Teses sobre a Crise Secular do Capitalismo:

a Insuperabilidade dos Antagonismos de Classe (*)

 

Tese 1: Estamos no centro da crise secular.

Hoje, escrevemos e falamos sobre a crise, como há duas décadas. Estamos vivendo uma crise global do capitalismo que pode ser datada de, no mínimo, desde o fim dos anos 1960. Em termos de duração, profundidade e alcance, esta crise segue a da década de 1930 - cuja duração, entende-se, foi do crash de 1929, passando pela segunda guerra mundial, até o começo, no pós-guerra, da Pax Americana, o Plano Marshall na Europa Ocidental, a reestruturação do Japão e o início da guerra fria. Escrevemos e falamos de crise secular porque nenhum declínio ou crescimento cíclico dos negócios, nem toda a série de contramedidas capitalistas (locais e internacionais) resolveram os problemas fundamentais do sistema de modo a embasar uma retomada estável da acumulação. Assim, a crise secular é uma constante ameaça à existência do capitalismo, por forças e tendências antagônicas inerentes à estrutura social e que persistem através das flutuações de curta duração e das grandes reestruturações.

Tese 2: A crise secular é a crise da relação de classes.

As forças antagônicas básicas - que são inerentes à estrutura social do capitalismo, que perduram através dos altos e baixos das flutuações e reestruturações, que foram repetidamente internalizadas sem nunca perderem o poder de ressurgir - são a negatividade e a criatividade da classe proletária. O proletariado persistentemente ameaça a sobrevivência do capitalismo tanto devido às lutas contra vários aspectos da forma capitalista de sociedade e quanto porque sua criatividade tende a levar para além dessa forma social. Em oposição a todas as ideologias burguesas do contrato social, pluralismo e democracia, o marxismo tem mostrado que o antagonismo do proletariado deriva de o capitalismo ser uma ordem social baseada na dominação, isto é, na imposição de um conjunto de normas sociais pelas quais, tendencialmente, toda a vida é organizada. O antagonismo de classes é assim insuperável pelo capitalismo porque este é inseparável da dominação que define o sistema.

Tese 3: A relação de classe é a luta com relação ao trabalho.

As normas capitalistas impõem a subordinação generalizada da vida humana ao trabalho. Todas as sociedades de classes extraem sobretrabalho, mas somente no capitalismo todas as atividades foram transformadas em trabalho, forma-mercadoria dos processos laborais. Esses processos produzem valores de uso que podem ser vendidos, nos quais um lucro pode ser realizado, e produzem e reproduzem a vida humana como força de trabalho. Antagonismo e resistência acompanham essa imposição, porque sua maneira de organizar a vida humana restringe e confina dramaticamente seu desenvolvimento. As pessoas lutam tanto contra sua redução à "mero trabalhador" quanto pela elaboração de novos modos de ser que escapam aos limites capitalistas. (1)

Tese 4: As lutas da classe trabalhadora (assalariada e não assalariada) contra o trabalho.

Enquanto "o capital" pode ser pensado em bloco, no sentido de que as diferenças e conflitos entre os capitalistas são secundários com relação às regras do jogo, do ponto de vista do explorado, "o proletariado" é um bloco unicamente como classe em-si, ou seja, enquanto formado pelo capital através da imposição universal do trabalho. O proletariado só aparece como classe para-si, como uma força auto-atuante, através da negatividade enraizada na comunidade que se opõe à dominação do capital, isto é, na luta para deixar de ser proletariado ou qualquer tipo de classe. A luta contra o trabalho é central na história do proletariado, desde a resistência inicial à imposição do trabalho no período da acumulação primitiva, passando pelos séculos de resistência à extensão do tempo de trabalho (jornadas maiores e mais duras), até as lutas mais recentes para reduzir o tempo de trabalho e liberar tempo para a atividade autodeterminada. (2) Dados os esforços capitalistas para re-internalizar o tempo liberado da jornada de trabalho oficial (semana, etc), formatando-o para a reprodução da vida como força de trabalho e transformando assim toda a vida numa grande fábrica social, a luta a respeito do tempo se tornou universal. As lutas proletárias, hoje, devem ser compreendidas incluindo não apenas a luta dos trabalhadores assalariados mas a de todos aqueles que não recebem um salário mas que são treinados e condicionados para fazer o trabalho da reprodução do proletariado enquanto tal, por exemplo, donas de casa, estudantes, camponeses, "desempregados" e assim por diante. (3)

Tese 5: O proletariado luta por uma irredutível multiplicidade de maneiras alternativas de ser.

