D R I N Q U E .
Bandeirada, fim de corrida no autodromo de Cascavel. Catamos o carro na balbúrdia do estacionamento... mãos no volante, pés descalços nos pedais, era assim que eu dirigia, um tempão pra sair, patinar das rodas da caminhonete à frente salpicou lama no pára - brisa.
– Merdas de paranaenses - falei irritado - pensam que são uns fittipaldis !
– Tesão por carros, tá no sangue deles - riu Gaúcho.
– Tá achando graça ? então vá limpar.
– Não implica - falou Pato Rouco - tu tá sempre de ovo virado.
Esguichei jato d 'água no vidro, liguei o limpador, desliguei, entreguei jornal velho pro Gaúcho.
– Toma! Esfrega!
O grandalhão atendeu sem reclamar, sujou mais que limpou, droga de cara desajeitado, acionei a bomba de novo, limpadores, ele voltou pro seu lugar, jogou o papel sujo pela janela, pé na embreagem, engrenei, arranquei furioso, Pato tinha razão, eu vivia de mau humor.
Ainda não era verão, mas fazia calor, o sol à frente enviava raios descontínuos através da copa dos pinheiros, refletiam no vidro mal limpo, dificultava a visão, guardei os óculos escuros no bolso da camisa, deixamos para trás a zona industrial, surgiram os campos estriados de plantação de soja.
– Puxa, que calor ! – falou Pato.
– Tô louco por um drinque gelado.
– Que porra é essa de drinque? - falei rindo, ele sempre me fazia rir, meu mau humor desaparecido - Gaúcho é fresco mesmo.
– Ele quer dizer cerveja gelada - falou Pato.
– Não precisa traduzir, pô! mas que ele é fresco, é.
– Pega logo a primeira à direita em vez de sacanear - resmungou Gaúcho - tá logo ali.
– Caralho, zona a essa hora?
– E daí, a cerveja é boa e...
–...e as mulheres uma merda - emendou Pato.
Acionei o pisca - pisca, diminuí a velocidade, embiquei na estrada lamacenta, um carro passou no sentido contrário, água barrenta cobriu o para - brisa, o limpador espalhou lama.
– Merda, de novo ! Droga de drinque que tu tá arrumando - apertei os olhos, tentava de enxergar.
Minutos depois paramos em frente à meia dúzia casas de madeira pintadas de azul celeste.
– É aquela ali - Gaúcho apontou pra do meio - é a melhor.
– Como tu sabe? - perguntou Pato - tu já teve aqui?
– Sei porque sei !
Subimos alguns degraus, porta trancada, bati, nenhuma resposta.
– Vamos! Tá todo mundo dormindo - falei esperançoso.
A poeta abriu, uma crioula apareceu.
– Tá fechado, só mais tarde.
– Pera, moça, só queremos cerveja gelada...tem? - falou Gaúcho.
Ela olhou pra ele, mostrou o 1001.
- Entrem!
Gaúcho sempre dava certo com o muierío , elas se abriam pro lourão, devia ser a cara de gringo dele.
Escuro lá dentro, mal dava pra sacar três mulheres e uma velha sentada no fundo do salão. Escolhemos uma mesa num canto, sentamos, numa outra mesa à nossa frente um cara de terno, gravata, cabelo engomado, estranho num buraco como esse, ele manuseava um baralho, cagou pra gente, não gostei dele...numa outra um mesa sujeito de meia idade, mal enjambrado, dormitava, cabeça nos braços, braços na mesa, garrafa de cerveja e copo vazio ao lado, levantou a cabeça, olhos injetados, não mostrou surpresa, voltou ao cochilo.
– Três Bramas geladas! - acendi um cigarro - tu não disse que tava fechado, e esses caras?
– São de casa!- respondeu a crioula.
O engomado me olhou com indiferença, gostei ainda menos dele, uma garota trouxe as garrafas, as colocou na mesa junto com uns copos... abraçou o Gaúcho por trás, pelo pescoço.
– Ela manjou que tu é otário - riu Pato.
– Donde cês são? - perguntou a crioula.
Me balancei na cadeira, a negra era simpática, resolvi brincar.
– Nos dois somos brasileiros, o loiro com a dona pendurada no pescoço é gaúcho.
Ela sorriu, entendera, mostrou de novo o 1001 , esfregou o rabo imenso no ombro de Pato.
–Ich spreche Deutch - falou a garota sem largar o pescoço do Gaúcho - sou catarina - largou o grandalhão
mostrou o seios, o decote do vestido curto facilitou - gosta?- olhou pra ele - ich liebe dich, und du?
– Ele te adora, mas não fala picas de alemão - falou Pato.
Rimos.
– São uns sacanas - falou a crioula - já vi que não tão a fim.
O engomado nos olhou de novo, tive vontade de enfiar a raquete nele, me contive, falei:
– Negativo, o rouco gosta de negra bunduda que nem tu...se tu equilibrar um copo cheio de cerveja em cima do rabo sem derramar uma gota ele te come.
