REGRESSO A MILETO
--- A Filosofia e os Mundos
Dizia Shappley, o astrónomo,
que somos irmãos das rochas e primos das nuvens, assim demarcando o profundo parentesco
que se tece entre a Terra e os Céus. Lá longe, no despertar da Europa, numa Mileto entre
Ocidente e Oriente, Tales, o filósofo, cai num poço por distracção, absorvido que
andava com os mistérios dos astros. Consta que por entre os indisfarçáveis risos duma
escrava que passava!
Vinte e cinco séculos separam estas duas efemérides,
perdidas no anedotário avulso das coisas que passam. Mas também, secretamente, algo as
une, na rede que vem sendo milenarmente urdida por uma paixão antiquíssima.
O Universo é um estranho local. Deveria ser a porta aberta
àquilo que em nós é curiosidade, gosto de saber, fuga ao reino das sombras e dos medos
que nos habitam desde os inícios do Tempo. Mas aqueles que têm a ilusão quanto à
existência de um caminho que os transporte em direcção ao essencial, rapidamente
descobrem que tanto se pode morrer de fome como de fartura. Rodeados de milhares de
enciclopédias, livros, disciplinas, especialidades, debates, parafernália que parece ter
sido inventada pela versão digitalizada do feiticeiro de Oz, sente-se que os anos voam, o
tempo passa, e o objectivo é cada vez mais a sombra duma sombra.
As vozes da sensatez dizem-nos que não se pode querer tudo,
a humanidade caminha por pequenos passos, que um dia talvez nos aproximemos do segredo do
Mundo, se segredo houver. Uma espécie de moral da abdicação emerge de tudo isto,
confirmando o aforismo segundo o qual mais vale um pássaro na mão que dois a voar!
Se seguirmos esta norma o que conseguimos foi arranjar mais
um animal doméstico para fechar numa gaiola e que acabará empalhado no museu de
História Natural. Mas pode recusar-se esta moralidade pragmática, não querer inserir-se
na lógica do caçador e da presa, apostando que mais útil será deixar os pássaros voar
e perscrutar que destino perseguem, que horizonte os chama e que vêem lá de cima, entre
as nuvens e os ventos, distantes da realidade rente-ao-chão, onde triunfa a agitação do
efémero, da pequena história, gritaria que nos impede de escutar o silêncio do íntimo
de nós.
O que aqui se propõe não está na Moda, mas é desejo dum
regresso à Filosofia como Meditação, como arte de pensar sem pressa, sem arrogância e
sem complexos de inferioridade, aberta ao mundo mas sem o abraçar como bezerro de ouro ou
abominando-o como se fosse o rosto de todo o mal e perdição das almas.
Neste como noutros aspectos, não há muito que inventar
quanto à Arte de Perguntar. Basta aceitar que somos herdeiros de Éfeso, de Samos ou de
Abdera, reconhecendo que a questão das "origens" e a paixão da arche são
exacto local onde deuses e mortais se confrontam pelos séculos dos séculos. Recordo
coisas antigas, perdidas em alfarrábios ou nem isso, apenas lembranças de palavras
ditas, um "fragmento", papéis queimados pelo vendaval da História, mas
confesso que nada disso me importa.
Prefiro os Pais Fundadores aos bisnetos que, frenéticos,
devoram o "texto notável" acabado de sair, sempre super-actualizados, trocando
cumprimentos com o resto da tribo, medindo o curriculum com fita métrica, "publish
or perish", que é assim que deve ser.
Esta é a Filosofia Mundana que anda por aí à solta e quer
esconder a idade, tapando as rugas com "liftings".Ao trocar o bordão de
caminhante pelo "look" Calvin Klein, produzindo mil e uma habilidades que lhe
confiram um ar científico, satisfará as supremas instâncias que actualmente vociferam
em nome dos contribuintes e chegará ainda a horas à "vernissage" do dia. E por
aqui, eu não vou.
Revisitar a arche em inícios do século XXI é
epistemologicamente inconveniente, e inserir uma dimensão do filosofar no terreno da
Cosmologia será muito controverso. Há mais de um século que a reflexão sobre o
Universo pertence ao prestigiado continente das Ciências Exactas. Perguntar-se-á que tem
a Filosofia a ver com "isto" e como se arroga o direito de meditar sobre um
assunto que emerge nas distantes fronteiras do campo físico-matemático.
Convirá recordar que a distinção entre Filosofia e
Ciências ou, num sentido mais lato ainda, entre Letras e Ciências tem as suas origens
nos inícios do século XVII, exponenciado-se de então para cá, precipitando para as
brumas da memória o "intelectual renascentista" para o substituir pelo
"especialista" que exerce as suas funções em territórios bem delimitados que
se concretizam na pluralidade das disciplinas científicas. Os primeiros descobridores
deste novo mundo, quer se chamem Kepler, Galileu, Descartes ou Newton eram ainda
motivados, pelo desejo dos "primeiros princípios" ao apostarem, como diria
Galileu, que o "livro da natureza" estava escrito com a linguagem dos números.