Quando observados positivamente, do ponto de vista das lutas (além da mera resistência à imposição do trabalho), os interesses dessa complexa "classe proletária" são múltiplos no sentido de não serem universalmente compartilhados. Os interesses de um grupo não são exatamente os mesmos dos de outro, mesmo se o "sucesso" de um facilite a realização dos outros (4). Assim, há uma relação problemática entre a noção de classe-para-si do proletariado e a multiplicidade de interesses pelos quais lutam seus diferentes setores. "O" proletariado que luta e cujo antagonismo ameaça a sobrevivência do capital é realmente uma multiplicidade que se move em diversas direções, efetuando diversos processos de autovalorização e autoconstituição.

Tese 6: A internalização do antagonismo proletário é dialética.

Portanto, o problema que o capital enfrenta ao tentar controlar e suprimir o antagonismo do proletariado consiste em gerir não apenas uma resistência (não necessariamente aliada, nem mesmo complementar) compartilhada, mas diversos processos de auto-constituição que rompem seguidamente com suas regras e precipitam a crise. A acumulação do capital exige que o comando capitalista (tese) internalize as auto-atividades hostis do proletariado (antítese) e as transforme em processos (síntese) capazes de dinamizar o que é basicamente um conjunto morto de regras/coações. Assim, a "lógica" (ou "leis") (5) do capital é, como todas as lógicas, um conjunto de regras, neste caso, o conjunto que o capital é capaz de impor numa a uma coletividade resistente e auto-atuante. Em outras palavras, a lógica dialética da luta de classes envolve a cooptação e domesticação da atividade mutagênica em metamorfose (6). Todas as chamadas barreiras imanentes do capital se revelam como enraizadas e momentos das relações da classe em luta. A quantidade dessas barreiras é a quantidade de momentos (ou locais) da relação entre classes. (7) O desenvolvimento desses conflitos é "dialético" somente na medida em que o capital é capaz de internalizar sua oposição, para conseguir a transformação do antagonismo em contradição.

Tese 7: Estudar a crise é estudar a luta de classes.

O estudo da crise secular, portanto, deve ser o estudo das ameaças postas, das rupturas alcançadas e transformações forjadas por essa constelação constantemente mutante de forças antagônicas e autoconstituintes. (8) Os processos de acumulação do capital, compreendidos como acumulação das relações de classe do capital, envolvem tudo isso - inclusive a ameaça reiteradamente presente de mutação e ruptura total, cuja recusa é a condição necessária da perpetuação desses processos. (9) Simultaneamente, o estudo da crise secular deve ser o estudo das lutas pela libertação das coações do capitalismo como sistema social.

Tese 8: A teoria marxista tradicional da crise deve ser desmistificada.

As abordagens marxistas tradicionais sobre a crise secular precisam ser re-situadas dentro das forças fundamentais de classe em ação no coração do sistema. Por exemplo, é comum em muitas teorias marxistas da crise secular (ou das crises mais cíclicas, nessa questão) tratar a luta de classes como uma força entre outras que dirige (sobredetermina) o desenvolvimento do sistema para a crise. Elas deixam de observar que se a auto-atividade do proletariado (tanto negativa quanto positiva) é a força fundamental que se opõe ao conjunto de regras/coações do capital sobre a vida social, evitar o fetichismo significa que as outras forças, supostamente distintas, podem e devem ser repensadas como momentos ou aspectos particulares do conflito entre classes.

Tese 9: A concorrência não é separada, mas uma forma da relação entre classes.