– Porra, cara, tá querendo me encrencar? ...moça não ligue pra ele...senta e toma uma cerveja conosco -
Pato puxou uma cadeira - ele é esquisito, é misógino.
Ela me olhou séria.
– Que é isso, uma doença?
Gaúcho riu.
– É uma espécie de bicha.
– Gosto dele - falou a crioula.
– Eu também de ti...mas só pra tomar cerveja...
Me pareceu estar ofendida, eu quis emendar uma graça, mulher sempre tem que ser respeitada, mesmo uma como ela, estendi a mão, apertei os dedos dela, me olhou, podia jurar que via lágrimas...a catarina recolocou os braços em torno do pescoço do lourão, virou - se na direção de Pato:
– Diga a ele que o amo.
– Gaúcho, ela te ama.
– Ele fala português - falei irritado, eu estava com pressa - pessoal, vamos cair fora, acabem a bebida e finito.
– Quero mais uma cerveja - falou Gaúcho.
– Eu também - Pato fez coro.
– Merda, querem calar a boca...temos uma longa viagem pela frente.
– Porra...
– Não tem porra nem disporra, chega!
– Tão brigando, não são amigos? - perguntou o rabo.
– Somos...tô com pressa...só isso!
– Du bist ein shöne Mann - miou a catarina - diga a ele.
– Merda, mais essa...você é um homem bonito - traduzi.
– Você diz ou ela? - o Gaúcho riu.
– Para de bancar o babaca! - falei
A velha fez um sinal, duas mulheres se aproximaram, ficaram por perto, o cara de cabelo engomado observava atento, o de meia idade ainda dormia.
– Droga, já não disse pra levantar acampamento? traga a conta!
– Não senhor, precisam ficar - falou a crioula - tô com tesão - me encarou.
– Deixa eles - falou o engomado - não são de nada.
A crioula pegou na minha mão.
– Fica...diz aos outros pra ficar também.
Me olharam, vira - latas famintos, fingi não ver, retirei minha mão do da negra.
– Vamos picar a mula...temos que chegar até Guarapuava ou pelo menos até Laranjeiras do Sul... trepamos
lá...quero a luz da tarde...não gosto de estrada a noite.
– Ficar mais um pouco seria tão bom...- falou Gaúcho agarrado à mulher.
– Droga, cara, pega logo a crioula e não enche...eu dirijo - falou Pato.
– Só fodo beijando...essa não dá...nada feito...cadê a conta?
A crioula partiu zangada, paciência.
– Bleibem...fiquem - falou a mulher do Gaúcho.
– Puta que pariu! - gritei - para com essas frescuras de alemão.
– Escuta aí - falou o engomado pra catarina enquanto fazia umas contas num caderninho - não gaste tempo com eles...não valem a cerveja que bebem.
– O cara tá enchendo - resmungou Gaúcho - vou enfiar a mão nele.
– Tô contigo - falou Rato - somos três...é sopa.
– Droga, Pato não atiça...nada de encrenca...a conta, cadê?
A crioula veio balançando o rabo, trouxe um pedaço de papel, sentou - se à mesa, outra mulher reapareceu...me levantei.
– Não liguem pra esse caras... vão jantar que tá na hora - falou o engomado - não valem nada.
Segurei o Gaúcho.
– Quer levar uma facada?
Paguei , dei boa gorjeta , nos encaminhamos pra saída, eu na frente, ao passar pelo engomado tropecei no pé estendido, ouvi risada, me virei, mandei porrada, a mão doeu, a faca apareceu, Pato acertou uma garrafada na cabeça do safado, sangue escorreu, chutei a faca pra longe...a velha veio correndo que nem cadela de três pernas, colocou a cabeça ensangüentada no colo...nana neném que eu tenho que fazer roupinha pra lavar...olhei boquiaberto, não dava pra acreditar...
– É filho dela - falou a crioula...segurou minha mão, a colocou entre as coxas – tu me deixou molhadinha, vem...
– Gaúcho, onde tu tá?- perguntei, o dedo enfiado no rabo dela.
– Tä com a catarina - falou o sonolento agora acordado e rindo - ainda não vi ninguém sair daqui sem foder.
– Filho da puta! - falou Pato...me olhou.
Dei de ombros, a crioula me puxou.
– Escolhe uma! - gritei pro Pato ao desaparecer por trás da cortina florida..
A garota que falava alemão apareceu na porta, o farol do carro a iluminou, coxas volumosas sombreadas apareceram através do vestido...Gaúcho deu adeus com um abano da mão...ela não respondeu, apenas ficou aí, quieta, olhando...a crioula a empurrou e veio correndo que nem rinoceronte...
– Quispariu...- segurei o vomito na garganta, escarrei pela janela, acendi um cigarro, escutei o ronco de Pato ao meu lado...
...partimos.