitidos. A justificativa sempre se fundamentou na necessidade de controle das densidades, isto para evitar, de um lado, os problemas advindos da saturação do sistema viário e da infra-estrutura, e, de outro, para estabelecer um mecanismo de controle dos valores fundiários.
Há que se dizer, no entanto, que o estabelecimento de coeficientes não determina necessariamente a densidade demográfica: o coeficiente de aproveitamento determina a densidade construída, mas a demográfica será muito influenciada pelos padrões de urbanização e pela própria renda média da população que habita determinada área. Por outro lado, é preciso também enfatizar que os preços da terra urbana em São Paulo variam muito mais em função da conjuntura econômica do que através de mecanismos e instrumentos propostos pelo Poder Público.
Do ponto de vista histórico, o processo de verticalização de São Paulo teve início por volta de 1910. Assumindo maior intensidade na década seguinte. Seu surgimento esteve estreitamente vinculado, a exemplo de outras grandes metrópoles, tanto às novas necessidades da divisão técnica do trabalho, como à otimização dos terrenos urbanos situados nas áreas centrais, já supervalorizados em relação ao resto da cidade. O início da verticalização é constituído de edifícios de escritórios localizados no Centro de São Paulo.
Essa tendência se transforma a partir dos anos 40, quando a verticalização assume um caráter residencial e passa a ocupar os bairros próximos ao Centro, expandindo-se ao Sudoeste, onde se localizaram os principais investimentos públicos em sistema viário, com a concretização do Plano de Avenidas de Prestes Maia. A legislação de condomínio criada em 1928, ao tornar possível a divisão e, portanto, a venda dos edifícios e terrenos em frações ideais de co-propriedade, contribui certamente para acelerar esta modalidade de edificação.
Até a Segunda Grande Guerra, era um fenômeno tipicamente central e predominantemente terciário: 70% dos edifícios estavam localizados nesta área e 65% eram de uso comercial. Até então, construir para aluguel representava opção segura de investimento, e a grande maioria dos imóveis era construída para este fim. A legislação do inquilinato de 1942, ao congelar os aluguéis num período de inflação alta para a época, desestimulou acentuadamente esta modalidade de empreendimento, gerando a primeira grande crise da história da habitação no Brasil.
Até 1957, quando a Lei 5261 limita pela primeira vez os coeficientes de aproveitamento em seis vezes a área do terreno para uso comercial e quatro para residencial, a verticalização assumia as mais variadas formas. A média dos coeficientes de aproveitamento variava entre 8 a 10 vezes a área do terreno, mas, em certos casos, chegava até a 22 vezes, como no caso do Edifício Martinelli, que por muito tempo foi o maior edifício da América Latina.
Dos edifícios construídos entre 1940 e 1957, 71% estavam ainda localizados em torno da área central, mas apenas 25% foram destinados ao comércio. Quanto á condição de propriedade, cerca de metade das unidades era de aluguel, enquanto, no período anterior, 79% tinham esta finalidade.
É interessante notar que até 1957 a legislação urbanística se referia apenas ao controle da altura dos edifícios, apesar de ter como discurso o controle da verticalização. O estabelecimento de alturas máximas permitidas, se avaliado corretamente, estimulava muito mais do que restringia o crescimento vertical. Por exemplo, fora da zona central ela era de 80 metros, ou seja, 25 andares, o que para a época não representava restrição efetiva, uma vez que até hoje existem poucos edifícios em São Paulo com essas dimensões. Como já mencionado, a restrição aparece em 1957, com coeficientes de aproveitamento máximo 6 e 4. Os promotores imobiliários, num primeiro momento, opuseram-se ao projeto, mas seguiram a recomendação de aprovar imóveis residenciais como comerciais e, desse modo, o coeficiente de aproveitamento máximo real passou a ser 6. O projeto de lei estabeleceu também uma densidade demográfica máxima de 600 habitantes por hectare, através da fixação de uma cota mínima de 35 m² de terreno por unidade.
A conjunção desses dois fatores redundou na cosntrução de grandes apartamentos. Como a área mínima de apartamento passou a ser 210 m², o acesso a este tipo de propriedade limitou-se a um segmento extremamente restrito, pois os segmentos mais pobres foram, a partir desta época, definitivamente excluídos do mercado de apartamento. O autor da lei, Anhaia Mello, alardeava que o objetivo era remediar os males provenientes dos edifícios verticais. Dentre esses males, o legislador destacava o crescimento desordenado da cidade de São Paulo e a especulação imobiliária. Além disso, a lei buscava resolver o congestionamento provocado pelo crescimento vertical e, fundamentalmente, proteger a família dos "pardieiros" (sic) que proliferam na cidade, discurso, aliás, nada novo, pois desde o final do século passado ele já está presente na visão elitista dos burocratas da cidade.
