As verdadeiras “festas do concelho”.

 

 

  Por: Eduardo Ribeiro Alves

Apesar dos milhares de contos gastos, as “festas da cidade” não conseguiram ser as verdadeiras  “festas do concelho”. Alguns dos responsáveis  desculpam-se alegando que no mundo rural não existe já aquele “gostinho” de outrora pelas festas. É  porém inverdade e para o constatarmos basta visitarmos agora as freguesias rurais e deparamos com a enorme proliferação de cartazes, a anunciar  festividades grandiosas pelas mais diversas aldeias. Ao longo dos anos, estes cartazes foram evoluindo (?) mas apesar do colorido exuberante e da selva publicitária existentes nos mais modernos, ainda é possível discernir neles um  simbolismo ancestral, que se vem comportando como a fonte de energia de todas estas romarias rurais, que são as autênticas festas do concelho de Vila Real. E basta visitarmos S. Tiago (em Andrães), S. Frutuoso (em Constantim), Senhora da Guia (em Abaças), Senhor dos Aflitos (em Guiães), Santa Ana (na Campeã), Senhora da Pena (em Mouçós) ou tantas outras romarias, para nos apercebermos da força que tem este simbolismo arrebatador, que tanto atrai as multidões. Contrariamente ao que acontece na cidade, onde o pensamento científico comanda a vida, nas aldeias é o simbólico quem impera e consegue ultrapassar a fronteira e o limiar entre o  sagrado e o profano. Foi a constatação deste fenómeno, que levou Yvan Simmon e  Levi-Strauss a afirmarem que «toda a obra humana, está marcada por simbolismo, mas nem toda é conhecimento científico!» É curioso que nas nossas aldeias nem falta faziam os cartazes para a divulgação das festas, já que o “relógio comunitário”, auto-regulado pela tradição popular, nunca erra o dia nem a hora, nem o lugar nem mesmo o santo. Então os mais velhos, basta-lhes uma semana antes ouvirem o estralejar dos  foguetes ao “meio-dia velho” (treze horas), para saberem de imediato a romaria que estão a anunciar.

Ainda existem no concelho muitas comunidades, que para a realização da sua festa, a ninguém recorrem a pedirem subsídios. Cada morador faz parte do “ role da festa”, que ao longo do ano vai dando a volta à aldeia por várias vezes, primeiro para recolher o feijão, o milho e a batata para o santo, depois para discutir a “oferta”, mais tarde para a receber e até dias antes para fazer a lista dos saiais dos “anjinhos” na procissão. Mesmo para o cidadão mais humilde, aquela é a festa dum padroeiro tão seu, como o vinho e o pão, as azeitonas e o próprio cabrito, manjados na mesa da sala com toda a família reunida, mesmo a emigrada. Só assim se entende o deixar-se em seguida enlevar  no recinto das festas, até altas horas da madrugada, naquele rodopio de identidade e prazer, que nem o calor escaldante ou a suja poeira conseguem travar!

Urge fazer-se um sério levantamento cultural das nossas festas e romarias, mas com o cuidado devido e a sensibilidade necessária, para que a avidez  científica não vá fazer enjeitar este ancestral simbolismo popular. É este o patamar que os nossos responsáveis deverão atingir; não se deixando ludibriar pela sensação redutora do dever cumprido só pelo facto de terem conseguido subsidiar todas as associações ou comissões de festas, que a eles recorreram. É que só subsidiar não basta, aliás como se pode ver pelo exemplo das nossas insossas “festas da cidade”, que pouco mais foram que mero formalismo sem identidade cultural. Continuar-se a insistir nelas, sem lhes respeitar o tradicional simbolismo, nem os mais gordos subsídios as farão rejuvenescer!

 

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