Uma força comum e supostamente paralela que se costuma pensar que dirige o capital para a crise é a "concorrência" entre sub-unidades do capital, como empresas, blocos nacionais. Argumenta-se freqüentemente que a tendência de longo prazo da produtividade e da composição orgânica do capital a aumentar é dirigida "tanto pelo conflito de classes quanto pela concorrência intercapitalista". (10) A "concorrência intercapitalista", portanto, deve ser reinterpretada em termos da luta de classes pelo reconhecimento de que "quem vence" a guerra da concorrência é quem tem maior controle sobre algum setor importante do proletariado. O preço competitivo é conseguido com a redução de custos, isto é, baixando salários, forçando os trabalhadores a trabalhar mais ou a aceitar a introdução de tecnologias para o aumento da produtividade. A competitividade através da diferenciação do produto é conseguida exigindo mais imaginação e criatividade dos trabalhadores. Na concorrência bélica, vence quem for capaz de mobilizar o maior esforço (sob todas as suas formas, desde o trabalho duro nas fábricas até a criatividade e disposição para o sacrifício nos campos de batalha) dos proletários. A "competição" se tornou um importante slogan de dominação neste período de reestruturação capitalista internacional, usado para lançar proletários contra proletários. Precisamos desfetichizar seu significado, mostrando que ele é apenas uma maneira particular de organizar a luta de classes. No contexto da teoria marxista da crise, precisamos fazer o mesmo e relocalizar a concorrência na luta de classes mais do que fora dela. (11)

Tese 10: As categorias teóricas marxistas são as da luta de classes.

Para desmistificar as velhas teorias da crise, precisamos reinterpretar seus elementos conceituais: valor, trabalho abstrato, salário, mais-valia, taxas de exploração e lucro, composição orgânica e acumulação do capital. (12) O valor deve ser reinterpretado como um conceito sobre o trabalho que o capital impõe para organizar a sociedade (contra o qual os proletários elaboram uma diversidade de "valores" incomensurável); o trabalho abstrato - substância do valor - como função universal de todos os tipos de trabalho sob comando capitalista (contra o que os proletários lutam, para recusar o trabalho); o valor de troca, como forma da imposição do trabalho (contra o que os proletários lutam, enrijecendo-o e ultrapassando-o); o salário, como custo do capital para reproduzir os trabalhadores (contra o que os proletários reajustam o salário por autovalorização);a mais-valia, como imposição de trabalho para financiar mais trabalho no próximo período (que os proletários corroem, exigindo que o trabalho seja subordinado às suas necessidades); as taxas de exploração e de lucro, como medidas da subordinação do trabalho às necessidades do capital por mais trabalho (cuja queda mede o poder proletário); a composição orgânica do capital, como as condições técnicas da imposição do trabalho (em torno da qual os proletários recompõem seu poder); e a acumulação do capital, como reprodução ampliada da luta de classes sob todos os aspectos.

Tese 11: O "subconsumismo" resulta da tentativa de impor o trabalho

Uma das mais antigas e persistentes teorias da crise, que pode ser encontrada em Marx, Malthus, Hobson, Keynes ou Sweezy, é a do "subconsumismo". (13) Em cada caso, incluindo o de Marx, o subconsumismo deriva da contradição entre a tendência capitalista para maximizar a produção, vendas e lucros, minimizando os custos, especialmente os salários. Os capitalistas querem produzir o quanto é possível no mercado mas manter os salários baixos e assim, cegamente, limitam a dimensão do mercado - diretamente, por meio da subsistência, indiretamente, por meio da produção. Contudo, em termos de classe, o salário não é apenas custo para o capital, mas poder da classe operária, não meramente poder de compra dos meios de subsistência, mas de lutar contra o trabalho capitalista e por suas próprias necessidades. A tendência para o subconsumismo aparece, pois, como conseqüência da contradição entre a necessidade de privar os proletários (o porrete) para forçá-los ao trabalho (o conteúdo do valor) e a necessidade de mercados para absorver as mercadorias que eles produzem (a forma do valor). No século XX, Ford e Keynes reconheceram que o salário era mercado assim como custo, e tentaram resolver a velha contradição através do aumento de salários (a cenoura) para obter o mesmo resultado (mais trabalho) num mercado crescente. Mas o aumento de salários (e o aumento do poder da classe operária) ficou limitado ao aumento da produtividade. Desse modo, a velha contradição persistiu, num contexto mais dinâmico. Depois que os proletários rechaçaram essa solução, o capital (mercado e estado) em crise desfechou um ataque generalizado à classe operária e ressuscitou as velhas formas da contradição do subconsumismo. (14)

Tese 12: A "tendência à queda da taxa de lucros" refere-se às crescentes dificuldades de pôr as pessoas para trabalhar.