Ninguém discorda que com eles se inaugurou a Ciência
Moderna, o experimentalismo indutivo, a formalização matemática das regras do Mundo.
Mas esquece-se, porventura, que raramente deixaram de meditar no sentido global das suas
descobertas e no que poderiam significar na clarificação da teia de Penélope, cujo
grafismo procuramos desde que o Ocidente embarcou na aventura do "Logos".
É somente nos últimos dois séculos que se instalou uma
"Cultura do Esquecimento", empalidecendo a consciência global que sempre
assistiu à Filosofia, como se uma "depressão metafísica" fosse doença
contagiosa que coloca de quarentena todos os que não abandonarem o Sentido da Totalidade.
Como se isso fosse idêntico à adesão a uma Totalidade do Sentido que é o núcleo vital
de todos os grandes Mitos e Religiões.
Jogando à defesa, pálida e escanzelada, a Filosofia anda
escostada às paredes. Entra a medo nas salas de aula, cumprindo "programas"
onde, como diria o Eça, não se vislumbra a "Ideia", sempre no temor da
Portaria que mande os seus funcionários para o desemprego, sabendo que não haverá
motins na rua no dia em que tal aconteça...
Ataque-se a Cultura do Esquecimento com o Elogio da
Memória, essa faculdade pedagogicamente tão castigada que quase se tornou criminoso
defendê-la e estimulá-la, o que é preciso é compreender criticamente os factos,
investigar e tirar conclusões "próprias", como se uma coisa tivesse a ver com
a outra! Como se fosse obrigatório estudar o que é a latitude, longitude, altitude,
conhecer mapas e escalas, quiçá ter um sistema GPS, para descobrir o caminho da
mercearia até casa...
A Filosofia começou há
2.500 anos como "fisio-logia", isto é, procurava o "Logos" da physis
ou, o que vem a dar ao mesmo, queria saber o "Porquê da Natureza", no sentido
mais lato que esta expressão pode ter e que é, indubitavelmente, o Cosmológico.
Atravesse-se a chamada Filosofia Antiga, procurem-se um a um
os seus nomes e o que resta das suas obras tentando encontrar um só que tenha recusado
este desafio. Simplesmente não há.
O que há é exactamente o contrário, à medida que
transitamos dos Jónios do século VI A.C. até às figuras tutelares de Platão,
Aristóteles e seus sucedâneos. Aceite este facto, de imediato deixa de ser inovador ou
arrojado reabrir o "dossier" cosmológico no terreno da Filosofia dos nossos
dias. O que parece mais conveniente ser pensado é o motivo pelo qual a vocação
cosmológica deixou de estar no epicentro do Filosofar.
Admitamos que agora o problema pode ser visto de forma
completamente diferente e não se antevê outra solução que não seja a de refrescar a
Memória. Talvez depois disso se compreendam os motivos da "amnésia". E, quem
sabe, se nesta análise não se descobrem, como nos filmes negros da "série B",
alguns cadáveres no armário.
Nas suas origens, o filosofar sobre a natureza dos primeiros
princípios, a procura da "substância primordial" foi a pedra de toque dos
filósofos pré-socráticos. O desejo de ver claro associado ao conceito de Teoria,
apostava que o reino do Múltiplo, do caos que restou quando os grandes Mitos se
recolheram ao teatro de aparências dos poemas homéricos, haveria de ser a terra de
ninguém que a Razão teria de atravessar a fim de contemplar a surpreendente simplicidade
da ordem cósmica.
É fundamental não esquecer que, para estes espíritos
fundadores do Ocidente o "Ser da Filosofia" não carecia de se justificar em
contraponto com as Ciências, uma vez que, nesta fase a distinção não faz sentido.
Falava da terra e dos mares, dos vulcões e das nuvens, do amor e do ódio, da justiça e
da geometria, das doenças do corpo e da alma. Movia-a insaciável curiosidade, um prazer
de saber desprovido de arrogância ou desânimo, típicos das coisas que acabam de nascer.
A Filosofia não andava de olhar no chão nem se fechava em
casa. Percorria as ruas, aberta aos grandes espaços, sem medo e sem temeridade
irresponsável. Quer dizer, tinha consciência que o mundo é um local perigoso e que o
mais belo dos bosques é capaz de conter uma legião de predadores esfomeados. Os
filósofos gregos sabiam bem que só podiam "distrair-se" a observar os Céus se
as muralhas da Polis não estivessem a desfazer-se. Dificilmente embarcariam em
falanstérios pacifistas, somos todos amigos, todos irmãos, todos boas pessoas, pois o
ferro dos Persas raramente conhecia a misericórdia!
Mesmo dentro dos limites da Polis, haveria de chegar o dia
em que a Filosofia se sentaria no banco dos réus com o processo de Sócrates, o que
mostra bem quanto pode ser incómoda mesmo no mais favorável dos eco-sistemas.
