TRANSIÇÃO IMOTA

Um lapso no tempo

Tiago Daitx

 
PRÓLOGO:
“Vanessa Link, 24 anos, que havia sido raptada após um assalto à agência na qual trabalhava, foi encontrada em estado de choque na praça principal. Os médicos não sabem o que pode ter ocasionado isso. A polícia ainda não sabe como ela chegou lá, já que os três seqüestradores envolvidos, atualmente se recuperando no Asilo Arkham, alegam não saber de nada. Segundo o médico responsável, Howard PL, eles continuam a afirmar que existia um quarto homem envolvido no assalto. Essa declaração vai contra a das testemunhas do assalto e da fita de vídeo que foi gravada pelo sistema de vigilância interno do banco, onde pode se perceber claramente que apenas três pessoas participaram do assalto. O delegado responsável, James Gordon, afirma que o caso está encerrado.”
Trecho extraído do Jornal do Amanhã (24/08)
 
O que importa?
 
             Ela era linda, simplesmente maravilhosa. Acho que poderia ficar o dia inteiro olhando para ela e, mesmo assim, meus olhos nunca se dariam por satisfeitos. Eu a desejava, seus olhos, sua boca, sua voz, seu corpo. Poderia tê-la quando quisesse, na hora que achasse conveniente, mas não seria a mesma coisa, com certeza não seria. Seu sorriso era deslumbrante, arrebatador. Cheguei a pensar em abrir uma conta, somente para ser atendido por ela. Pra falar a verdade, pensei em muitas coisas, mas acho que não fiz a maioria delas. Não sei quem foi que disse que a vida dá voltas - pessoalmente acho que ela fica sempre parada, sem nunca mudar. Seu escritório, se é que dá pra chamar assim, era apenas um espaço delimitado por duas divisórias. Do lado esquerdo ficava o gerente, do direito o setor de atendimentos a clientes. Procurava sempre ir quando a agência estava cheia, assim podia ficar olhando ela mais tempo. Infelizmente não tenho muitas contas pra pagar, então só conseguia vê-la umas duas ou três vezes por mês. Seu escritório era o único florido, um toque muito pessoal e maravilhoso, mas que deixava ele deslocado do ambiente, ainda mais com ela dentro. Algumas orquídeas ficavam em sua mesa, ao lado do telefone e de papéis diversos. Um grande vaso ao lado da mesa exibia uma planta que não sei precisar exatamente qual era, mas isso não faz diferença alguma. Até diria que meu coração bate mais rápido quando penso em falar com ela, mas não éverdade. Já faz algum tempo que aprendi a me controlar, a saber quem e o que realmente sou. Claro que isso não significa que não sou humano, pelo contrário, sei realmente que o sou, diferente de outr...
             - O próximo.
Droga! Logo agora! Tudo bem, isso sempre acontece. Eu poderia fazer com que fosse diferente, mas, para quê? Que diferença isso faria? Nenhuma. Não para mim.
             - Olá Márcia.
             - Oi. Como vai?
             - Bem obrigado, e tu?
            - Também.
Ficamos falando de futilidades, como era comum, mas eu não tirava meus olhos dela. Ela era diferente, especial. Em seu escritório, em seu trabalho. Sua sala não era a mesma coisa quando ela estava fora, ficava frio, escuro, vazio.
             - Pronto. - disse-me a caixa.
             - Té mais.
             - Obrigado Márcia.
             - Tchau.
A Márcia era urna pessoa amável, sempre bem disposta. Tinha lá seus 40 anos e seus quase 110kg, mas mesmo assim era legal.
Dei uma última olhada para ela, e vi sua pequena placa de madeira sobre a mesa. Vanessa Link, sub-gerente, era o que dizia a plaqueta. Eu sempre via aquele nome sobre a placa, mas sempre que o via ele me causava uma sensação estranha. Não que fosse ruim, mas era estranha. Acho que é por causa de minha primeira paixão, tinha o mesmo nome. E, coincidentemente, também era algo platônico, só que agora não era mais paixão, mas sim falta do que fazer. Eu ia olhar ela apenas por não ter algo mais interessante, como quando fico em casa, sentado no sofá, apertando sempre a mesma tecla do controle remoto da Net -que por sinal é uma bosta, estragou muito rápido, tenho que fazer um baita esforço pra mudar de canal. As vezes eu canso e mudo de canal dali mesmo, sem usar o controle, só que não vejo muito porquê fazer iss...
             - MUITO BEM, TODO MUNDO QUIETINHO. - gritou alguém.