Contra as teorias do subconsumismo, muitos marxistas assinalaram a tendência da composição orgânica do capital a aumentar e da taxa de lucros a cair, como as causas mais fundamentais da crise. (15) Podemos reinterpretar esta abordagem em termos do modo como as tentativas do capital para acumular envolvem um crescente conflito entre as necessidades de extrair trabalho e a introdução de máquinas. Com o crescimento da composição orgânica do capital, entendida como uma reorganização da tecnologia que aumenta a produtividade e impõe "mais trabalho", percebemos que isso envolve uma mudança na correlação de forças entre o capital e o proletariado. (16) Porque a mudança fundamental nessa reorganização da tecnologia é a substituição do trabalho vivo pelo trabalho morto (seja sob a forma de máquinas ou de informação), isso tendencialmente mina a capacidade do capital para organizar a sociedade através da imposição do trabalho. Assim a questão chave não é o que está acontecendo com a taxa de lucro mas a crescente quantidade de trabalho morto usada para extorquir uma dada quantidade de trabalho vivo. Conforme Marx argumentou nos Grundisse , no Fragmento sobre as Máquinas, o problema da imposição do trabalho - e assim o da manutenção do controle - se torna cada vez mais agudo e a quantidade de tempo pelo menos potencialmente livre ou "disponível" aumenta com o desemprego, isto é, com o desassalariamento. (17)

Tese 13: O "esgotamento" de um modo de regulação mede a eficácia da recusa do trabalho.

O marxismo estruturalista dos anos 70 foi ressuscitado, como teoria da regulação, pela injeção de uma dose de Gramsci e uma pílula de autonomismo marxista. As estruturas althusserianas se levantaram do sarcófago sob a forma de conceito de um regime de acumulação e de um modo de regulação que teve de dar piruetas para permanecer intacto. A dessincronização (por exemplo, a crise do fordismo) pôde ser remediada com uma pequena reestruturação (por exemplo, o pós-fordismo). Os teóricos da regulação usaram uma ortodoxia revitalizada para confrontar a crise da era keynesiana, mas "flutuavam" como observadores da crise e seus comentários sepultariam a luta de classes sob um jargão estruturalista. Mas podemos examinar o regime de acumulação em termos de estratégias e táticas capitalistas para geri-la. Deste ponto de vista, o esgotamento de um modo de regulação reaparece como um colapso na capacidade do capital de sustentar uma forma particular de imposição do trabalho frente à auto-atividade do proletariado. O drama do assim chamado pós-fordismo pode ser compreendido como a luta entre um rápido desenvolvimento, um proletariado altamente socializado e um esforço desesperado e brutal do capital para encontrar novas maneiras de dominá-lo.

Tese 14: A crise do capital é a liberdade da subjetividade revolucionária.

Como a luta, ou lutas, do proletariado reiteradamente escapam à lógica do capital, a ameaça é a revolução, isto é, a mutação, a eclosão de "lógicas" alternativas, autodeterminadas, além daquela do capital, de uma maneira que destrói a dialética. (19) Como marxistas, nosso papel na crise, incluindo análise e discussão da teoria da crise secular, deve contribuir para o aprofundamento da crise mais do que para sua resolução. Em oposição aos teóricos burgueses, não devemos nem ajudar a imaginar como "resolver" a crise restaurando a acumulação, nem simplesmente procurar desenvolver uma compreensão "científica" melhor. Em vez disso, devemos elaborar de dentro e como uma contribuição para as forças que precipitaram a crise, que resistem às tentativas capitalistas de superá-la e que tendem a levar através dela para a transcendência não só da crise mas do capitalismo como um todo. O que realmente precisamos fazer não é meramente reconhecer os sujeitos antagonistas que dirigem a "crise secular" mas explorar as "lógicas" dessas diversas e emergentes subjetividades. Tal exploração pode nos ajudar a ir além da apreciação de como elas rompem o capital, para a apreciação da articulação e fortalecimento de seu desenvolvimento.

Tese 15: O caminho para a revolução é a circulação das lutas.

