A Impotência do Grupo Revolucionário

Sam Moss (193?)

Originalmente publicado no periódico International Council Correspondence


I

A diferença entre as organizações radicais e as massas aparece como uma diferença de objetivos. Aparentemente, as organizações querem destruir o capitalismo; as massas desejam apenas manter seu padrão de vida dentro do capitalismo. Os grupos revolucionários fazem agitação para suprimir a propriedade privada; as massas, privadas de qualquer propriedade, almejam possuir alguma coisa. O comunista luta para abolir o lucro; as massas, com mentalidade capitalista, falam do direito dos patrões a um “lucro honesto”.

Enquanto a grande maioria dos operários americanos mantiverem as condições de vida a que se acostumaram, incluído o tempo de lazer que ocupam como espectadores de futebol e cinema, continuarão bem contentes e serão gratos ao sistema que torna essas coisas possíveis. Portanto, acreditam que o radical, que se opõe ao sistema e portanto compromete a posição deles, é muito mais perigoso para eles, operários, do que os patrões que lhes pagam o salário, e não hesitam em fazer dele um mártir. Enquanto o capitalismo atender, da maneira habitual, suas necessidades básicas, eles permanecerão satisfeitos e se vierem a perceber algum mal na sociedade será para atribuí-lo aos “patrões desonestos”, “maus administradores” etc.

Os grupelhos radicais (formados por “intelectuais” que “se elevaram ao nível de compreensão histórica do movimento como um todo” e que apontam os males do sistema como sociais em vez de individuais) enxergam além dos objetivos dos trabalhadores e percebem que as necessidades básicas deles não podem ser satisfeitas, senão temporariamente, sob o capitalismo, e que cada concessão que o Capital faz aos trabalhadores serve apenas para adiar a luta de morte entre esses inimigos. Portanto, eles (pelo menos em teoria) esforçam-se continuamente para transformar a luta por exigências imediatas numa luta contra o sistema capitalista. Mas, diante do pão com manteiga real que o capitalismo ainda pode oferecer à maioria dos trabalhadores, os radicais só apresentam esperanças e idéias, e os trabalhadores abandonam as lutas no momento em que suas reivindicações são atendidas.

A razão da aparente diferença de objetivos entre os grupos revolucionários e a classe operária é fácil de entender. A classe operária, preocupada apenas com as necessidades do momento e em geral satisfeita com sua condição social, apenas reflete o nível de cultura capitalista, uma cultura que é “para a enorme maioria, um mero treino para atuar como máquina.” Os revolucionários são, por assim dizer, desvios da classe operária. Eles são subprodutos capitalismo, representam casos isolados de operários que, por circunstâncias únicas em suas vidas individuais, divergem do curso usual de desenvolvimento no qual, embora tenham nascido escravos assalariados, adquiriram um interesse intelectual mediante a utilização das possibilidades educacionais existentes. Assim, muitos se elevam à pequena burguesia. Outros, cuja ascensão foi bloqueada pelas circunstâncias, permanecem na classe operária como trabalhadores intelectuais. Descontentes com sua situação de apêndices das máquinas, incapazes de subir dentro do sistema, sublevam-se contra ele. Muito freqüentemente, são excluídos da associação com outros operários, seus colegas na empresa, que não compartilham suas opiniões radicais. Unem-se com outros operários, intelectuais rebeldes e carreiristas mal sucedidos de outras camadas sociais em organizações para mudar a sociedade. Em sua luta para liberar as massas da escravidão assalariada, parecem estar agindo com o mais nobre dos motivos, o que não os impede de apenas identificarem no sofrimento dos outros o seu. Quando têm a chance de ascender na sociedade existente, eles, com raras exceções, não hesitam em abandonar os objetivos revolucionários. E, quando o fazem, justificam logicamente sua apostasia: “Não é preciso ser muito inteligente para entender que as idéias de um homem mudam a cada mudança em sua existência material.”

No desenvolvimento do capitalismo, as organizações revolucionárias, pequenas e impotentes, zumbindo em volta das massas, nada fizeram para alterar o curso da história, para o bem ou mal. Seus ocasionais períodos de atividade se explicam pela temporária ou permanente renúncia aos objetivos revolucionários para se unirem aos operários em torno de exigências imediatas. Então, não foi o papel revolucionário que desempenharam, mas o papel conservador das massas. Quando os operários atingem seus objetivos, os grupos radicais retornam à impotência. Seu papel foi sempre acessório, nunca decisivo.

II

Estamos convencidos de que o tempo do partido revolucionário já passou. Os grupos revolucionários, nas presentes condições, são tolerados ou ignorados, porque são impotentes. Nada é mais sintomático de sua impotência do que o fato de que lhes é permitido existir. Constatamos que a classe operária persistirá enquanto o capitalismo durar, que ela não será suprimida sob esse sistema e pode sozinha conduzir uma luta bem-sucedida contra o capitalismo, desde que a iniciativa seja mantida em suas mãos. Acrescentamos que todo o conservadorismo da classe operária atual apenas reflete a força ainda massiva do capitalismo, e que essa força não pode ser destruída pela propaganda, mas por uma força maior.