Dois caras bem vestidos tavam entrando na agência enquanto o imbecil engravatado que mandou todo mundo ficar quieto dominava o segurança. Tudo bem, eu não sou de falar muito mesmo, apenas fiquei ali, observando.
             - NINGUEM SE MEXE, NINGUEM SE MACHUCA, ESSA É A PRIMEIRA REGRA. A SEGUNDA É: OBEDEÇAM E FICA TUDO NUMA BOA.
Era o mesmo cara de novo, os outros dois já tavam indo pros caixas. Tinha um Ômega preto lá fora, provavelmente roubado e servindo de carro pra fuga. Eles eram bons, não deram tempo pro gerente acionar o alarme. O problema é que eram burros, tinham esquecido as câmeras de vigilância, e, sem máscaras, ia ser bico identificar os idiotas.
             - MUITO BEM, TODO MUNDO NO CHÃO!
Até parece filme policial, daqueles com o Chuck Norris ou...
             - TU TAMBÉM, Ô DA CAPA.
E, parece filme mesmo, alguém grita todo mundo no chão e a galera se atira. Claro que eu não sou disso, então fiquei de pé. Desde quando aqueles caras representavam ameaça? Pra mim nunca, nunca mesmo.
             -CÊ É SURDO OU O QUÊ CARA? EU DISSE NO CHÃO!
Ele apontou aquela arma pra mim, idiota. Como se eu fosse me amedrontar e me jogar no chão. Eu poderia acabar com aquilo ali mesmo, naquele momento. Mas não valia a pena gastar tempo com aqueles idiotas, então me sentei no chão.
              - EU NÃO MANDEI CÊ SENTAR, Ô IMBECIL! DEITA OU VAI CÊ MORRE!
Ai,ar.
              - Calma, calma. Já tô indo...
              - EU DISSE BICO CALADO!
Bum! Um tiro em cheio na perna. Doeu pra burro, mas eu tô ligado, isso não faz mais diferença. Só pude deitar, enquanto algumas pessoas gritavam. Coitadas, tão fracas e desprotegidas. Quem levou um tiro fui eu, não elas. Hmm... Interessante, dali dava pra ver a mesa dela por um ângulo não muito convencional, mas continuava deslocada, toda aquela sala. Uma vez especial, sempre especia... Seus olhos      assustados encontraram os meus. Ela tinha uma expressão amedrontada, aterrorizada. Foram segundos, talvez menos, mas pareceram anos. Então ela desviou o olhar para minha perna, e novamente olhou para mim, mas dessa vez o que vi foi compaixão. Isso um pouco antes de uma bota me acertar em cheio na cara. E novamente ouvi aquela maldita voz, com um sotaque estranho, paulista, carioca, sei lá o que.
              - SE TU TIVESSE FEITO O QUE MANDEI TAVA TUDO NUMA BOA SEU DÉBIL MENTAL!
Senti o sangue escorrer por entre meus lábios, era bom. Fazia tempo que não sentia mais aquilo, tava começando a ficar interessante.
              - Pega leve Mister Pink. - disse alguém.
Mister Pink? Esses caras tavam vendo muito Cães de Aluguel. Nunca vou entender esses animais, em vez de usar a cabeça apenas copiam.
              - Esse desmiolado desobedeceu!
              - Tá, mas não precisa matar o cara, não foi o combinado.
              - Tudo bem. Tu tá com sorte ô imbecil. CES VIRAM, SE ALGUÉM DESOBEDECER MORRE!
Morre? Eu não tava nem um pouco morto, e um deles mesmo tinha dito pra não me matar, mas sabe como são esses idiotas, mudam de idéia facilmente.
Girei pro outro lado, assim poderia ver a Vanessa de novo, mas a única coisa que vi foi uma sala vazia, escura, fria.
              - VAMO SIMBORA GALERA!
Procurei com meus olhos incessantemente, talvez ela estivesse atrás da mesa, mas não. Que burrice, eu SABIA onde ela estava. Eu não precisava ver. Ouvi um barulho de portas batendo seguido de um cantar de pneus. Eles a levaram. Saco, não tava esperando por isso. Me pûs de pé, sob o olhar curioso de algumas pessoas. Minha perna tava legal, como eujá sabia, assim como minha boca. Tinha um pouco de sangue no chão, mas nada preocupante, dava pra limpar sem muito esforço. Eu realmente não tava esperando por isso, mas que era interessante era.
              - Como tu tá? -perguntou-me o gerente- Rápido, chamem uma ambulância.