Tudo o que dissemos acima não apenas contribui para repensar sistematicamente as conhecidas teorias marxistas da crise secular, mas também para uma reconfiguração não tradicional da política do proletariado. Em vez de tentar organizar a homogeneização das lutas proletárias através de instituições como sindicatos ou partidos políticos, que empurram para uma visão unificada do futuro (socialismo) contra a dominação capitalista, devemos substituir a política de alianças pela de supressão do capitalismo por uma diversidade de projetos sociais. Uma política de alianças contra o capital a ser conduzida não apenas para acelerar a circulação das lutas de setor a setor da classe, mas para, dessa maneira, construir uma política pós-capitalista da diferença sem antagonismo. É a circulação das lutas que tem lançado à crise o comando capitalista. Somente através da circulação das lutas é que as divisões que continuam a nos enfraquecer podem ser superadas. Essa circulação não é uma questão de propagar alguma ideologia anticapitalista, mas envolve a fabricação e utilização de conexões materiais e comunicações que destroem o isolamento e permitem às pessoas lutar de maneiras complementares - tanto contra as coações que as limitam quanto pelas alternativas que elas constroem, separadamente e juntas.

Austin, Texas - maio de 1993

Notas:

* Esta é uma versão modificada de um conjunto de notas para a sessão "Secular Crisis in Capitalism: Attempts at Theorization" da Rethinking Marxism Conference, Amherst Massachusetts, de 13/11/1992. Algumas notas se referem a dois outros textos apresentados naquela sessão: Hans G. Ehrbar, "Crisis of Capitalism: A Realist Perspective", esboço de 22/09/1992 e David Laibman, "Immanent Critical Tendêncies: Toward a Comprehensive Theory", esboço de setembro de 1992.

1) Esta análise do capitalismo, como sistema social baseado na constante imposição do trabalho pela forma mercadoria, foi primeiramente esboçada no verão de 1975 e depois publicada no meu READING CAPITAL POLITICALLY, Austin: University of Texas Press, 1979. Como Marx apontou na seção 2, capítulo 3 do volume I de O Capital, o capitalismo não inventou o sobretrabalho, mas sua interminável imposição junto com a mercadorização da vida.

2) A centralidade da luta de classes contra o trabalho na gênese da crise atual foi percebida pela nova esquerda italiana, no fim da década de 1960, e na França e EUA nos anos de 1970. Esta análise foi publicada em: Lavoro Zero (Veneza), Camarades (Paris) e Zerowork (New York). Como Roediger e Foner mostraram recentemente, a respeito dos trabalhadores assalariados nos EUA, a luta pela redução do trabalho foi fundamental para a capacidade dos proletários estadunidenses para unir, além de gênero, raça, qualificação e etnia, toda a história do movimento operário naquele país. Foi, então, fartamente demonstrado que a luta contra o trabalho está intimamente conectada a todas as questões surgidas nas lutas operárias dos EUA, incluindo salários, condições de trabalho, desemprego, direitos das mulheres etc. Veja David Roediger e Philip Foner, OUR OWN TIME: A History of American Labor and the Working Day, Nova York: Verso, 1989. O livro mais recente de Juliet Schor, THE OVERWORKED AMERICAN, Nova York: Basic Books, 1991, mostra que esse antagonismo está no centro da luta de classes hoje.

3) O movimento feminista, em princípios da década de 1970, desenvolveu uma análise marxista do trabalho não assalariado. Ver Mariarosa Dalla Costa e Selma James, THE POWER OF WOMEN AND THE SUBVERSION OF THE COMMUNITY, 1972 e o subseqüente debate marxista sobre "trabalho doméstico". Infelizmente, em seu livro, Roediger e Foner negligenciam as lutas dos trabalhadores não assalariados (diferentes do "desempregado"). Schor faz melhor, incluindo o trabalho doméstico não assalariado em seu estudo. Mas focaliza mais os recentes êxitos do capital em impor mais trabalho doméstico do que a luta, anterior e que contínua, contra ele.

4) O reconhecimento marxista dessa diversidade foi exigido não somente pelo movimento feminista, mas também pelo negro e outros "novos movimentos sociais". O peso das análises pós-modernista e pós-marxista pode ser verificado, em parte, na recusa de muitos marxistas a esse reconhecimento.

5) Se Laibman fala em termos de "lógica" do capitalismo, Hans Ehrbar prefere falar em termos de "leis" do capitalismo. Ambos os termos se referem a regularidades que caracterizam o capitalismo, além das ações dos indivíduos (incluindo indivíduos capitalistas) - além da "ação individual" no texto de Ehrbar. Afirmo que tais regularidades resultam do confronto entre, por um lado, os esforços coletivos dos que Marx chamou de funcionários do capital e os esforços coletivos por parte de outros (o proletariado). De fato, como Ehrbar observa, os indivíduos capitalistas e sua concorrência "não determinam essas leis" (veja a tese 9 acima) mas elas tampouco são metafísicas; são regularidades da luta de classes sobre o conteúdo e a forma da vida social.