Às vezes, ocorre que alguns companheiros de nosso grupo questionem a inatividade do grupo. Eles afirmam que, isolados da luta de classes como ela é feita hoje, somos meros grupos de estudos que estarão completamente ausentes quando as transformações sociais acontecerem. Acreditam que a luta de classes é onipresente no capitalismo, e que nosso dever como organização revolucionária é aprofundar a luta de classes. Mas não sugerem qualquer ação. O fato de que as outras organizações radicais que se esforçam para ultrapassar seu isolamento são seitas marxistas insignificantes como nós não convence nossos críticos da futilidade de qualquer ação que os grupelhos possam realizar.

A declaração genérica de que a luta de classes está sempre presente e que nós deveríamos aprofundá-la é feita, antes de tudo, baseada na premissa de que a luta de classes é uma luta revolucionária. Mas o fato é que os trabalhadores, enquanto massa, são conservadores. Considera-se que a luta de classes tem como objetivo direto o enfraquecimento do capitalismo, mas o fato é que, mesmo que sirva para tal, ela se orienta pela situação dos trabalhadores na sociedade. Além disso, a atual luta de classes não é conduzida por organizações revolucionárias. Ela acontece nas fábricas e é conduzida pelos sindicatos.

Hoje, nos EUA, as lutas são conduzidas por organizações conservadoras como A.F.L. e C.I.O. Porém, aqui e ali, acontecem greves espontâneas que são condenadas por todas as organizações conservadoras existentes, indicando a forma que a guerra de classes poderá assumir quando essas organizações forem completamente absorvidas pelo Estado. Esses movimentos dos trabalhadores são raros e isolados hoje. Se é verdade que os líderes de C.I.O e a A.F.L. são conservadores, também o são os membros desses sindicatos. Para reter seus membros e atrair outros, os sindicatos devem obter concessões dos capitalistas. Os operários se mantém nos sindicatos porque obtêm concessões através deles. E é por isso que os sindicatos recorrem à luta de classes. Se, portanto, somos arrastados para a luta de classes, devemos ir aonde a luta está acontecendo. Nós não atuamos nas fábricas e nos sindicatos. Se fizermos assim, teremos de abandonar nossos princípios revolucionários, porque se lhes dermos expressão, rapidamente seremos demitidos e expulsos do sindicato. Numa palavra, retornaremos ao estado de impotência. Tornar-se ativo na luta de classes significa, então, tornar-se tão conservador quanto a massa dos trabalhadores. Noutras palavras, entramos na luta de classes, mas não podemos contribuir para ela. A única alternativa é continuar onde estamos, agarrados impotentemente aos nossos princípios. Qualquer que seja a nossa orientação, é óbvio que não podemos afetar o curso dos eventos. Nossa impotência ilustra o que deveria ser óbvio para todos: que a história é feita somente pelas massas.

Os grupos de Comunistas de Conselhos distinguem-se de todos os outros grupos revolucionários porque não se consideram vanguarda nem líderes dos operários. Consideram-se unidos com o movimento dos operários. Mas essa diferença entre nossa organização e as outras é apenas uma diferença ideológica, e não reflete qualquer diferença material. Na prática, nós estamos atualmente como todos os outros grupos. Como eles, funcionamos fora da esfera de produção, onde a luta de classes se dá; como eles, estamos isolados das massas trabalhadoras. Nós diferimos dos outros grupos apenas na ideologia, mas é apenas na ideologia que todos os outros grupos diferem. Praticamente, não há diferença entre os grupos. Se acatássemos a sugestão de nossos críticos de “aprofundar a luta de classes,” assumiríamos um evidente caráter “leninista”. Admitamos, por exemplo, que é possível para nós, como grupo independente, organizar os operários de uma área industrial. O fato de não terem se movido sem nossa ajuda significa que dependem de nós para sua iniciativa, e que nós a estamos tirando de suas mãos. Se permitirem que venhamos a lhes dar o impulso inicial, dependerão de nós para os impulsos seguintes e logo estaremos liderando-os, passo a passo. Portanto, aqueles que defendem que nós “intensifiquemos” a luta de classes não estão meramente ignorando as condições objetivas, que fazem tal ato questionável, estão defendendo também nossa liderança sobre as massas. Eles podem, é claro, argumentar que, compreendendo os males de tal curso, nós podemos nos proteger contra eles. Mas esse argumento está novamente num plano ideológico. Na prática, teremos de nos ajustar às circunstâncias. Então, torna-se óbvio que, adotando tal prática, nós funcionaríamos como um grupo leninista, poderíamos no máximo produzir os resultados do leninismo. Porém, a impotência dos grupos leninistas existentes mostra o quanto é improvável o êxito dessa prática e demonstra uma vez mais a obsolescência dos pequenos grupos revolucionários diante das reais necessidades proletárias. Talvez, prevendo um futuro próximo, quando será objetivamente impossível para qualquer grupelho assumir a liderança das massas com o objetivo de explorá-las para atender suas próprias necessidades. A classe operária pode, sozinha, conduzir a luta revolucionária, assim como hoje, atuando na luta de classes não revolucionária. E a razão pela qual os operários rebeldes com consciência de classe se associam com grupos exteriores à esfera luta de classes real é apenas porque ainda não existe um movimento revolucionário no interior dessa esfera. Portanto, a existência dos grupelhos reflete não uma situação revolucionária, mas uma situação não revolucionária. Quando soar a hora da revolução, esses grupos desaparecerão ou serão dissolvidos por ela, permanecendo os operários como revolucionários.

