Cidadania em Construção: A Proposta do Pão Dos Pobres
Ana Paula Brasil Vaz Madruga
Resumo
O presente artigo tem como objetivo verificar as principais concepções relativas a construção das dimensões de cidadão e cidadania desenvolvidos pelo Ofanatrófio Pão dos Pobres, na década de 20, através da análise do impresso da escola Boletim Pão dos Pobres -, bem como a sua relação com a realidade social da época, a fim de demonstrar como essas iniciativas procuravam atender às necessidades do novo contexto social emergente.
Palavras-chave: cidadania, cidadão e impresso.
Abstract
This article aims to verify the main conceptions related to the construction of the dimensions of citizen and citizenship, as developed by the Orphanage Pão dos Pobres (Bread of the Poor) in the 1920s. We carry out the search by analyzing the schools newsletter Boletim Pão dos Pobres , as well as by analyzing the relationship of the newsletter with the social reality of its time, in order to demonstrate how these initiatives sought to meet the needs of the new, emerging social context.
Key words: citizenship, citizen and printed
1. Considerações Iniciais
Desde o início deste século, as cidades foram sendo transformadas intensamente pela industrialização. Tais mudanças trouxeram como conseqüências novas demandas sociais, principalmente no campo educacional.
Em uma sociedade cada vez mais competitiva, era essencial as pessoas possuírem um ofício com o qual pudessem enfrentar as dificuldades de viver em uma sociedade industrial, que já mostrava indícios de uma crescente exclusão social.
O campo religioso e suas instituições, a fim de permanecerem consonantes ao momento social, empreenderam iniciativas com o intuito de qualificar os habitantes das cidades. Nesse contexto, começaram a surgir as escolas de ofício católicas, com o intuito de preparar seus alunos para viverem em sociedade, dando-lhes uma formação profissional e, mais de que isso, uma formação para a vida. Tais instituições passaram então a formar um novo cidadão, de acordo com os preceitos do catolicismo.
O Pão dos Pobres de Santo Antônio foi uma escola que inovou no campo educacional de sua época, por associar ao ensino básico o aprendizado de um ofício. Começava, então, a ser construído um novo cidadão e, em conseqüência, a categoria cidadania começava a ter um novo sentido.
Nesse aspecto, o que nos interessa aqui é como foi sendo construído o cidadão pela escola Pão dos Pobres, na década de 20. Inicialmente, porém, cabe fazer algumas considerações históricas a respeito de cidadão e cidadania, referidas no presente artigo, enquanto categorias de análise.
2. Cidadania: uma categoria em permanente construção
Nos últimos anos, vem-se intensificando a utilização da palavra cidadania. Cada vez mais surgem obras que tratam do assunto. Tal expressão está presente no cotidiano, nas reivindicações de grupos sociais, na família, no trabalho, enfim, nas mais diversas esferas da vida social, o que indica a importância, hoje, de se conquistar a condição de cidadão, enquanto pessoa ativa, consciente e integrada à realidade social em que está inserida.
Ao analisarmos a evolução do conceito de cidadania, percebemos que ele sempre esteve em permanente construção.
As categorias cidadão e cidadania têm sua origem na Antiguidade com o Império Romano, onde a cidadania era restritiva por excluir mulheres, estrangeiros e escravos. Com a modernidade, o conceito de cidadania sofreu algumas mudanças e tornou-se mais abrangente, em especial, após a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que ocorreu em Paris, no ano de 1789.
Assim como as práticas associadas à cidadania evoluíram, o seu conceito também acompanhou tal evolução. A concepção clássica de cidadania pode ser encontrada em T H Marshal, que pressupõe uma cidadania composta de direitos e deveres. É a partir dessa concepção que começa a surgir a noção de cidadania como a concebemos atualmente.
Hoje, cidadania vem adquirindo um novo sentido, uma nova forma; antigos conceitos estão sendo revistos e recriados, novas concepções estão surgindo, como as de cidadania planetária ou a de cidadão do mundo.
Esse breve histórico do conceito de cidadania nos faz refletir em torno das concepções existentes na década de 20. Naquela época, cidadania não era uma palavra muito utilizada. Até mesmo o voto, hoje tido como um símbolo de cidadania, era restrito a poucos cidadãos.
Nesse contexto, o que realmente importava era a ligação entre cidadania e trabalho, afinal o trabalhador era o cidadão, habitante das cidades, o qual estava inserido no processo de industrialização e modernização, dependendo e ajudando no desenvolvimento social.
Vamos analisar, então, como se dava, na década de 20, a construção desse habitante das cidades proposto pela escola Pão dos Pobres.
3. A construção do cidadão pelo Orfanatrófio Pão dos Pobres
O Pão dos Pobres foi fundado em 15 de agosto de 1895 pelo Cônego Marcelino de Souza Bittencourt, com o objetivo de dar esmolas, distribuir o pão de Santo Antônio para pessoas carentes e fazer pregações. O Orfanatrófio, criado para abrigar meninos órfãos, foi construído duas décadas depois, em 1916.