Os gregos reconheciam que há na natureza das Coisas e dos
Homens uma perpétua incompletude, uma imperfeição de raíz, paixão caótica, hybris
que corrói o coração do mundo. É a ideia de um "Logos" prisioneiro dum corpo
perecível, sujeito à prepotência de Cronos, que o fluir do grande rio heraclitiano
concretiza como admirável metáfora.
Uma dúvida perene instala-se no âmago da Filosofia. O
vendaval de sensações, de dias e noites, de cores e luzes é a Realidade ou simplesmente
uma Máscara que a Razão deve pacientemente descolar a fim de contemplar os
"princípios" simples e imutáveis que se escondem por trás de tanta
agitação?
A ser assim, qual o caminho a seguir, a estratégia a usar?
Conhecer é analisar a multiplicidade do Mundo e construir um pouco de Ordem nesse oceano
caótico ou consciencializar, através dum trajecto intimista no labirinto da alma, a
Lembrança de um Tempo em que tudo estava no seu lugar e fomos expulsos, sem saber
porquê, desse Paraíso para o reino dos sonhos da caverna platónica?
Enquanto isto meditavam, solstícios e equinócios
sucediam-se com precisão lá no alto dos Céus, a Estrela Polar apontava a norte, Sol,
Lua, Mercúrio, Vénus, Marte, Júpiter e Saturno desenhavam órbitas indiferentes aos
"trabalhos e dias" dos homens. Talvez duas "lógicas" presidissem a
estas coisas e os Céus nos apontem uma Verdade que jamais atingiríamos na Terra, assim
pensavam a maioria dos primeiros filósofos.
Esta percepção marca fortemente a filosofia grega,
anunciando a prazo a Teoria dos 2 Mundos", difusamente patente na cosmologia
platónica e claramente assumida no pensamento de Aristóteles.
Nos dois séculos que se estendem entre as Escolas Jónias e
o "Timeu" ou o "De Caelo", jamais os gregos deixaram de parte o grande
enigma do Universo. Rapidamente passam da inocência naturalista dos milésios, onde as
apostas sobre a forma da Terra se aproximam do Mito egípcio da Criação, para o
formalismo místico-geométrico dos Pitagóricos, verdadeiras figuras-chave na revolução
cosmológica antiga. Com estes, a ideia de astros esféricos, órbitas circulares e
velocidades uniformes impõe-se como paradigma mental que só será quebrado com a obra de
Kepler, em inícios do século XVII.
Foi encontrada uma teoria sólida como poucas pois
resistirá durante 2.000 anos e nem a dita "Revolução coperniciana" a supera,
uma vez que, apesar da vertente heliocêntrica, o universo mental de Copérnico está mais
próximo da Alexandria de Ptolomeu que da Europa devastada pela "Guerra dos 30
Anos".
O geocentrismo configura a imagem de marca deste modelo
cosmológico, assumindo para os "Modernos" o rosto dum monstruoso erro que
Copérnico esconjurou. Mas não podemos esquecer que se deve a pitagóricos tardios como
Filolao de Crotona, Heráclides de Ponto ou Aristarco de Samos ideias notáveis que vão
desde a hipótese de rotação da Terra, do Sol ser "centro" da órbitas de
Mercúrio e Vénus, da Terra não ocupar o centro do Universo, cujo expoente máximo é o
heliocentrismo total de Aristarco de Samos, um autêntico Copérnico do mundo antigo!
Todavia, a lógica dos quadros conceptuais em que tal mundo
se movia, tornou-o incapaz de dar sequência à visão de Aristarco, pois tal modelo é
tão violentamente anti-empírico e anti-senso-comum, que nada mais lhe resta que
permanecer como curiosidade matemática sepultada nos confins da História.
Em todas as ordens de argumentação, o geocentrismo
mostrava-se mais sólido, não por razões de senso-comum, mas por se adaptar
perfeitamente à "Física", com a sua teoria das "4 substâncias"
(fogo, ar, água e terra) e à ideia segundo a qual as "coisas pesadas" caem em
direcção ao local mais baixo, aí ficando em repouso. Ora, sendo o planeta Terra
composto predominantemente da substância terra, é natural que ocupe o local "mais
baixo" do Universo, aí se mantendo!
Seguindo a norma pitagórica das "formas
circulares", a Esfera Cósmica que tudo contém, reserva o seu local "mais
baixo", isto é, o seu "centro" para a Terra, tornando desnecessária
qualquer entidade de suporte mecânico que a impedisse de estar condenada a uma queda
perpétua. Esta ideia de queda repugna às nossas formas gerais de pensar e sentir e só
é resolúvel através duma compreensão minimamente profunda da Física newtoniana, onde
é demonstrável a efectiva veracidade desse inaceitável facto.
Não sejamos, por consequência, excessivamente severos com
este "erro" dos gregos, pois mais de três séculos após Newton ter publicado
os "Principia", são ainda uma maioria aqueles que não são capazes de
reconhecer que habitamos um planeta que "cai" em direcção ao Sol...