6) Como deve estar claro, "a" dialética não está sendo aqui considerada como um princípio transcendente histórico ou cosmológico mas como a lógica da luta de classes que constitui o capitalismo.

7) Concordo com a tentativa de Laibman de localizar, sem hierarquia, uma diversidade desses "locais", e que suas inter-relações são, como ele sugere, um antídoto para o "sectarismo e isolamento" entre marxistas na elaboração da teoria da crise (p. 20). Foi o que Peter Bell argumentou. na sua contribuição "Marxist Theory, Class Struggle and the Crisis of Capitalism", in Jesse Scheartz (ed) THE SUBTLE ANATOMY PF CAPITALISM, Santa Monica: Goodyear, 1977, pp. 170-194 e o que buscamos contribuir in Harry Cleaver and Peter Bell, "Marx's Crisis Theory as a Theory of Class Stuggle" in RESEARCH IN POLITICAL ECONOMY, Vol. 5, 1982, pp. 189-261 and Harry Cleaver, "Karl Marx: Economist or Revolutionary?" in Suzanne Helburn and David Bramhall (eds) MARX, SCHUMPTER AND KEYNES: A Centenary Celebration of Dissent, New York: M.E. Sharpe, 1986, pp. 126-129. As diferenças entre a abordagem de Laibman e a nossa são menos de intenção do que execução.

8) Necessitamos reinterpretar afirmações como as de Erhbar, quando ele diz que Marx enfatiza "aquelas crises em que há tendências intrínsecas ao capitalismo que não podem mais operar". As "tendências intrínsecas" que "não operam mais" se referem ao "mecanismo" (por assim dizer) do comando capitalista. Elas não operam mais, porque o proletariado já rompeu com elas. O problema, parece-me, é reconhecer a existência desse poder e então compreender como ele pode ser alcançado.

9) Assim, ver a luta de classes como o "modo de existência do capitalismo" não implica, como David Laibman sugere em seu texto, "abster-se" da análise da acumulação ou uma abordagem estática oposta a uma dinâmica. Pelo contrário, significa que a análise da acumulação deve apreendê-la como acumulação das classes com seus conflitos em todo seu dinamismo. Significa reconhecer que a "instabilidade inerente" não é exterior à luta de classes, mas parte dela. E, finalmente, significa que o "crescente rigor" da crise capitalista se enraíza na crescente autonomia da luta contra o capital. (compare com suas pp. 2-3)

10) A citação é de Laibman, p. 10, mas é uma posição largamente compartilhada pelos teóricos marxistas.

11) Este argumento foi desenvolvido em grande parte em Harry Cleaver, "Competition or Cooperation" COMMON SENSE (Edinburgh), No 9, Abril de 1990, pp.20-23.

12) Este tipo de reinterpretação foi subestimado por longo tempo e pode ser encontrado no que eu chamo "marxistas autonomistas". Veja, por exemplo: Mario Tronti, OPERAI E CAPITALE, Turim: Einaudi, 1964 (partes foram publicadas em RADICAL AMERICA e TELOS), Harry Cleaver, READING CAPITAL POLITICALLY, op. cit., Antonio Negri, MARX OLTRE MARX, Milão: Feltrinelli, 1979 (disponível em inglês como MARX BEYOND MARX, Booklyn: Autonomedia, 1991), e os periódicos ZEROWORK (década de 70), MIDIGHT NOTES (Boston, atual), NEWS & LETTERS (Chicago, atual), FUTUR ANTERIUR (Paris, atual), AUTONOMIA (Pádua, atual) e COMMON SENSE (Edimburgo, atual).

13) Estritamente falando, nem Marx nem Keynes eram subconsumistas. Reconheceram que o consumo era um componente da demanda agregada e fizeram bem mais do que discutir seus limites, isolando-os de outros componentes. Compreenderam tanto a centralidade do trabalho/consumo quanto as forças que tendem a diminuir o consumo e limitar a o mercado.

