Caminhada

Morava em Ipanema, próximo da orla, não muito afastado do Arpoador. Saí de casa as nove, dia lindo, céu de brigadeiro, mar de almirante, temperatura amena, iniciei caminhada no calçadão com cuidado, qualquer tropeção dor na perna. Num banco à sombra sentei - me, ainda não alcançara o pontal, para que me apressar? cotovelos apoiados numa ponta, a perna doida na horizontal a outra com pé no chão, olhei ao redor, edifícios atrás, mar à frente, me detive nos andarilhos , coopermaníacos , os jovens sumidos, velhos e...elas, meia idade, dondocas disponíveis, bem tratadas, belas, apetitosas, coxas bem torneadas, seios num balanço sensual...alguns balançam, outros não...por que?...ao longe avistei uma morena vindo do Arpoador, passos apressados...Luiza? sim, sim, ela! my last affair...dizem que a dor da paixão desfeita só dura um dia...mas a lembrança é eterna...Luíza, Luíza, o seu poder de sedução é infinito, tanto quanto sua gula pour l'argent...–– somente a verdadeira relação é digna de ser mantida, me dissera um amigo à titulo de consolo, – é tudo uma questão de grana e tem tudo a ver com sexo, eu respondera...o corpo bem moldado dentro do colant, próximo, aprumei minha carcaça, falei ola! ela parou, olhou por baixo da viseira:

– Oi ! não te reconheci com esse boné de Chicago ...

–....Bulls! vai querer ele pra você? sempre pede tudo...

– ...e você sempre sacaneando...não mudou nada...

–...ainda sinto tesão por você...tá nervosa...teu olho pisca.

– Não esqueceu - sorriu - a aposentadoria, melhorou?

– Ainda a mesma merda...quer relembrar os velhos tempos? tiro algo da poupança e...

– ...nem pensar, tô com um suíço na minha casa e..

–...e daí, não será a primeira nem a última vez que passa pra trás algum otário...por que não está com ele? é mão fecha...

– ...se eu chutar ele você me sustenta?

Calei, não tinha resposta.

– Já gostei muito de você - continuou ela - abandonei a vida tua causa...perdi o carro, vendi minha jóias, esperei demais...aposentou e ficou duro...culpa tua a separação...

–...tá bem, tá bem...não foi assim, você sabe...não adianta discutir.

Não havia mais o que dizer, despedida civilizada, Luiza continuou a caminhada, eu sentei de volta no banco...que saudades, não há como viver sem carinho, sem entrelaçar coxas...tristeza me dominou, encolhi as pernas, abracei - me, baixei a cabeça, levantei a cabeça olhar no horizonte, suor escorria nas faces, lábios cerrados, senti choro chegar, segurei...me acalmei, oco, nada inside, dor de ferida mal cicatrizada, a tristeza se recolheu junto à dor. Estiquei as pernas, levantei - me, recomecei a caminhada em direção ao pontal, olhei para trás, um ponto minúsculo longe, Luiza, acompanhei enquanto pude, meu passado sumido junto com ela. Sorri, depois ri.

– Qual a piada?- perguntou um amigo ao se aproximar.

– Piada ? pode ser, é que me lembrei do Ciro Monteiro, de Lupicínio Rodrigues , grande dupla.

– E daí? dor de corno?

– Segredos d'alma, nem no confessionário digo.

– Tu é judeu, não diga asneiras...te vi com a morena, te corneou? belo exemplar nativo ela...cabe mais lembrar Cor de pecado, João do Barro...conta!

– Tem razão - continuei com a risada - quer saber? então vá lá - segurei o baixinho pelo pescoço, o empurrei à minha frente – vamos voltar...escuta só...era uma fez um velho como você...

– Eu? por que eu?

– Tá bem, tá bem...como eu... aí o velho sacana...