Fixada que foi a posição da Terra, imóvel e estática no
centro do Universo, os filósofos gregos concentraram os seus esforços na descoberta das
leis perenes que presidiam ao Cosmos, donde estariam ausentes as "corrupções"
do dia-a-dia, os imprevistos, as violências, a irracionalidade das coisas mortais e
mutantes.
Sem dúvida que a maior dificuldade consistiu na interpretação
do movimento dos Planetas, devido à manifesta contradição entre os "princípios
cósmicos" dos movimentos circulares e os dados da experiência sensível. Para os
gregos, como para qualquer Observador contemporâneo, examinar ao longo dos meses ou dos
anos as trajectórias celestes da Lua, de Marte ou de qualquer outro planeta, não leva à
"visão" de qualquer "círculo imaginário" desenhado sobre o pano de
fundo das Estrelas.
Muito pelo contrário, o que os sentidos claramente nos
revelam são sequências de movimentos que tanto "avançam" como
"recuam", passando por pontos praticamente estáticos, daí resultando
trajectórias complexas, variáveis de planeta para planeta, mas tendo em comum o facto de
nenhuma delas construir "círculos" e "velocidades uniformes"!
A consciência deste insólito bailado celestial está
patente na etimologia de "Planeta", transliteração do vocábulo grego análogo
que significa "astro errante". Tal "errância" é a constatação
empírica da observação visual dos astrónomos antigos.
Perante esta encruzilhada, ou se aceitava a evidência
experimental dos dados dos sentidos ou, tendo de os levar em linha de conta, se produzia
uma Teoria que explicasse como se transformavam "círculos erfeitos" no
perpétuo vai-vem do mundo planetário.
O caminho seguido é o de fazer subordinar as
"aparências" aos "princípios", sob pena de abrir as portas à
imprevisibilidade cósmica que arrasaria a eterna perfeição dos Céus. É assim que se
pode compreender e extrema atenção com que a antiga cosmologia validou a chamada
"Teoria dos Planetas", socorrendo-se duma argumentação duramente lógica,
através do instrumento privilegiado é a Astronomia Matemática, cuja compreensão
permitirá superar as perplexidades levantadas pela Astronomia Física. As centenas de
páginas e os incomensuráveis trabalhos que essa tarefa envolve resultarão em pleno, ao
conseguir demonstrar-se que os movimentos errantes são uma ilusão de óptica natural num
observador situado no "geo-centro". O resultado deste esforço leva à
engrenagem cósmica que desmultiplica "esferas" até a Teoria se ajustar à
realidade, como acontecerá no modelo de Claudio Ptolomeu.
Nesta altura, distantes vão
os tempos da alegria dos dias primaveris de Anaximandro ou Empédocles, em que a
observação da arche produzia intuições fulgurantes, no limiar do simbólico e
poético. A Filosofia já envelheceu o suficiente para saber quão fácil é perdermo-nos
no labirinto do Mundo e que a escala da physis é desproporcionada perante a brevidade das
vidas humanas.
O prazer cosmológico adia-se para mais tarde e, em vez de
ser o "princípio" do filosofar, prudentemente é deixado para um momento
terminal, na consciência das extremas dificuldades que levanta. As obras cosmológicas
são, por regra, do período de maturidade ou velhice, como acontece com o
"Timeu" de Platão em que o "pensar o Mundo" converge para o limiar da
divindade, conferindo ao Universo um estatuto que leva a Filosofia às fronteiras da
Teologia. Convenhamos que não é inocente esta aproximação e poderá ser curioso
reflectirmos sobre tal parentesco.
O primeiro facto a sublinhar é admitir, desde logo, a
juventude relativa da Filosofia pois, apesar de vinte e cinco séculos de
"curriculum" na cultura ocidental, não fará mal lembrar, ao modo de Roger
Garaudy, que "o Ocidente é um Acidente". O pensamento grego não inicia a
História, abrindo quando muito uma "outra" História, a da infância dos filhos
do Logos e nada mais.
Apreciada duma perspectiva global, a "novidade"
grega é espacialmente insignificante, demograficamente minoritária e cronologicamente
juvenil quando comparada com a temporalidade longa dos grandes Impérios Agrários, quer
se chamem Egipto, Índia ou China.
Esta cronologia longa do mundo agrário que remete para o
início da era neolítica, ganha uma dimensão mais equilibrada se comparada com o
"tempo da humanidade", tal qual a conhecemos hoje, através do único
sobrevivente, o "Homo Sapiens-Sapiens", com seus 40.000 anos. Olhando para este
macro-enquadramento, o "tempo da Filosofia" corresponde a uns magros 5%. Tanto
quanto se sabe, os restantes 95% da nossa sobrevivência como indivíduos e como espécie
decorreram num tempo "pré-lógico", sem atribuir a esta designação qualquer
dimensão valorativa.
