Bilhete a Stefan Zweig
Celestino Silveira Revista da Semana 12/05/45
Veja você em que deu a sua precipitação, amigo. Desanimando em meio da jornada, não acreditou que os ventos mudassem a nosso favor e presumiu que estivesse malogrado qualquer recurso de salvação. Nosso barco e nossas almas, devia estar tudo soçobrando, jogado contra a maré, de encontro às ondas mais revoltas, de crista erguida, para você, que tinha obrigação de enxergar mais longe, desanimar. Desanimar a ponto de cortar as amarras da vida por sua própria conta, levando ainda, no redemoinho, a vida de quem o acompanhava em sua luta e em seu desespero.
A hora era dramática, certamente. As aparências faziam crer que tudo andasse irremediavelmente perdido, quando você, longe do cenário onde se desenrolava o drama, talvez por isso mesmo mais impressionado, tomou a deliberação extrema. Demorava a notícia da invasão, e espíritos tendenciosos especializavam-se em repetir que essa invasão jamais viria. Ou , quando viesse, seria para acabar num desastre maior. Pressagiava-se tudo pelo pior. E no convívio de alguns que o cercavam, quantos deles não seriam os primeiros a contribuir para a sua queda de espírito! Muitos que hoje se ufanam com a Vitória. Talvez dos que mais tenham embandeirado a fachada...
E no entanto você foi tão precipitado, amigo! Esperasse mais um pouco e não se justificariam seus temores... Você mesmo seria o primeiro a afugentar o fantasma do suicídio. Houve quem dissesse então o que invariavelmente se diz de um suicida: corajoso! E no seu caso adiantou-se que sua coragem teria sido maior, pois dera para arrastar a quem o acompanhava. Mentira! Em cada suicida esconde-se um indivíduo tangido pelo medo, medo de qualquer coisa na iminência de suceder ou já consumada. Medo da enfermidade incurável, da ruína financeira ou do desmoronamento de um ideal, que foi o seu caso. Não estivesse você dominado pelo pavor do que lhe poderia suceder com a vitória nazista, quem sabe se insuflado pelo complexo trabalhado por terceiros, e seria o primeiro a reconhecer a sua covardia. Deixassem os outros levar-se pela sua atitude e tudo estaria perdido.
Mas dizer-se que foi o homem que tão bem dissecou a psicologia do medo quem por ele se deixou arrastar!
Certamente nós sentimos a sua falta neste instante, como sentimos a de outros homens que não mereciam ter morrido. Dois deles tanto falta já estão fazendo nos preparativos da Pab: Roosevelt e Wilkie! Esses, porém, tiveram a coragem de ficar até o fim, mesmo quando o fim se desenhava sombrio. Não quis o Destino que ficassem. Talvez fossem idealistas de mais para enfrentarem o jogo de interesses em perspectiva, pronto a gerar novas cisões se espíritos mais fortes não o impedirem.
Você, porém, só não está aqui porque não quis. Por isso não o censuramos, não, mas nos compadecemos.
E depois, quem sabe o que realmente terá motivado seu suicídio. A tragédia de Petrópolis ficou envolta em um mistério que algum dia virá a esclarecer-se. Não nos surpreenderíamos, amigo, se ao germe desse mistério se ligasse qualquer semente da Quinta...
Celestino Silveira
STEFAN ZWEIG CONFIAVA NA
DERROTA DO NAZISMO
Correio do Povo – Porto Alegre 1 de março de 1942
Eliminados dois períodos da declaração deixada pelo grande escritor - Cláudio de Souza acusado da adulteração
Rio, 28 (C.P) - De forma sensacional o "Correio da Manhã", em sua edição de hoje estampa o "fac-símile" da declaração em que o infortunado Stefan Zweig escreveu antes de suicidar-se para provar que na tradução do original alemão para português tinham sido eliminados dois períodos finais, nos quais o celebre escritor expressava sua confiança na derrota do nazismo. Efetivamente, confrontando-se o original com a tradução verifica-se a falta destes dois períodos: "Deseja que eles- os amigos de Zweig - possam ver ainda a aurora que virá depois dessa longa noite. Eu, impaciente demais, vou antes disso."
Traduzindo essas expressões omitidas da referida declaração, diz, o "Correio da Manhã " que Stefan Zweig não se limitou a despedir-se dos amigos.
Formulou-lhes, também, votos para que pudessem ver a aurora que virá depois, isto é a derrota do nazismo, que foi a causa de seu desespero.Em seguida o matutino carioca, articula o seguinte juízo: "Suprimindo, entretanto, da declaração o final que, apoiado no próprio texto em alemão aqui restabelecemos, é esta a conclusão a que se chega: " Stefan Zweig teria recorrido ao suicídio, apenas por depressão sem estar confiante na derrota do nazismo e, talvez mesmo, por haver recebido informações exatas sobre o triunfo inevitável de Hitler..."
Encerrando seus comentários, o "Correio da Manhã " atribui o lapso a Agencia Nacional por ter distribuído a tradução da referida declaração aos jornais, mas sem indicar, como certamente o fará amanhã, o verdadeiro responsável por tão inqualificável traição. Predominando essa revelação do matutino carioca nos comentários do dia, fomos averigua-lo aparecendo logo a verdade. Auxiliando o novo esforço, a reportagem de "O Globo" ouviu o escritor Leopoldo Stern, amigo de Zweig, que mostrou logo o fio da meada com estas positivas declarações: " Fui eu quem se encarregou da versão da carta do alemão para o francês. Não omiti, no entanto, qualquer trecho, respeitando todo o original de Zweig. Para o português não o podia fazer por desconhecer o idioma. Mais tarde, li nos jornais a tradução para a língua deste país com a parte final cortada.
Sem saber a que atribuir o fato nenhuma providencia tomei, por achar que não cabia a mim tal iniciativa."
Depois o Sr. Leopoldo Stern confessou que entregou sua versão francesa para ser passada para o português a uma pessoa, que se dizia autoridade. Essa pessoa sabe-se, agora, de maneira positiva que foi o acadêmico Cláudio de Souza, tido e havido aqui em todos os meios como franco simpatizante do nazismo. E, esse mesmo Sr. Cláudio de Souza foi que, num segundo ardil, passou pelo telefone a sua tradução portuguesa da declaração de Zweig para a Agencia Nacional, que então a distribuiu aos jornais para facilitar o serviço de imprensa.
Efetivamente, estando o Sr. Cláudio de Souza em Petrópolis quase debulhado em lagrimas sobre o corpo ainda quente de Stefan Zweig, como seu amigo que se ufanava de ser, ninguém de boa mente poderia supor que o imortal acadêmico fosse, por qualquer interesse subalterno, confirmar o aforismo italiano "Tradutore, traditore".
Mesmo assim, com essa vulgaridade toda de seu procedimento menos correto, o acadêmico Cláudio de Souza não se anima falar. Continua em Petrópolis onde a reportagem do vespertino "A Noite" verbera, também, o fato, chamando-o tradutor de duplamente traidor, "porque traiu ao mesmo tempo a amizade do morto ilustre e o texto traduzido". E, comentando, diz: "Um quinta-colunista não teria traduzido melhor. Pode ser coincidência, mas é difícil acreditar-se que tenha sido inocente essa tradução sintetizada e tão favorável ao derrotismo, que os adeptos do Eixo andam espalhando"...