Mas, ainda que nenhuma diferença prática entre nós e outras organizações revolucionárias seja admitida pelas condições objetivas, nós podemos no mínimo manter nossa diferença ideológica. Portanto, onde todos os grupos vêem a revolução nas situações mais improváveis e acreditam que tudo o que está faltando para a revolução é um grupo com a “linha marxista correta”; numa palavra, exageram a importância das idéias e coincidentemente a deles mesmos como portadores dessas idéias (uma atitude que reflete suas inclinações dirigistas), nós queremos ver a verdade de cada situação. Nós vemos que a luta de classes hoje ainda é conservadora; que a sociedade é caracterizada não apenas por essa única luta mas por inúmeras lutas, que variam com a multiplicidade de camadas na sociedade e que até agora têm afetado a luta entre Capital e proletariado no interesse do primeiro.

Mas, porque vemos não apenas a situação imediata, mas também as tendências nela incluídas, nós compreendemos que as dificuldades do capitalismo estão aumentando e que os meios de atender mesmo as necessidades básicas da classe operária estão diminuindo continuamente. Nós entendemos que, simultaneamente à baixa da lucratividade do capitalismo, o progressivo nivelamento exterior às divisões nas duas classes: capitalistas expropriando capitalistas e, nas massas trabalhadoras, os meios de subsistência são distribuídos mais e mais uniformemente, para impedir a catástrofe social decorrente da incapacidade para satisfazê-las. Com tais desenvolvimentos, os diversos objetivos da classe dominante estão convergindo para um só objetivo: a preservação do sistema capitalista. E os diversos objetivos dos proletários estão, apesar do aumento da confusão ideológica, convergindo para um só objetivo: a mudança fundamental das atuais estruturas sócio-econômicas. Então, nós, que somos uma fração da classe operária ou, mais corretamente, um produto dela, queremos realmente nos fundir com toda a classe operária, assim como nossos objetivos fundem-se com os dela, e nos dissolver na luta revolucionária.

Mas, perguntam-nos, por que, compreendendo a inutilidade do ato, vocês se agrupam? A resposta é que o agrupamento responde a uma necessidade pessoal. É inevitável, quando compartilhamos um sentimento comum de rebelião contra a sociedade capitalista, fundada sobre a exploração e guerra, juntarmo-nos aos companheiros e utilizar as armas de que dispomos. Incapazes de rebelar-se contra o sistema com o resto da população, tentarão fazer isso sozinhos. O fato de que se engajam em tal ação, por mais fútil que pareça, estabelece as bases para o prognóstico de que, quando as massas trabalhadoras, reagindo ao empuxo da situação objetivamente revolucionária, sentirem-se igualmente afetadas, eles irão se associar com a mesma urgência e usarão qualquer arma que esteja à sua disposição. Quando fizerem isso, eles não realçarão os fatores ideológicos, mas as necessidades, e suas ideologias refletirão então as necessidades, assim como suas ideologias burguesas refletem a necessidade atual.

A visão da ineficácia revolucionária dos grupelhos é considerada pessimista por todas as organizações revolucionárias. E se essa visão indicar a inevitabilidade da revolução? E se essa visão apontar a falência das autoproclamadas lideranças das massas e o fim de toda exploração? Os grupelhos radicais não se alegram com a perspectiva de um futuro em que não possuam mais importância do que os demais seres humanos. Eles condenam essa visão do futuro, como uma filosofia derrotista. Efetivamente, não falamos apenas da futilidade dos grupelhos radicais; nós temos sido bastante otimistas quanto ao futuro dos trabalhadores. Mas, para todas as organizações radicais, se seus grupos são derrotados ou estão morrendo, então tudo está morrendo. Em tais afirmações, portanto, eles revelam sua verdadeira motivação para a rebelião e o verdadeiro caráter de suas organizações. Nós, entretanto, não encontramos qualquer motivo para desespero na impotência desses grupos. Ao contrário, nós vemos nisso um motivo para otimismo, considerando o futuro dos trabalhadores. No definhamento de todos os grupos que pretendem conduzir as massas, do capitalismo para outra sociedade, nós estamos vendo pela primeira vez na história o começo do fim de todas as lideranças políticas e da divisão da humanidade em categorias econômicas e políticas.



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