TSUNAMI

Édnei Pedroso

"Os Estados Unidos são o Grande Satã."

Aiatolá Khoemini, em 1979

11 de Setembro de 2001...

Boeing 767 da American Airlines, vôo 11...

"São muitas as reações das pessoas diante da morte iminente. Algumas realmente inusitadas. Neste momento, em meio ao caos e pânico, um homem bem vestido se barbeia com um daqueles aparelhos milagrosos que aparecem no canal de compras. A América está cheia deles. Cheia de americanos malucos que se barbeiam enquanto seu vôo está sendo seqüestrado por quatro suicidas de Alá. Quem sabe seja por isso que este seqüestro esteja acontecendo. Talvez seja por eu ser um americano maluco que me atirei como um retardado pra cima de um deles, apenas para ser esfaqueado uma pá de vezes enquanto o terrorista gritava juras de amor em árabe e cuspia no que restou de mim.

E o que restou de mim? Sangue? Com certeza. Vísceras tentando sair por onde a faca conseguiu entrar? Sem dúvida. Uma visão turva do carpê no chão do avião? Absolutamente. Não poderia ser diferente. Daqui vejo uma moça de saia e sem calcinha, desmaiada em sua poltrona. Será fruto da minha imaginação? Acho que não. Em outra situação, teríamos nos dado muito bem. Vejo também alguns apavorados que cochicham o que podem com seus entes queridos pelo celular. Alguns se despedem com lindas frases de efeito no final. Outros apenas dizem que o vôo vai atrasar um pouco devido a alguma turbulência. A única coisa certa aqui é que nunca mais veremos Los Angeles. Vi nos olhos deles assim que anunciaram o seqüestro e nos ameaçaram com facas e uma bomba que ninguém viu. Mas as perguntas são muitas...e tenho pouco tempo para respondê-las."

- Vai morrer! – Diz o homem bem vestido, enquanto termina de fazer a barba.

- Obrigado por prever o óbvio.

- Sou médico. Você não tem mais do que dez minutos de vida.

- Belo profissional. Porque não me socorre?

- Porque sei que também vou morrer.

- E por que está fazendo a barba numa hora dessas?

- Se vou morrer, o farei de barba feita. – O doutor volta a terminar o serviço. Ao guardar o aparelho, um outro homem surge por detrás da poltrona, igualmente bem vestido, desferindo um único golpe de estilete no pescoço do médico barbeado. Este engasga no próprio sangue e tomba morto em cima da moça desmaiada. O moribundo observa aterrorizado sem força para uma reação enquanto o assassino se volta para ele e puxa-o para trás da cortina da copa.

- A diferença não é quem morre, e sim quem morre primeiro. – Diz o homem, limpando o estilete.

- Você fala a minha língua. – Constata o esfaqueado.

- Ao contrário do que pensa, sou um americano, assim como você.

- Porque matou aquele homem?

- Porque eu quis.

- Está do lado deles. Porco.

- Estou COM eles. Não do lado. Temos alguns pensamentos em comum.

- Porque...porque este avião? Porque matar essas pessoas? Dinheiro?

- Você é esperto. – O homem pressiona os ferimentos do outro, afim de estancar as sangrias. – Já percebeu que o destino deste Boeing é se espatifar.

- E você também vai morrer.

- Não. Ao contrário desses extremistas, sou bem mais valioso vivo.

- Covarde. – O ferido se ajeita como pode nas paredes da copa.

O algoz cai na risada. – Ah, se você fizesse idéia de onde jogaremos este avião...

- ...

- World Trade Center.

- O quê????

- Isso mesmo. Torre norte.

- Insano. Vai matar milhares.

- É simbólico. Vamos bater nos últimos andares. Claro que alguns americanos vão morrer no processo, mas pense nos benefícios.

- Benefícios? Mais de quarenta mil pessoas trabalham lá...

- A economia mundial trabalha lá.

- Não entendo...

- Sabe o que é um "Tsunami"?

- ...