              - Isso não será necessário, eu estou bem.
              -Bem? Tu fostes baleado. Precisa ir a uni hospital.
              - Baleado? Não vejo sinais disso, ele errou o tiro. -fiz a cara mais sincera que pude.
              -Mas.. mas..
              - Vê algum sangue? Eu não.
              - Er... Mas... Como? Há pouco...
             - Desculpe, mas não sei do que tu tá falando...
Sirenes, como sempre a polícia tava atrasada. Ia chegar, interrogar, procurar pistas e coisa do tipo. Não ia dar em nada. Claro que eles podiam pegar a placa do carro e mandar uma mensagem para as outras viaturas. Só que isso não ia funcionar, pois, por algum acaso, ninguém conseguia se lembrar da placa ou do tipo de carro. A viatura que ia parar ao lado do Ômega poderia muito bem ver seus ocupantes e perceber logo do que se tratava, isso se seu motor não fosse falhar, digamos, milagrosamente. É... a vida sempre nos prega surpresas, e essa era uma das boas.


 
A verdade?
 


             Acordei cedo, como todo dia faço. O despertador marcava 8:38. Um pequeno interrogatório e algtuna respostas foram suficientes pra polícia me esquecer, claro que eu mexi meus pauzinhos, mas isso acontece. Sentei na cama e me levantei descansado, e, enquanto me espreguiçava, me lembrei do gerente, quero dizer ex-gerente, ele foi afastado, por enquanto. Coitado, quase tive pena, quase. Ficou tentando explicar para os policiais que eu havia sido baleado, embora mais ninguém recordasse disso, ele ficava falando que tinha uma grande poça de sangue no chão e que ela tinha desaparecido. Disseram que era stress pós-traumático. É, isso acontece. Fui até a cozinha, comi uma maçã e saí do apartamento. Desci o lance de escadas pensando em como seria uma noite agradável, mas ainda tinha o dia pela frente. Faculdade e depois lazer. Ah! Isso que é vida! Até um caloroso sol me aguardava, com a fria brisa da manhã lavando meu rosto. Nem percebi, mas tava vestido quando saí do apartamento. Parece que isso já tava se tornando uma coisa comum, não precisava mais me preocupar com futilidades. Claro que quando cheguei para a aula já carregava meu material, assim como lia os últimos relatórios da polícia sobre o assalto seguido de rapto, como eles definiram. Como tive acesso a um relatório confidencial da polícia? Bem, como eu já disse, aprendi a mexer meus pauzinhos. É maravilhoso ver como as pessoas só vêem o que querem, isso apenas torna as coisas mais fáceis. Voltando ao relatório... Sem maiores pistas, sem nada novo. Coitados, dava dó, mas acontece, às vezes pistas fundamentais somem sem deixar rastro. Não que eu normalmente fizesse esse tipo de coisa, mas aquele engravatado tinha tirado algo meu, e eu ia pegar de volta. A Vanessa seria resgatada, logo, logo.
A noite cálida cai como um véu em mim, da mesma forma que o dia. Pra falar a verdade, noite ou dia, nenhum dos dois tem diferença pra mim. Em uma vitrine de uma loja qualquer a apresentadora de tv falava da captura inesperada de três dos assaltantes envolvidos no roubo de ontem. Nada de novo. Claro que eles terem visto a fita com a gravação do assalto ajudou (que, obviamente, surgiu milagrosamente), embora o quarto assaltante não estivesse muito claro - alguma interferência ainda sem explicação não permitia identificá-lo. Interferência essa bem parecida com a que tinha logo após o imbecil engravatado me mandar ficar no chão, e que não impedia tirar qualquer conclusão a partir dali. Também devo dizer que a polícia ter encontrado os três amarrados e amordaçados, um em cada canto da cidade foi de grande ajuda. Seja como for, isso já não faz mais diferença. Uma donzela espera por seu príncipe. Acho que sou eu.
Uma pequena casa de madeira, bem afastada da cidade. Típico desse tipo de gente. Procura um canto bem longe de qualquer civilização, onde um carro em aproximação pode ser visto a distância. Pior pra ele que eu não uso de meios convencionais pra chegar até aqui. Chego mais perto, bem perto pra falar a verdade. O cara tá nervoso, mas nem sinal da Vanessa. Obviamente ele não me vê, que isso não ia ajudar em nada. Resolvo dar a volta e encarar o trouxa de frente. Chuto a porta com força, ela voa feito um pássaro acuado. O imbecil se atira no chão, por pouco não é atingido na cabeça por uma das metades da porta. Sortudo.