14) Para uma reinterpretação em termos de classes dos argumentos subconsumistas, como os de Paul Sweezy, ver Harry Cleaver, "Karl Marx: Economist or Revolutionary?", in Suzanne Helburn e David Bramhall (eds) op. cit.

15) Inicialmente, C.L.R. James, Raya Dunayevskaya e Grace Lee atacaram as teorias marxistas circulacionistas de Eugene Varga e Paul Sweezy (subconsumismo com a produção centrada na baixa tendencial da taxa de lucros. Ver STATE CAPITALISM E WORLD REVOLUTION, Chicago: Charles H. Kerr, 1986 (publicado originalmente em 1950), pp. 13-17. Depois, quando Sweezy publicou MONOPOLY CAPITAL, New York: Monthly Review, 1966, com Paul Baran, seu subconsumismo neokeynesiano foi novamente atacado, dessa vez por Paul Mattick, e. g., "Marxist and Monopoly Capital", PROGRESSIVE LABOR 7 e 8, 1966, David Yaffe e outros, retomando a tese da baixa tendencial da taxa de lucros.

16) Embora seja teoricamente possível que uma inovação tecnológica eleve a produtividade sem aumentar as horas ou a intensidade do trabalho (realmente, no nível micro, essa inovação pode reduzir a quantidade de trabalho), Marx mostrou que o capital geralmente tenta obter maior produtividade e mais trabalho. Além disso, o aumento da mais-valia relativa, conseqüência do aumento da produtividade, torna possível mais investimento e assim mais trabalho (incluindo mais emprego) no futuro.

17) Ehrbar está certo (p.3) ao dizer que Marx "subestimou" essa contradição e "que a produção, cuja única finalidade é a valorização, desenvolve a produtividade... [de tal modo que] a produção se torna cada vez mais desvinculada com o valor de uso, e o trabalho fabril se torna cada vez mais irrelevante." Mas o que isso significa socialmente é que, na tentativa de impor trabalho (valor) interminavelmente (mais-valia), torna-se cada vez mais difícil impor trabalho a todos. Sim, o "desenvolvimento das forças produtivas... torna obsoleto o capitalismo", mas a "força produtiva" mais fundamental é a força de trabalho viva, isto é, a potência criativa do proletariado. Este é o tipo de desfetichização que temos de fazer: imaginar as relações sociais representadas pelos conceitos marxistas e analisar assim as dinâmicas com a teoria marxista. Note-se que o "desassalariamento", indicado na tese 4, não significa automaticamente ausência nem redução de trabalho. Pelo contrário, onde o capital tem poder para limitar o acesso dos trabalhadores à terra e às ferramentas (para manter ou intensificar a acumulação primitiva) a escassez de emprego pode significar mais trabalho - trabalho de sobrevivência. Veja Midnight Notes, THE NEW ENCLOSURES, Fall 1990. Contudo, também é verdade que onde o desassalariado é capaz de expandir sua capacidade de sobreviver por si mesmo, a autovalorização pode se expandir às custas da valorização. Se o deslocamento do trabalho assalariado pela automação pode levar a crise e oportunidades, isto não garante um "caminho para o paraíso", como Andre Gorz gostaria de nos fazer acreditar.

18) Os entusiastas das mais recentes e sofisticadas formas de gestão capitalista esquecem que o FMI impôs a fome na África, bombardeios massivos no Golfo Pérsico, limpeza étnica na ex-Iugoslávia. Atentados à bomba em clínicas de aborto e exploração de crianças em fábricas e bordéis são também exemplos das tentativas do capital para restabelecer seu comando nesse período. Para uma crítica de classe da teoria da regulação, veja: Giuseppe Cocco e Carlo Vercelone, "Les paradigmes sociaux du post-fordisme", FUTUR ANTERIEUR, No. 4, hiver 90, pp. 71-94 e Werner Bonefeld e John Holloway (eds) POST-FORDISM AND SOCIAL FORM: A Marxist Debate on the Post-Fordist State, London: Macmillan and CSE, 1991.

19) Se a dialética é a lógica da luta de classes no capital, não há uma razão a priori para esperar que a compreensão da "lógica" dessas forças antagônicas mas constitutivas de autovalorização que levam para além do capital sejam "dialéticas" no sentido marxista. Sobre este assunto, veja meu "Marxian Categories, the Crisis of Capital and the Constitution of Social Subjectivity Today".



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