G I L D A¨
I
–...um blasé...espectador cínico do lixo, dá até pra sentir o fedor...
Justino não prestava muita atenção, mais interessado nas mulheres na calçada em frente ao boteco, esquina com Sta. Clara...acomodou - se no tamborete, encostou - se no balcão, pediu outro chope...a mensagem virá, pensou, sempre o mesmo quando abordado por estranhos com papo babaca..
–...é bicha enrrustida...viu Gilda? Macready gamadão pelo Glenn..."tem algo que preciso saber, você não me disse tudo"...palavras de Rita...a censura de Hollywood comeu mosca...ele ficou com ela, esses caras nunca ficam...anti herói, my ass! uma besta, isto sim...
Justino acendeu um cigarro.
–...Grimaldi, conhece? of course!...abriu uma casa de show, sexo ao vivo e outras coisitas mais, sacanagem pura...deve ter tóxico, jogatina...coisa supimpa, muito luxory...quer te ver, não sei parque...juntou, pior, casou, coisa fina, monumento...goddess...quer escort pra ela, voltou de Sampa, mandou te catar...te cuida! Vê se compra celular...um saco esse negócio de te catar em boteco...pago tua despesa...bye, bye!
II
Gina o olhou com um sorriso nos lábios...parece representar um papel mal ensaiado... caminhada depois da saída do Nicky ´s Bar, água de coco no quiosque, silêncio no elevador, tudo tão deliberado...dentro do apartamento, no quarto indicando o banheiro, apontando as toalhas, tão polido, olhar dele na penumbra fingindo desconhecer o que viria...eu me despia, nem olhou, nem uma vez, nem quando movimentei o quadril em frente ao espelho, tava na janela, fumava...esperei deitada...só veio quando o chamei...não beijou, nem gemeu...estranho...eu amei...ela se levantou, se vestiu, saiu, Justino dormia.
III
– Você e ele? onde? – Gina examinou a foto.
– Batalhão da selva...Marabá, em 70! – respondeu Justino.
– Mataram?
– Alguns!
– Remorso?
Olhou a mulher como se não a visse.
– ...na selva...sangue e suor...as vezes mulher, comíamos as mesmas...buceta nunca interfere com amizade, buceta é bem descartável...
Gina bateu a porta.
IV
Grimaldi apanhou garrafa de uísque, sentou - se ao lado de Justino, no cinzeiro cigarros apagados.
– Algo pra me dizer?
Justino não respondeu
– Não me sacaneia – continuou – amizade é algo a ser preservado...tanto tempo...comemos muitas donas, você e eu, mas agora tô gamadão, casei com ela...tu devia ter sacado, nem imaginei que faria aquilo, só de olhar pra ela eu sabia...uma vez passa, mas...vamos esquecer – segurou o braço do Justino.
Sorriram.
V
Conversavam...Grimaldi dizia...tô de saco cheio de ser sempre bonzibho, perdoar...ela não entendia...tá na hora de dar um basta...acabo com ele...ela sorria, parecia mãe ouvir o filho dizer que mataria aula...mas como você era bonito com aquela boina, e aquele bigodão e...parou, traíra - se, aguardou, ele parecia não ter ouvido, passos felinos de um lado para o outro...você é tão atraente...continuou ela, ele parou ...nunca te mostrei aquela foto, como...talvez...as passadas reiniciaram, ela suspirou aliviada.
VI
Não agüentava a espera, ansiosa, muito desejo, nunca sentira tanto...te quero...muito...hoje, agora...falara no telefone, o riso do outro lado a enlouquecera...por que lá, por que não no teu...surpresa, amor, surpresa, respondera ele...rua do Riachuelo, espelunca mal cheirosa, decadente...a porta abriu, ela correu ao encontro dele, se abraçaram...a lâmina penetro a carne macia...
– Por que? – perguntou Gina ao cair.