             - Mas que diabos?!? COMO É QUE CÊ CHEGO AQUI?
             - Tava de passagem, sabe? Não é sempre que eu vejo uma casa de madeira no meio do mato com um conhecido dentro.
             - Cê tá morto cara!
             - Nã. Ou acha que mortos se levantam dos túmulos? Que foi? Não tá achando a arma? Oh!!! Que pena! - disse eu.
             - Mas que merda!?!
             - Devia cuidar do teu linguajar, ou pode acabar perdendo a língua...
             - Seu filho da mãe, vô acabá com a tua raça!
             - Tenta, não conseguiu antes.
             - Cê tá confiante, cara. Que foi? Chamou a polícia?
             - Não. Resolvi deixar ela fora disso. Mas, me diga uma coisa... Não tô vendo a guria por aqui, onde é que tu escondeu ela?
             - Tá sozinho é? Que azar! Não vai tê ninguém pra ouvi cê gritar.
             - Eu perguntei antes...
             - É seu último pedido?
             - Ha! Tu até é divertido cara, sabe?
             - Tudo bem, ela tá dentro daquele armário ali. - ele apontou para uma caixa de madeira logo ao lado dele, se aquilo fosse uni armário eu era Jonh Waine.
             - Certo, então abra.
             - Tudo bem. - um sarcástico sorriso tomou conta dele.
             - O imbecil abriu a caixa e tirou ela de dentro. Ela tava atordoada, mas acho que percebeu o que tava rolando. Provavelmente até ouviu nossa conversa.
             - Muito bem seu moleque de merda, fica longe ou eu quebro o pescoço dela!
             - Tsk, tsk. Acho que não...
             - ARGH!!! Minha perna!
             - É, um tiro na perna dói pra burro, sabe? Ainda mais que é do mesmo calibre que eu levei... Ei! Olha só, é a MESMA arma...
Ele soltou a Vanessa enquanto caía no chão. Ela correu pra um canto da sala, longe de nós dois. E já se livrava da mordaça que cobria sua linda boca.
             - Porquê cê fez isso? E COMO?
             - Pra quebrar a monotonia. E um mágico nunca revela seus truques.
             - Não sei como cê pegou minha arma, mas isso não fic... Peraí, foi cê!
             - Foi cê? Que diabos tu quer dizer com isso?
             - Foi cê que pegô os meu camarada!
             - Quase isso. Apenas embrulhei pra presente. A polícia se encarregou do resto.
             - Deus! Oh! Deus!
             - Deus? Deus não existe cara. Não mesmo.
             - Foi cê que amarrô a amordaçô meus camarada.
             - Sabe, não existe esse esquema de deus e coisa do tipo. Não existe vida após a morte. Nós não passamos de eletricidade correndo por células super evoluídas. Somos apenas um emaranhado de neurônios que pensa que criou vida. A humanidade é imbecil. Tu também, como o maior exemplo disso.
             - Cê tá doidão cara!
             Doidão? Não. Maluco? Louco? Também não... Isso émuito relativo. Eu posso fazer coisas que outros não podem, ou melhor, podem mas não sabem como.
             - O quê cê fez com meus camarada? ELES FORAM PARAR NO MANICÔNICO!!!
             - O nome correto é manicômio, na verdade um asilo pra doentes mentais. Eu apenas dei um curto na mente deles. É quase a mesma coisa que quando alguém diz que foi “pro outro lado”. Esse esquema de túnel de luz éapenas por causa que a mente entra em curto, não faz nada com nada e os caras acham que tão morrendo. E patético.
             - E o que cê vai fazer comigo? Atirá em mim ou me mandá pra junto deles?
             - Tu não pode matar ele! Ia ficar igual a ele! - murmurou repentinamente Vanessa, ainda se recuperando.
             - Não te mete gata, isso é entre mim e ele.
             - Acha que nunca percebi o quanto olhava pra mim quando tava no banco? Acha que nunca tinha percebido isso?
             - Sei lá. Tanto faz. - disse eu, enquanto apontava a arma na direção do molóide.
             - O mundo tá uma droga por causa de gente como tu. Tu não vale nada! É muito mais imbecil do que eu pensei! - disse Vanessa.
             - Sabe... eu ficava te olhando por que não tinha mais nada pra fazer. e, além do mais, tu era o que tinha de mais interessante por lá, mas quer saber? Acabei de perder o interesse.
             - Mesmo? Que bom pra mim. Espero que não resolva me matar também.
