Epílogo: "Schachnovelle"
Epílogo: "Schachnovelle"
Por: Silvio Saidemberg.............21 de julho de 1999
Conclusões finais:

Na novela do xadrez (Schachnovelle ) reflete-se o humor de Zweig nos seus últimos meses de vida. Trata-se da luta quase impossível de um prisioneiro, a quem os nazistas submeteram à prolongada privação sensorial (eliminando contatos sociais e a possibilidade de atividades). A privação objetivava dele extrair informações que os levassem a "confiscar" bens de terceiros. A novela do xadrez fala que a luta para não se sucumbir à tortura acaba ensinando ao prisioneiro a ocupar-se com jogos mentais de xadrez, e através desta intensa ocupação intelectual consegue manter a sua lealdade e nada revelar aos torturadores. Em conseqüência, desenvolve singular habilidade de jogar partidas onde imagina cada movimento que dois adversários teriam de realizar .

Mas, após conseguir recuperar a liberdade, a lentidão proposital de um fortíssimo contendor em um jogo de xadrez é um fator irritante insuportável. Obsessivamente repassa mentalmente todas as possíveis jogadas de ambos, nesses longos intervalos de espera pelo lance do adversário. Para o ex-prisioneiro é fundamental estar em controle daquele jogo como único jogador dominando os dois lados do tabuleiro. Fora esta total absorção criativa nos tempos de recluso, que possibilitou alguma resistência, sanidade e sobrevivência.

Agora, tem ele de compartilhar funções que secretamente, aprendera a sozinho exercer. A demora dos lances do adversário o exaspera e angustia, desesperadamente quer voltar a permanecer em controle absoluto sobre todos os aspectos do jogo. Confundem-se as jogadas do mundo real com a nítida visão interna de seu tabuleiro mental. E esta confusão de imagens o leva a cometer um lance, motivado pela miragem nitidamente superposta ao tabuleiro real. Em vista deste engano, entrega a partida ao oponente, declarando-o vencedor. Então pede para aqueles que representa, os seus apostadores, que compreendam o mau resultado. Afinal de contas, nunca se comprometera em vencer; o seu acordo com o grupo havia sido de fazer uma séria tentativa. Moral da história: através de exercícios mentais pode-se conseguir a vitória sobre um período de grandes provações, mas, as distorções psicológicas causadas por essa luta em prol da sobrevivência, limitam a resistência para enfrentar novas frustrações que contrariem essas distorções.

Para Zweig é insuportável a lentidão de um mundo supostamente racional, onde a crueldade primitiva retarda soluções lógicas e benévolas. Afinal de contas ele só prometera tentar com todas as suas forças ( em Paris havia se proposto a lutar contra a tirania até a sua última gota de sangue), mas, não se comprometera a resolver os problemas da humanidade como campeão dessa humanidade.

Nos seus últimos dias de vida, as imagens confundem-se, as da ameaça externa com as da visão interna do jogo da vida que mantém sob controle, através de suas habilidades de romancista experiente, capaz de advinhar todos os encontros e diálogos de suas personagens.

Estando diante de lenta pressão em Petrópolis: cartas anônimas que mencionam a possibilidade do próximo lance do adversário, acusações falsas pela imprensa, personagens misteriosas da vida real cujo papel fica obscuro para a história, mas, certamente não para Zweig. O sofrimento causado pela pressão lenta e calculada o impede de continuar no jogo da vida. A escolha do adversário é forçá-lo a deixar definitivamente o tabuleiro desta existência por "seus próprios meios".

Stefan Zweig implicitamente declara o seu adversário vencedor, não lhe restam forças para resistir, sai da vida sem acusar ninguém, talvez ainda tentando explicar as ações daqueles que, certamente em sua maldade, apenas confirmam-se como arrogantes joguetes das ilusões. Para outros, que nele apostaram, resta a resignação de verem-no, juntamente com a esposa, ir-se sem aguardar " a aurora após esta longa noite", desejada a todos por ele.

*Dr. Silvio Saidemberg ( médico, psiquiatra, psicoterapeuta, professor de psiquiatria da PUC-Campinas FCM, "Fellow in Child and Adolescent Psychiatry from The University of Rochester, NY"; reside em Campinas, São Paulo) e-mail: ssaidemb@yahoo.com