É, por consequência, perfeitamente possível viver sem
Filosofia, sem "Logos", sem "Ciências" e sem muitas outras coisas que
actualmente são hiper-valorizadas. Mas viver sem Filosofia não é viver sem
inteligência, sagacidade ou dimensão afectiva e simbólica. O pensar humano o enigma da
morte, do nascimento, da migração das aves, dum eclipse da Lua estava lá e carecia de
ser apaziguado pelas águas maternais dos grandes Mitos de "fundação do
Mundo". É por esta fenda aberta ao sagrado e ao divino, que a comunidade se
estrutura por meio duma narrativa com coerência própria, até ao dia em que a
"Razão" ponha em dúvida o panteão das divindades protectoras da Grande Noite
primordial.
O Ser da Filosofia obrigava ao confronto com o Mito. O Logos
é o agente desse atrevimento que funda simultaneamente a Filosofia, o pensamento
científico e o Ocidente. Eis a fronteira que os historiadores não se cansam de demarcar,
a famosa passagem do Mito ao Logos, fazendo-o com tal empenho que não podemos deixar de
levantar algumas suspeitas.
A Filosofia sabe que se confronta com um adversário
poderoso e a curiosidade optimista que quebrou a caixa de Pandora pode deixar no desamparo
as grandes dores que nascem no coração dos homens. Ao fecharmos as divindades nos
templos, abrimos o caminho ao crescimento duma inquietação interior, pois a
temporalidade do Logos implica a confiança no Futuro, a ideia dum saber que se acumula ao
longo das gerações, crença no progresso da humanidade, com um sabor de positivismo
oitocentista. Pena é que a durabilidade dos indivíduos que se dispuseram a filosofar
seja de tal maneira precária, que nada mais lhes reste senão a confiança dubiamente
lógica num futuro longínquo onde um "Sujeito", que não é o Eu-concreto,
receba as mais-valias desse sonho ateniense.
Porque a Filosofia enfrentou o Mito, teve de construir
alternativas no âmago do território desse intemporal adversário. Nesta ordem de ideias,
o problema da arche, a questão das origens do Universo e do Homem são absolutamente
prioritárias, assim se compreendendo o porquê dessa permanente preocupação subjacente
aos filósofos gregos. Apesar da enorme desproporção de meios e de eficácia, toda a
Filosofia e toda a Ciência embarcam, consciente ou inconscientemente, no cenário onde
negociarão Fausto e Mefistófoles!
O filosofar é a consequência de um roubo às divindades
fundadoras, mas os humanos que a isso se atreveram parecem incapazes de fazer a
repartição do saque, e a bola de cristal do Mito, ao partir-se, nada mais nos deixa que
a presença duma ausência. Os Gregos pressentiram esse vazio, o vórtice que permite o
"non-sens", e defenderam-se o melhor que puderam. Tales de Mileto disse-nos que
a Água era a origem de todas as coisas, mas não deixou de nos avisar que o Mundo estava
cheio de Deuses!! Deste modo se possibilitava que o filósofo, após o horário de
trabalho, não se sentisse muito incomodado ao ir aspirar os sagrados vapores de Delfos.
Por tentativa e erro, tropeçando e caindo, os filósofos
abandonaram a beira-mar e arriscaram-se sempre ao "mais longe", nas hipóteses,
nas viagens, na manipulação da engrenagem da Natureza e, quando a noite chegava, as
luzes da Polis sempre apontavam o local onde regressar e repousar das fadigas do dia.
Mas chegaria o tempo em que o jogo da Filosofia e as regras
da Cidade entrariam em conflito e as perguntas de Sócrates teriam de ser justificadas na
barra do Tribunal. Sabemos todos que as acusações de "impiedade" e
"corrupção da juventude" terminaram na amargura duma taça de cicuta, sob o
olhar devastado dos amigos.
Diante deste espectáculo, de certa forma um
"anti-presépio" pois é o "filho-do-homem" que morre, a Filosofia
aprendeu uma dura lição quanto aos limites do que pode ou não pode fazer e do que deve
ou não deve desafiar. Os filhos de Sócrates sabem agora que toda a claridade é o outro
lado da penumbra e que nem todas as histórias têm um fim feliz. Platão transportará
para sempre esse desencanto e na sua obra vislumbra-se o separar de águas entre a
Filosofia e a Polis.
A Atenas real não tem salvação. Serve para viver, dar
aulas no jardim de Academos, mas é politicamente inviável, suja, mesquinha e perigosa.
Apesar do sucesso educacional da Academia e da sua obra ser apontada como um
incontornável apogeu da Filosofia Antiga, creio que pode ser vista como uma antecâmara
da decadência, das perplexidades e aporias que se adivinham. A crescente preocupação
com as Utopias, as "Cidades Ideais" meticulosamente planeadas na
"República" não são produzidas como projectos de reformar o presente, mas
como fuga para um local que não existe e que sabe os seus contemporâneos não
entenderem, nem desejarem!