Na década de 20, época de muitas mudanças sociais, a formação do cidadão realizada pelo Pão dos Pobres era fortemente ligada à religiosidade. Através da análise do Boletim Pão dos Pobres, percebe-se a preocupação em formar um cidadão que tenha princípios e concepções católicos.
Assim, o cidadão construído pelo Pão dos Pobres deveria ser, sobretudo, católico. E as outras tarefas de exercício de sua cidadania seriam decorrências dessa educação.
Os educadores da escola justificam esse ensino ligado aos preceitos católicos, ao dizer que
Está evidente, então, que todos os saberes transmitidos aos internos eram baseados nos princípios católicos.
Sua diferenciação em relação às demais escolas católicas da época era referente a um aspecto: o ensino de um ofício aos alunos. A implementação em seu currículo de cursos técnicos como tipografia, funilaria e sapataria, ao lado de conhecimentos gerais, possibilitou uma formação sólida para seus internos. Começava então a ser construído um novo cidadão.
A proposta formativa era a de construir um cidadão integral, que tivesse condições de, além de cuidar de si próprio, zelar pelo bem do próximo. Um dos responsáveis pela formação dos órfãos, ao referir-se ao objetivo do Orfanatrófio, afirmou que a obra
Também era evidenciado pelos educadores que
Estava evidente que o cidadão católico que estava sendo formado era levado a ser um bom trabalhador. O trabalho era então visto como um ato de reverência a Deus e ao próximo, um ato de virtude e de orgulho. Era o modo de expressar o amor a Deus. Segundo um trecho do boletim da Escola Pão dos Pobres, os meninos eram
O ambiente em que era construído o cidadão no Orfanatrófio era constituído de um internato fechado, com uma vigilância rigorosa de tempo e espaço. Existiam tarefas individualizadas para os alunos, e uma respectiva avaliação individual.
O internato também favorecia o desenvolvimento de aspectos da personalidade do aluno, como humildade, paciência, caridade e obediência, todos inspirados em princípios e qualidades de pessoas tidas como exemplos, como Santo Antônio ou de João Batista de La Salle.
"Viva Santo Antônio e a caridade inexcedivel" (Ano XXIII, nº 1, jan., fev., 1922, p. 2), aparece em um trecho do impresso estudado. A vida e obra de santos eram relatados no Boletim, e verifica-se então que é intenção dos educadores que esses exemplos fossem tomados como referência pelos pequenos cidadãos em construção, para que lhes servissem de inspiração em suas vidas futuras na sociedade.
Os efeitos da formação dos cidadãos pelo Pão dos Pobres e sua inserção na sociedade eram relatados na imprensa da época. Muitos trechos de jornais eram transcritos no próprio Boletim da escola, a fim de demonstrar a seus alunos e benfeitores os resultados de seus empreendimentos.
Vejamos um trecho transcrito do jornal Correio do Povo, no Boletim, o qual faz referência à obra do Pão dos Pobres:
Tão curta ainda é a existencia do "Pão dos Pobres" e os resultados de um trabalho tenaz e paciente vão pouco a pouco se transformando em flôres e fructos" (Boletim, ano XXII,, n 3, maio de 1921, p. 10-11).
4. Considerações Finais
A formação dos cidadãos realizada pelo Orfanatrófio Pão dos Pobres, na década de 20, baseou-se nos fundamentos do catolicismo. Era intenção formar um cidadão, sobretudo católico. Para transmitir os saberes dessa religião, muitos exemplos foram apontados, como o de Santo Antônio, uma vida de obras e caridades, que deveria ser seguida pelos internos.
O ensino de um ofício aos alunos estava também fortemente ligado à moral católica. O trabalho era concebido como um ato de aproximação e reverência a Deus.
Assim, percebe-se que o Pão dos Pobres construiu um novo cidadão, dotado de uma formação sólida, qualificada e impregnada de qualidades morais que atendeu a várias demandas sociais da época, advindas de vários campos sociais.
Sem dúvida, ao formar novos cidadãos, o Pão dos Pobres começou a construir uma nova concepção de cidadania. Sua colaboração à construção social, em um momento de mudanças, ajustou-se perfeitamente às necessidades da época, tornando-se, também, um exemplo a ser seguido por outras escola católicas.
5. Referências Bibliográficas
BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria geral da cidadania: a plenitude da cidadania e as garantias constitucionais e processuais. São Paulo: Saraiva, 1995.
BOLETIM PÃO DOS POBRES. Porto Alegre: Tipografia Pão dos Pobres, Ano XXII/XXVII, 1921/1926.
DESAULNIERS, Julieta B. R. Formar o cidadão: uma proposta da escola católica. Veritas, v42, nº 2, junho 1997,p. 313-331.
PARMAGNANI, Jacob José. O Pão dos Pobres de Santo Antônio. Porto Alegre: Tipografia Pão dos Pobres, 1978.
VIEIRA, Lizt. Cidadania e Globalização. Rio de Janeiro: Record, 1997.