CIRURGIA.
- Pra onde, doçura?
Não respondeu de imediato, tentava ajeitar-se no assento, vestido apertado, prateado, abas e mais abas, decote generoso, colo alvo, lábios grossos pintados de vermelho berrante movimentavam-se sem emitir som, depois a voz de falsete:
- Atlântica.
O motorista sorriu. . . mais uma daquelas coitadas. . . olhou pelo retrovisor. . . os lábios antes de falar hesitam, timidez?
-. . . . . . . . . ?
- Não, não, me benzinho, não é nenhuma festa. Tô saindo de uma - suspirou, movimentou os dedos longos nas sobrancelhas - de um cara carinhoso, é disso que eu preciso. . . me maltratam, tenho sentimentos, sabe? sou delicada. . .
Ai, meu rico São Cristóvão!
-. . . inda crio coragem e faço a tal da operação, cirurgia completa.
Bonita? o motorista adivinhou belos olhos, pele alva, caricatura? o cabelo um exagero, perucas nunca assentam bem na cabeça delas, os lábios, aquele trejeito. . . como conseguem ter um colo lindo? hormônios, silicone? dizem que os seios não tem consistência, que parece espuma. . . ai, meu rico São Cristóvão!
– . . . tirar aquilo, virar mulher de verdade. . . é uma nota, mas tenho bastante, tá tudo separado, é só criar coragem. . . queria a florzinha em vez do beija flor. . .
Droga, aquela boca, por quê?
–. . . gastei um bocado pra ajeitar a boca. . . muita pancada no início, quase não conseguia abrir mais, médico, terapeuta, exercício facial, ficou o tique. . .mas não me impede de fazer aquilo. . . você sabe!
Ai, meu rico São Cristóvão!
-Vou visitar uma amiga. Tentou suicídio, a terceira este ano. Uma morreu, jogou-se de um carro. É a porcaria da operação. Por isso ainda não fiz. Cortam aquilo. . . fica um buraco. Oco. Não há mais sexo. Não se sente nada, é o quê minhas amigas me dizem. Como viver sem o gozo? Impossível! Endoidam. Eu tenho orgasmo, como homem mesmo, dá um alívio tão gostoso, mesmo quando enfiam em mim. As vezes enfio também. Maravilha!
. . . diabo, essa boca, a voz, ela fala como se fosse criança. . . não. . . é como se contasse uma história para uma criança, será que zomba de mim? essa coisa de buraco oco, essa conversa me endoida, na minha idade, nunca. . . Ai, meu rico São Cristóvão!
–. . . não faço essa droga de operação. Foi bom conversar com o senhor. Quantos anos tem? Gosto de homem com experiência, homem que entende, não vem logo agredindo, xingando. . . me sinto como virgem de novo. . . gostaria de casar, ser amada. . . uma vez encontrei um cara, engrenou legal, mas. . .. na festa de despedida de solteiro puseram uma fita, eu tava nela. . . azar meu. . . foi a primeira e única, queria ser atriz. . . me vi em frente à luzes, camêra, um mundo de gente e. . . um cara por trás, outros dois me enfiando coisas enormes na boca. . .
Ai, meu rico São Cristóvão!
-. . . desisti, não me deram o papel principal. Meu agente insistiu, mas bati pé firme. . . amor próprio é importante, não acha?
O carro atravessou o túnel, a brisa com cheiro de maresia entrou pela janela, o motorista respirou fundo.
Ai, meu rico São Cristóvão!
- Pra falar a verdade tô fugindo dele. . . meu agente. .. . quer aumentar sua cota. . . não me incomodo de fazer aquilo, você sabe, né?
Até gosto, mas trabalhar praquele bandido. . . me ameaçou, disse que ia me retalhar toda. . .
Dedos acariciaram com delicadeza a nuca do motorista.
Ai, meu rico São Cristóvão!
– ... podia me ajudar, homem experiente que nem você, maduro, aposto que daria um jeito. . .
...dedos abriram caminho dentro da camisa, passaram de leve pelos mamilos, o rosto macio encostou na barba por fazer, perfume entrou pelas narinas do motorista.
Ai, meu rico São Cristóvão!
O carro diminuiu a marcha, parou numa esquina, a passageira saltou e sentou - se ao lado do motorista.
– Bem - falou ela com as mãos na virilha do homem - conhece um lugar sossegado?
Ai, ai, meu rico São Cristóvão!
- Que tal o mirante do Leblon?
Mãos delgadas, abriram a braguilha das calças. . . carícias seguiram.
Ai, ai, ai, meu rico São Cristóvão!
- Bem, seu beija flor, como cresceu. . . não precisamos ir tão longe, bem. Dobra aqui, tá escurinho. Bem, como você w grande! Que pena eu não ter florzinha.
Os cabelos dela cobriram a virilha do homem.
Ai, ai, ai, aiiiiiii, meu rico São Cristóvão!
Ela levantou a cabeça, a peruca torta quase caindo, a boca lambuzada de batom, retirou a navalha de dentro do decote, um movimento rápido, sangue esguichou do pescoço desguarnecido do homem.
Ai, meu ri. . .