Não deixa de ser simbólico que o velho Mestre visse o
futuro da sua Escola sob a direcção dum estrangeirado da Macedónia, que parecia
depositário do melhor da sua tradição. Não só Aristóteles jamais presidirá à
Academia, como se impõe em alternativa global à filosofia de Platão.
O "logos" platónico é regressivo, iniciático,
poético, mnemónico, contemplativo e minoritário. O caminho aristotélico é
progressivo, aberto, prosaico, activo, sensualista e transparente, pelo menos do ponto de
vista da possibilidade do conhecimento da Natureza. Já no plano prático, ético,
político e antropológico, a "Prudência" impera, como é notório na
complexidade dos conselhos dados a Nicómaco. Ignoro se tais "máximas" estariam
na mente do jovem príncipe Alexandre, a quem parece ter acompanhado como tutor.
No plano político, Alexandre visa o Universal que
Aristóteles procurava com a sua Ciência. Com a pequeníssima particularidade de o
praticar a golpe de espada, movido por uma lógica de conquista que é a vingança
póstuma da confraria defensiva das cidades gregas. Estas, desde o século VI A.C. e do
tempo das colónias da Ásia Menor, sempre recuaram tacticamente perante o grande Oriente
simbolizado nos Persas. Os gregos aguentaram até aos limites do possível, criando
espaço estratégico, ao colonizarem a Sicília e parte da costa mediterrânica mais a
Ocidente.
Alexandre da Macedónia só é grego à superfície! Sabe
que o Poder tem uma lógica própria e jamais subscreveria a ideia segundo a qual
"small is beautiful". A cidade-estado não é a sua escala e uma dimensão
geofágica empurra-o sempre mais para a frente, em direcção à linha do horizonte. O
limite é a inexistência de Limite. Como Conquistador, um "daimon" segreda-lhe
que é preciso não parar e quase podemos imaginá-lo à noite, na sua tenda, antes de
tombar de cansaço e embriaguez, passando lentamente a mão pelos mapas militares, onde
já se avistavam as águas do sagrado Ganjes. Nos seus sonhos, uma, outra e outra vez, a
Voz que dizia: "Navegar é preciso, viver não é preciso"!
O império é um "melting pot", mistura de sim e
não, raças, ideias, deuses, perfumes, paisagens, tudo era legítimo para ir mais além,
ignorando sempre os apelos dos companheiros de viagem que aspiravam ao repouso dos
guerreiros. Se é verdade que aqueles que os deuses amam morrem jovens, Alexandre foi
ouvido como poucos.
Com a sua morte aos 33 anos, o Império parte-se,
recolhendo-se a territórios e dimensões mais acolhedoras, em torno das fronteiras do
Mediterrâneo, onde repousará na extraordinária Cidade que lhe serve de homenagem, a
única Alexandria que chegou até nós. Sob o patrocínio da dinastia dos Ptolomeus, a
razão aristotélica irá habitar o norte de África, assim regressando a Filosofia à
vocação citadina que sempre a acompanhou.
Alexandria será, aliás, mais generosa com a Filosofia que
as Cidades gregas, pois os cofres da nova dinastia praticam algo de similar a um mecenato
de Estado, criando infra-estruturas como o Museu e a Biblioteca, apelando a estadias de
longa duração a todos aqueles que desejem avançar no projecto de conhecimento da
Natureza e do Mundo. Todavia, apesar da sua extraordinária produtividade, não penso que
aí se encontre o pluralismo de perspectivas que um filosofar menos sistemático e mais
"selvagem" fez irromper nos tempos pré-socráticos!
O que a Escola de Alexandria consegue é potenciar até aos
limites do possível o horizonte epistemológico aristotélico, particularmente nas suas
vertentes empiristas, significativamente próximas daquilo que vinte séculos depois será
a revolução científica Moderna. Os tempos de esplendor prolongar-se-ão por quase três
séculos, até ao momento em que império africano dos Ptolomeus é conquistado por Júlio
César, em nome dos novos donos dum mundo onde todos os caminhos vão dar a Roma.
Após a conquista
romana, a Escola de Alexandria tende a entrar em tempos mais cinzentos e a incrível
sucessão de grandes nomes já não é o que era nos anos dos Ptolomeus.
Olhando para além deste contexto, as correntes filosóficas
não-aristotélicas apostam cada vez mais na dimensão ética, na problemática do
quotidiano, enfrentando uma grande época de crise com uma procura de recolhimento e paz
interior, daí resultando o crescente sucesso das escolas estóicas e epicuristas. Aliás,
dum certo modo, ambas são filhas dum sentimento de desalento e desorientação face ao
Futuro e também um corolário do cepticismo radical que se instala com as
"aporias" erguidas na via do conhecimento verdadeiro da Natureza, que enquadra a
supressão do Juízo (epoche) dos percursores de Pirro...
