Diálogos  do meu povo.

 

 

Por: Eduardo Ribeiro Alves

 

A taberna estava apinhada de gente. A voz do Tomé sobrepunha-se mesmo à dos jogadores do “chincalhão”:

- É o que lhe digo, é só cidade, cidade, cidade! Para as aldeias, nada!

Garcias Cavalete, o “tubarão laranjinha” lá do sítio, engoliu mais uma vez  em seco e logo  disparou:

- Diz-me cá e então a cidade não é de todos?!

- De todos? - vociferou Tomé -, de todos sim! E as aldeias, de quem são?  Não são também de todos? As verbas só vêm para a cidade, é? Nas aldeias, não se faz nada vai para seis anos, bolas e vocês é que têm a culpa!

Cavalete foi aos arames e pôs-se  de corado como um dióspiro:

- Culpa, nós?  Em quê, podes dizer-me?!

- Em tudo, vocês abusam é das gentes simples das aldeias. Mas olhem que as pinceladas de alcatrão uns dias antes das eleições já começam a  não convencer! Vão mas é fazendo alguma coisa, senão...

- Nós temos acorrido a toda a gente, rapaz,  vós não quereis é ver!

- Nós não somos é cegos, senhor Garcias! Repare por exemplo na Zona Industrial e veja como resolveram o problema daquele buracão no acesso principal: três matacões cor de laranja de cada lado a desviar o trânsito e já está! Acha certo ser este o respeito pelas centenas de pessoas que diariamente lá passam?

- Mas isso vai ser composto, até já veio no Jornal a dizer que sim.

- Por amor de Deus, senhor Garcias, vocês andam a  dizer que  sim a toda a gente, mas isso não passa duma técnica política!

- A gente não se esquece das aldeias, o tempo delas há-de chegar!

- O tempo? Que tempo? Tempo é de repararem já os erros que fizeram, a calceta na Rua Direita, por exemplo...tanto dinheiro gasto e está uma vergonha, as lajes de granito centrais parecem barro de Bisalhães! E o parque por baixo do Jardim da Carreira, já reparou? Um nojo...os carros ficam com o rabo de fora e aqueles candeeiros caríssimos embutidos no granito foram todos às malvas! Agora toca a reparar tudo de novo e as aldeias que continuem à espera!

Garcias Cavalete, estava fulo. Ruminava na resposta, mas não lhe saía nada... até que num rasgo de inspiração disparou à queima-roupa:

- Mas o povo está connosco, basta reparar na maioria absoluta e esmagadora com que ganhámos! E nas próximas... haveis de levar ainda mais, esperai lá pela volta,  que não perdeis pela demora!

Cavalete tinha finalmente encontrado o argumento irrefutável. «É verdade, uma maioria absoluta esmagadora!» - pensava Tomé, enquanto saboreava a pequenos goles uma cerveja silenciosa. Pela sua mente passavam agora quadros de eleições anteriores naquela sua aldeia: aquele velhote, que entrando espavorido pela Assembleia de Voto, dizia que já tinha votado, por isso que não lhe cortassem a reforma; alguns anos depois veio o arroz e o açúcar pelas casas dos mais pobres, lembrando-lhes onde deveriam votar, os maços de cigarros para os velhotes e aqueles beijos lambuzados numa hipócrita simpatia (voto, a quanto obrigas!). E agora...

- Não penses mais, rapaz!- era o ti´Gadanha, um velhote de  frases cristalizadas na sabedoria e na grande experiência da vida -, deixa lá e não penses mais,  porque  “à primeira qualquer um cai!”.

- Mas “à segunda  cai quem quer” não é, ti’ Gadanha?!

- Também é verdade, sim senhor, mas olha que não há duas sem três, por isso “à terceira só cai quem é burro!”

 

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