             - Não, não tenho motivo pra isso, ainda.
             - Se cê me matar cê vai pro inferno, cara! - putz! O molóide tá sempre se metendo... Que maus.., prá ele...
             - Eu já disse, não existe Deus, não existe inferno. Só temos essa porra de mundo, essa porra de amontoados de células e um pouco de eletricidade na cabeça, nada mais. Embora eu esteja quase certo de que a tua eletricidade tá numa pior...
             - E por causa disso tu vai descontar tua raiva nesse cara?
             - Putz! Não vem me dizer que tu é uma dessas pacifistas, Vanessa? Bom, não faz mais  diferença.
O débil me olhava com um misto de misericórdia e ódio.
             - Se acha que uma arma vai resolver a situação então vai em frente, mata ele, mas vai ter que me matar depois! Se não fizer isso, conto tudo pra polícia. - disse ela, aparentemente bem confiante.
             - Hmm... Acho que temos uma garota de fibra aqui. Gostei disso. Nunca pensei que tu fosse assim.
             - Não sabe nada sobre mim!
             - É verdade, tu tá certa gata. Não sei nada sobre ti e não preciso dessa arma.
             - Oh Deus! Oh Deus! - murmurou o infeliz.
             - Parece que tu tem salvação. - pronunciou Vanessa, aliviada.
             - Não, eu tenho uma coisa muito melhor...
Não consigo descrever o que percebi neles, mas foi demais. Eu fiz a anua se desintegrar em pleno ar, sem mais nem menos. A energia fluia em mim, por todo meu corpo. Descargas de eletricidade estática varriam o ar a minha volta, fazendo ruídos indescritíveis. Mais uma vez eu sentia todo o poder dentro de mim, mais uma vez eu usava ele.
             - O que é isso?!?
             - Isso? Isso é o por quê de eu não precisar de armas. Isso é o poder que eu tenho, meu poder.
Acho que a Vanessa entrou em choque. Ficou ali estática, parada, me olhando que nem peixe morto, embora eu acredite que peixes mortos não olhem...
             - Cê não pode me matar cara! Não pode!
             - Não? Porquê não?
             - Cê veio salvar a garota, já se vingou, eu tô sofrendo pra caramba com esse tiro. Cê não precisa disso!
             - Ainda não tô convencido disso...
             - Droga, cara. Cê veio salvar ela, depois a polícia me pega e prende, e cê parece no jornal! Cê é que nem aqueles cavaleiro, veio salva sua princesa. Caramba! Cê é um herói! Cê é um maldito herói! UM MALDITO HERÓI! - ele falou, enquanto ria, admirando meu poder. - UM MALD...
Nesse meio tempo olhei mais uma vez para a Vanessa. Ela realmente continuava linda, mas já não me interessava mais. Ela não seria problema, estava chocada demais pra fazer ou, mais tarde, se lembrar de algo. Fui em direção a ela, agachei-me e beijei-lhe a face. Ela não esboçou reação alguma. Tirei-a dali, com um simples pensamento ela sumiu em pleno ar, para ir parar em um praça no centro da cidade. Olhei nos olhos daquele infeliz que agonizava no chão de um maldito barraco perdido no meio de um maldito mato, afastado de qualquer maldita civilização. Sua expressão era que nem de uma criança inocente, pedia clemência, perdão. Meus olhos faiscaram.
             - ...ITO HERÓI!
             - Herói? Eu nunca disse que era um herói.
 


 
EPILOGO:
             É, continua tudo na mesma, o controle remoto ainda não funciona, a faculdade não tem novidades... Continuo indo no banco pra ver a Vanessa. Ela ainda não me conhece, mas perdi a conta de quantas vezes eu salvei a vida dela. Claro que fui eu quem colocou ela em tudo quanto é tipo de rolo, mas acontece. Sempre vou ao mesmo banco para pagar minhas contas, e fico olhando pra ela, que não tenho nada mais interessante pra fazer. Pensando bem, talvez hoje eu sacaneie alguns imbecis, roube o banco, rapte a Vanessa e vá morar no Caribe. Ai o jornal fala que uma pessoa desapareceu, outras foram desintegradas e esse tipo de coisa. Depois tudo volta ao normal, é sempre assim. E ainda não sei quem foi o imbecil que disse que a vida dá voltas e mais voltas, se um dia descobrir vou bater um papo com o cara. Aí ele vai entender que a vida não dá voltas não, fica estática isso sim. Nunca sai do mesmo ponto. A menos, é claro, que se saiba como fazer isso...