O exílio romano da Filosofia vai predominantemente nesta
direcção, como é bem visível num Séneca ou num Marco Aurélio. Os tempos estão
plenos para que uma nova religião desça sobre o Ocidente e rapidamente penetre na velha
aristocracia romana de fundo republicano, profundamente descontente com os excessos
imperiais, dando sentido e esperança às multidões a quem foi dirigido o Sermão da
Montanha.
O Cristianismo, como todas as grandes religiões, toma
posição sobre o "problema das origens" e propõe uma explicação para o
Homem, a Vida e o Universo. Tal explicação não é o término dum raciocínio lógico,
mas um acto de doação da divindade que se "revela" através de porta-vozes que
remetem para a tradição profética judaica do Antigo Testamento e para o testemunho vivo
do "Filho de Deus" que misteriosamente irrompe na História para percorrer a
paradoxal estrada que o levará de Belém até ao Calvário.
Quando esta mundividência se torna maioritária e o
Cristianismo, após Constantino, se afirma como religião de Estado, está aberto um
contencioso com a tradição naturalista e "lógica" da Filosofia. Todo o
exercício de "pensar as origens" terá de se confrontar com o sabor a
impiedade, uma vez que o simples facto de admitir que possam existir outras respostas para
além daquelas que foram reveladas é, em última instância, questionar a veracidade da
palavra divina e da tradição profética.
À Filosofia pouco mais resta que uma via hermenêutica,
procurando o "sentido" profundo das palavras e textos que são a
"Verdade". O Logos está novamente prisioneiro do Mito, num movimento simétrico
e inverso ao de Mileto e uma neblina de esquecimento, sob o manto do paganismo, apagará o
nome, a obra e a memória de grande parte destes admiráveis fundadores do jogo do
filosofar.
São estas as circunstâncias que levarão ao
desaparecimento da vertente cosmológica do âmbito da Filosofia, não porque a questão
não exista ou não seja importante, mas pelo facto bem mais prosaico de se julgar que o
"problema" está resolvido duma vez para sempre. Quem somos nós, afinal, para
desafiar a palavra de Deus e o Livro do Génesis?!
Não quer isto dizer que, no longo período que decorre
entre o desmembramento do Império Romano e os alvores do Renascimento tenha desaparecido
o "problema das origens", mas é verdade que são deprimentes quaisquer
comparações com os tempos gregos e helenísticos.
Do ponto de vista das soluções propostas para a natureza e
forma do Universo é notória uma regressão a perspectivas que muito têm de comum com os
Mitos típicos dos Impérios Agrários fluviais de raíz mesopotâmica ou egípcia, ao
sustentar-se novamente a ideia de "Terra Plana", cúpula celeste assente em
"pilares", astros "empurrados" por Anjos, aceitação da
impossibilidade dos "antípodas", por ser evidente que habitando nós, os
"humanos", a parte de cima da Terra, não faria sentido uma Humanidade de
cabeça para baixo! Logo, esses locais absurdos ou não existiam, ou se existissem
deveriam ser desabitados e se, por bizarra coincidência, "algo" lá vivesse,
certamente seria in-humano e monstruoso. Regressam assim os "limites da Terra"
como pré-figuração dum Caos crescente onde habitarão Adamastores que só se
desvanecerão após as caravelas terem transformado esses terrores em mapas com nomes de
rios, enseadas, promontórios e Cabos da Boa-Esperança.
Serão necessários
mais de mil anos até a Europa reassumir o património deixado pelos filósofos gregos,
com a importante certeza de terem sido irremediavelmente perdidas dezenas de obras que
jamais serão recuperadas.
Ao entrar na chamada época Moderna, só num sentido lato a
Filosofia ocupa a linha da frente, na atitude luminosa da arte gótica, na temeridade dos
viajantes que se lançam ao grande Atlântico, admirável humanidade em que a curiosidade,
a necessidade e a coragem estão um passo à frente dos medos e inseguranças.
Se aceitarmos que tais atitudes são a imagem do filosofar e
não virmos nestes factos simplesmente a gestação das Ciências Modernas, poder-se-á
dizer que o espírito de Mileto realmente regressou do exílio. Porém, se nos
concentrarmos estritamente na chamada "História da Filosofia" e, como é de
regra, nos confrontarmos com Descartes como o primeiro filósofo moderno, rapidamente
tomamos consciência dum desfazamento de ritmos. O pensamento de Descartes recupera
trabalho feito por outros e abre uma porta à Filosofia praticamente na véspera de se
completar o grande edifício da Ciência Moderna, em 1678, com a inovadora síntese
newtoniana. Por outras palavras, o "logos filosófico" acaba de começar e o
"logos científico", começa a concluir...
Esta separação de águas que é o início da bifurcação
"Filosofia-Ciências", conduzirá o pensamento ocidental a uma fractura na alma
que se arrasta, com crescente intensidade, até ao séc. XX.
O grande território original da Filosofia é fragmentado em
regiões epistemológicas onde as Ciências se instalarão, criando competências
próprias, autonomias regionais que evoluem para Estados independentes, com as respectivas
fronteiras, poderes e actos de soberania. As "mercadorias" que traficam produzem
bens e tecnologias e têm, como hoje se diz, "mercado", "procura" e
prestígio. Ciências físicas, Ciências biológicas, Ciências humanas, paulatinamente
constroem a megalópolis do saber contemporâneo.
