F R I G O B A R.
...ela veio, está aqui, no meu quarto...
...rosto belo emoldurado por cabelos negros, boca carnuda, nariz aquilino, olhos castanhos amendoados, sobrancelhas cheias...silêncio, expectativa? no olhar dela interrogação, ele tenso fingindo descontração, apanhou um maço de cigarros na mesa, acendeu um, a mão tremia, olhou o copo de uísque, não tocou nele, o barulho do trânsito entrou pela janela, misturou - se à música ambiente, vozes indistintas de pessoas aglomeradas na porta do boteco em frente, levantou - se, apagou o cigarro no cinzeiro, fechou a janela, desligou o som, ligou o ar condicionado, o zunido do aparelho o acalmou...
– Falam muito palavrão...
–... a mim não me incomodam - respondeu ela.
Ele apanhou o copo com bebida, um gole, o recolocou sem pressa no lugar exato sobre a rodela úmida, ela segurava um outro copo.
– Um cigarro?
– Agora não...não fumo enquanto bebo!
Ele a fitou, ela desviou o olhar, ele percebeu a inutilidade da conversa, sabia que a incomodava...quarto de hotel , seu lar temporário, quatro meses aqui, sentia - se confortável nele...pegou seu copo, levantou - se com ele na mão, fechou a porta do banheiro, desligou o ar condicionado, o frigobar zunia, abaixou - se, retirou o pino da tomada...silêncio total...acendeu um abajur...as muletas encostadas numa poltrona, desviou o olhar para a cama, ela acompanhava atenta, ele parou à sua frente, recolocou o copo na mesa, sorriu, ela esticou os braços, colheu - a sem esforço, colocou - a com cuidado exagerado em cima da colcha...
Apressado naquela tarde, passadas largas e ágeis evitavam a multidão, pensamento nos problemas da obra...a rua principal da cidade do interior paulista apinhada de gente, lojas, carros, zoeira infernal...esbarrão...– desculpa!...surpreso não viu ninguém à sua frente, sentiu um puxão na calça...– me ajuda levantar!...a segurou por baixo dos braços, uma pluma, apanhou as muletas...– não se preocupe, acontece!...olhar zombeteiro, ele colocou a mão sobre a cabeça à sua frente, alisou os cabelos, retirou a mão...–machucou?...–não!...sorriso...ele puxou o maço de cigarros do bolso, acendeu um, ofereceu outro, ela aceitou...– se chama?...ela deu o nome, ele o seu, acompanhou - a até o carro, ela entrou sem ajuda, ele se abaixou, colocou a cabeça na altura da janela...–jantar? ...risada...– não perde tempo! talvez...– me telefona, estou no Alvorada...aperto de mão prolongado, ela desvencilhou - se, o carro arrancou... quero ela...
...sentados à mesa ele ouvia...filha de fazendeiro, veterinária, caíra do dorso de um manga larga, cirurgias, pernas inutilizadas, noivado rompido...–te quero, falou ele...– tem certeza?...o olhar dela nas muletas...– não sou mais mulher... segurou a mão dela, chamou o garçom, pagou a conta...– vamos!
...desabotoou a blusa , continuou deliberado...nua, pele alva, o belo rosto distendeu - se, o olhar dela um brilho tranqüilo...