Após a promulgação desta lei, com a exigência da cota mínima, os quitinetes, típicos da década de 50 em São Paulo, deixaram de ser construídos. Outra conseqüência da limitação do coeficiente de aproveitamento em 6 foi a expansão da área verticalizada, predominantemente em direção do Setor Sudoeste. A expansão se deve ao fato de que, com a limitação da possibilidade de construir, uma base fundiária maior passou a ser necessária.
Outra correlação sugestiva: a indústria automobilística se instala em 1956 em São Paulo. A decisão de suspender a construção do metrô, anunciada pelo então prefeito Adhemar de Barros, juntamente com a promulgação da Lei 5261/57 e a expansão da verticalização, voltada especificamente para os segmentos de mais alta renda, imprimiram, sem dúvida, novo impulso ao mercado nascente da indústria automobilística.
A criação do BNH em 1967 transforma estruturalmente a construção de edifícios, na medida que financiava a produção e a compra de apartamentos. É sobejamente conhecido que o BNH, criado inicialmente para abastecer o mercado de habitação popular, voltou-se para mercados de renda alta, capazes de dar maior garantia de retorno ao investimento. Até 1969, 41% das unidades financiadas destinavam-se a um mercado popular (conjuntos Cohab - 3 a 5 salários mínimos), 29% ao econômico (7 a 10 salários mínimos) e 30% ao médio. Entretanto, à medida que se ampliava o fenômeno da insolvência e, de modo particular, se alterava o modelo de acumulação econômica caracterizada pelo assim chamado milagre brasileiro, o objetivo inicial se modifica, pois, entre 1970 e 1974, 63% das unidades financiadas destinavam-se ao mercado médio, 25% ao econômico e apenas 12% ao popular.
Com a lei de zoneamento de 1972, nova limitação dos coeficientes de aproveitamento se concretiza, desta vez de forma diferenciada na trama urbana. Em 4% da área de São Paulo, nas zonas estritamente residenciais, o coeficiente máximo é 1; em 86%, o coeficiente máximo é igual a 2; e em apenas 10% da cidade atinge quatro vezes a área. A legislação de 1972 decorre dos preceitos estabelecidos pelo Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado do ano anterior, que propunha extensa malha de vias expressas. Em decorrência da histórica penúria dos recursos públicos, essas vias não foram construídas. Ou seja: a lei de zoneamento foi desenhada com base nessa malha viária inexistente.
Mas essa não é a única crítica que pode ser feita à lei de zoneamento. Sob o aspecto do meio ambiente, a legislação de uso e ocupação do solo, por estar calcada no sistema de vias expressas, simplesmente desconsiderou a base física da cidade, incidindo sem diferenciação sobre áreas que apresentam problemas na sua ocupação, tais como fundos de vales e áreas de solo erosivo.
Além disso, em apenas 10% de São Paulo é permitido o índice máximo de coeficiente de aproveitamento, correspondendo a quatro vezes a área do terreno, e em 90% da cidade se pode chegar a construir no máximo até duas vezes a área do terreno. Esse fato cria artificialmente uma escassez de terrenos com coeficiente de aproveitamento igual a 4, provocando elevação dos preços fundiários, obtida através do monopólio estabelecido nesses 10% de terrenos da cidade. Não se tem notícia de que essa diferenciação do potencial construtivo permitido tenha sido calculada com base na potencialidade da infra-estrutura ou na saturação do sistema viário.
Em síntese, verifica-se que a ação do Estado em relação ao processo de crescimento vertical favoreceu uma ocupação menos racional. Em primeiro lugar, porque a verticalização não apresenta os níveis de densidade construída das outras grandes metrópoles. Como vimos, apenas em 10% dos terrenos o coeficiente de aproveitamento permitido pela lei de zoneamento é 4. Em Nova Iorque ou Chicago, cidades também reconhecidas pela sua verticalização, os coeficientes máximos ultrapassam os índices de 18 a 20 vezes a área do terreno.
Outra característica do crescimento vertical do Município é que ele historicamente foi apropriado pelos segmentos de mais alta renda e se localizou principalmente na área mais bem equipada da cidade.
É certo que São Paulo comportaria níveis de densidade e de verticalização mais altos, otimizando melhor os recursos públicos já investidos no espaço urbano. Será necessário, no entanto, uma análise acurada da capacidade da infra-estrutura e dos sistema viário para que se estabeleçam novos índice urbanísticos.