Aqueles que permanecem na Filosofia têm consciência do
enclausuramento a que estão a ser submetidos e as suas "competências" são
postas em questão perante uma multidão de "disciplinas" que sabem o que querem
e para onde vão. É natural a sensação de desconforto que resulta deste confronto, pois
inúmeros intervenientes neste diálogo interiorizaram como válidas as regras do jogo
impostas por uma das partes.
É decisivo não encarar a Filosofia como uma
"disciplina", não por motivos de ordem táctica, mas por uma questão de
princípio. Aceitar que possa ser uma disciplina é obrigar a declarar com precisão qual
o seu objecto e método. Bastará pouco tempo para que cresça a diversidade de opiniões
entre a confraria dos filósofos e que o tribunal encerre a sessão condenando a
"ré" ao pagamento de custas e a pena suspensa.
Pelo contrário, a Filosofia é o outro lado do
"pensamento disciplinar", com ele coexistindo, mas não se submetendo à sua
lógica própria, nem mesmo numa versão "inter-disciplinar" muito em voga.
Aliás, a inter-disciplinaridade resulta da consciência dos impasses a que leva a
fragmentação das "disciplinas", pois o Mundo não é uma imensa
"quadrícula" onde se instalam, com direito de propriedade vitalícia,
condomínios fechados e incomunicantes.
Não existe Universo dos Físicos, dos Biólogos, dos
Médicos, dos Psicólogos, mas sim uma perspectiva física, biológica, clínica ou
psicológica sobre a totalidade do Universo. O "pensamento disciplinar" é um
meio e não um fim, uma estratégia do "Logos" para conhecer facetas da Natureza
de extrema utilidade pragmática, mas que são espaços abertos ao regresso das grandes
perguntas a que talvez nunca consigamos responder.
O filosofar é a permanência nessas coisas essenciais, o
apelo contra a Cultura do Esquecimento que nos afoga no efémero, no passageiro, última
moda, último livro, "breaking news". Por excesso de informação arriscamo-nos
ao fim da sabedoria, a não ser quando a desgraça nos cai em cima e então lá aparecem
as frases do estilo "Esta vida são dois dias!", "No fundo, que andamos
aqui a fazer?" e outras do género, quase sempre acompanhadas por uma soturna
anuência dos companheiros de infortúnio.
É a hora em que o "problema das origens"
re-aparece da pior maneira, como se fosse uma virose que só a passagem do Tempo curará.
Altura ideal também para a "razão científica" se ausentar apresentando
cumprimentos, cruzando-se à saída com a chegada dos infinitos nomes de Deus!
Num certo aspecto, é simplesmente irónica a situação da
Filosofia, emparedada entre as Ciências e as Religiões, sempre tentada a cair para um
dos lados que, cada qual a seu modo, sempre "servem" para alguma coisa.
Porquê então persistir, a não ser por masoquismo, nesta
terra de ninguém, tratando de questões que "não servem para nada",
justificando-se perante tudo e todos, como se estivessemos no limiar da falência?
É verdade que muito deste tagarelar resulta da
institucionalização da Filosofia, da espuma revolta que atravessa escolas, professores,
alunos, poderes, vaidades e o emprego de muita gente que é olhada como devoradora de
dinheiros públicos, sem se ver a mais-valia resultante. Raramente são úteis as linhas
de argumentação que pretendem dar à Filosofia um ar científico, tentando mascará-la
naquilo que ela não é. Por esta ordem de ideias, mais valeria declarar que os filósofos
são uma espécie em extinção, devendo ser "conservados" por razões
ecológicas, para dar uma oportunidade aos vindouros de apreciar os derradeiros
representantes dum logro de milénios.
Na pior das hipóteses, Escolas desaparecerão e as verbas
serão reafectadas em algum obscuro parágrafo do orçamento de estado. Não sei o que o
Futuro nos reserva, mas tenho consciência que a distância da civilização à barbárie
é bem mais curta do que muitos possam julgar.
A Filosofia deve olhar-se como um local luminoso face às
nuvens de cinzentismo que tantas vezes visitam a História. Não disputa terrenos a
ninguém, não quer propriedades, não substitui convicções religiosas, desejando
somente deixar respirar todos aqueles que, sem pressa, procuram meditar sobre a infinitude
do que não sabemos. Provavelmente é um jogo que nunca ganharemos, até porque não é
certo que todas as regras sejam de nossa autoria. Mas manter o espírito aberto ao
extraordinário enigma que nos rodeia, deixando que o prazer de saber se imponha por
nenhum outro motivo a não ser porque ignoramos, é alimentar uma parte da pequena luz que
nos confortará nesta interminável noite.
Porto, Janeiro de 2001
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- Actualizado em 30.12.2002
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