INFIDELIDADE.

Chove. Um homem na esquina. Sinaliza. Um táxi pára. Senta ao lado do motorista, no painel : PEÇO NÃO FUMAR. – se incomoda se fumo? – tudo bem! o homem acende um cigarro , aciona a manivela, a janela abre, pingos de chuva, joga fora o cigarro...– é, não adianta...fecha a janela, não dá a direção, o motorista não pergunta, o passageiro se apalpa do lado direito, sente a arma, dá um suspiro de alívio...– pode fumar, mesmo com a janela fechada...o homem acende outro cigarro , olha para fora, hesita instantes, se descarta do cigarro, vira a cabeça, olha para o motorista...–ela me disse... te amo mas me magoou... e aí eu perguntei... será que não dá mais? ela não me respondeu, virou as costas e foi andando, de longe ouvi...aquilo vai ficar entre nos dois pelo resto de nossas vidas...ainda vejo seu andar elegante, suas costas sumindo... não sei se dou um tiro noscornos ou...pára! aqui, no boteco...não se preocupe, sou polícia, estaciona onde quiser, preciso de companhia, compaixão, um trago...

–...hoje tô a fim de coisa fina...hei, garoto! tem uísque nessa espelunca?...tem! ótimo! deixa ver...Johnnie Walker, Red Label...diz que é do Fofão? legal!...é autentico, deixa a garrafa, diga a ele que foi o Samuca da vigésima...dois copos, limpos!...o tal de Fofão é pilantra, bicheiro, distribui erva e outros venenos mais...não tá em cana porque o doutor delega não quer, diz que é X 9...não tô nessa, é mutreta da boa...bom, deixa pra lá...à nossa!...foi a merda da minha profissão que me derrubou...eu tava numa campana , cassino clandestino em Copa, estouramos o antro, o sacana do Robinho não tava no salão, era atrás dele que eu tava...os otários, os crupié , não interessavam, já tava pra pirulitar quando vejo o espelhão...saquei de primeira que era um daqueles tipo janela, sabe cumé? o cara por trás manja o ambiente,,, pego uma cadeira e arrebento o troço, pulo por cima dos cacos, entro no recinto, nada do cara, vejo uma porta, mexo na maçaneta, abro com cautela, entro na maciota, ouço voz...se não ficar na minha quebro teu pescoço...lá tava ele, elegante numa beca de pingüim...e ela, meu Deus ,ela.. Miss Mundo! que speitos! morenaço! um narizinho... o safado esbofeteia ela... hahaha! tu não vai acreditar, ela dá o troco de pronto, um soco no queixo dele... que porrada! nunca visto, nem no cinema...Robinho saca duma navalha , aí eu mando bala, virou presunto na horinha ...aí foi que tudo começou... mandei ela sumir, saiu feito bala...eu e os colegas demos jeito no cadáver, desovamos ele no lixão...bom. pra encurtar, eu e ela juntamos, quase seis meses, quase baixo enfermaria, um fodão!... mas tu sabe, o engraçado é que nunca deixei de amar a patroa, nem um dia... um sufoco, não dava pra duas, não mesmo! quem pensa que sim é otário... dei um basta, chutei o fodão,,, me estrepei de verde amarelo... a sacana tava na dum cara , um bichaço, dá pra acreditar? descobri por acaso, numa particular, faço isso as vezes... chantagem, vídeo do bacana...com quem? já sacou, né? com a Miss, no maior rolarola, chicote, bota preta, e outros apetrechos... bom, vamos deixar pra lá as miudeza...o cara deu mole e eu segurei ele...tive que dar arreglo, ele mostrou outros vídeos, eu e ela.. aquilo remoeu, não largava da minha cabeça, procurei ela...você e o viado, se mancam, quero a mercadoria, falei... ela não estrebuchou , foi gentil, até dei uma em nome do passado, acabou me convencendo de que o carinha fazia aquilo pra se satisfazer, curtia ver homem pelado num entrasai ...ah é? falei...e o bacana da chantagem, o que diz? desfiou lorota embaralhada de como um michê do viadaço tinha se apossado da mercadoria e coisa e tal... babaquiei , me convenceu, larguei mão do serviço... uma dia desses chego em casa, procuro pela patroa, tava com os olhos grudados na telinha, lágrimas rolando... sim, sim, adivinhou... era o vídeo, eu e a dona... não falei nada, nem um ai ! de que adiantava? dormi na sala... de manhãzinha procurei pelo meu compadre... foi dureza mas fizemos o serviço, jogamos a parelha no mar, lá do mirante da Niemeier... nos safamos numa boa, o figurão deu jeito... tu fala que eu devia ter contado pra patroa? deixa eu te dizer uma coisita... um cara encontra uma dona , a coisa rola, ele não resiste... eu chamo isso de fraqueza, fra- que- za! sacou? agora, eu chego em casa, olho pra ela e quero confessar, mas não faço... aquilo também é fraqueza, pior, é crueldade... é dose, não dava pra encarar...

O boteco em silêncio, o rapaz de trás do balcão cochila , a garrafa de uísque vazia , no chão monte de guimbas, o motorista impassível, o homem sacode a garrafa, duas gotas caem no copo, ele lambe o gargalo.

–... ele morreu, meu compadre, numa diligência, ela tava lá, no enterro.. eu já tinha saído de casa, não falava mais com ela fazia tempo... tentei, ela não me deixou abrir a boca, colocou um dedo nos meus lábios, acariciou meu rosto... te amo, falou ... sei, sei, já tinha te dito, tô repetindo, me faz bem, tristeza as vezes consola.. bem, ela me virou as costas e se afastou com passos firmes... ouvi a voz dela...aquilo vai ficar entre nos pelo resto de nossa vida... ainda vejo ela desaparecendo no meio dos túmulos... droga!... vamos embora!

Chove ainda, o carro arranca suave, segue pela orla. Ipanema. Leblon, Niemeier, para no mirante, o homem desce, se aproxima do paredão...o carro manobra, desaparece engolido pela escuridão.