- Uma palavra japonesa que descreve uma onda gigantesca que engole tudo o que estiver no caminho. Será uma dessas que iremos provocar. Vamos atacar as torres, o Pentágono e a Casa Branca. Para os sauditas que trabalham conosco, será uma forma de atacar os americanos pelas pernas, já que eles crêem piamente que a economia e o capitalismo ficarão seriamente abalados depois disso. Acham que as empresas e as pessoas que fazem dos Estados Unidos uma potência irão abandonar o país, deixando tudo a mercê deles. Tsc, tsc...para nós, trata-se da desculpa perfeita para uma retaliação.

- Nós??? Quem???

- Ora quem...os Estados Unidos. Todo o mundo estará do nosso lado e com sede de justiça, mas ninguém tomará vós ativa dos atentados. Sem saber quem contra atacar, os Estados Unidos declarará guerra fria contra os grupos terroristas e países que abrigam esses grupos. Claro que a maioria destes países está do lado de lá do meridiano de Greenwich. Bombardearemos diariamente alguns países que servem de criadouros de terroristas, ao passo que jogaremos alimentos e remédios para a parte miserável da população, ganhando assim o apoio de países como a China, Inglaterra, a Alemanha, a Austrália e tantos outros. Com a supremacia mundial e a imprensa canalizada apenas para nossos interesses, a América terá novamente seus dias de glória. Quem sabe até o presidente ganhe o prêmio Nobel da paz...

- Está me dizendo que quem está por trás deste seqüestro...é o governo? Isso é loucura.

- Vou te dizer o que é loucura. Havia setenta e seis tripulantes aqui e nós temos apenas cinco facas. Essas pessoas que se dizem "americanos" fizeram alguma coisa? Não. Estão todas passivas, como o próprio país está. Apenas esperando seu destino quando podem moldá-lo conforme a sua vontade. Aqui dentro meu amigo, está os Estados Unidos da América, fraco, globalizado e sem o que conquistar. A América está sedenta por auto estima e é isso que daremos ao povo americano. Sabe o quanto se faturou com a Guerra do Golfo? Faz idéia de quantos produtos, filmes e jornais foram feitos baseados nela? Sabe quantos bilhões giraram apenas porque uns mísseis atingiram Bagdá? Numa guerra, o país ganha em quase tudo. Testamos nossa tecnologia bélica em alvos de verdade. Vendemos a imagem que quisermos aos meios de comunicação. Ampliamos nossas relações com as outras potências...

- E tudo a que preço...

- Acredite, não vale a pena colocar na balança. Parece fácil no inicio, mas há muito mais coisas a se considerar e pouco tempo para explicar.

- E por quê? Por quê explicar? Por quê eu?

O avião declina seu curso e as pessoas começam a se desesperar ainda mais. O silêncio ameaçador se dissipa e dá lugar aos gritos finais dos passageiros do Boeing 767. O estranho ajeita o colarinho branco já com manchas de suor e finaliza.

- Porque você foi o único que se preocupou. O único que realmente fez alguma coisa. O único americano de verdade a bordo...ops... – Ele olha para o relógio e seu rosto se repreende. Sem mais uma palavra, o suposto "salvador da pátria" vira as costas, deixando um moribundo quase sem palavras para trás...

 

Quase...

 

- Você tem razão. – Grita o ferido, interrompendo a marcha de fuga do algoz.

- O que você disse?

- Você ouviu. Quase tudo o que você disse é uma sandice, mas tem uma coisa que está absolutamente certa.

Ele retorna os passos que deu e se curva para ouvir a voz quase sumida do homem.

- E em que "parte" eu tinha razão?

Com rapidez pouco comum em um homem a beira da morte, o esfaqueado saca de uma algema e prende o braço do agachado junto ao seu.

- Eu sou o único americano de verdade aqui.

- Uma...algema??? Você...você...

- A palavra é policial.

- Mas...mas não estava na lista de passageiros...

- Aposentado. Descobri que tenho câncer e estava indo a Los Angeles para me tratar, mas tenho o péssimo hábito de andar com minha companheira inseparável.

- Como você conseguiu entrar com isso aqui?

- Como VOCÊ conseguiu entrar com isso aqui?

- Seu...

- Agora VOCÊ é meu companheiro inseparável.

Com insanidade brotando dos olhos, o assassino destila facadas no vai e vem frenético de seu braço livre. Sangue esguicha por seu outrora impecável terno e sua elegância se acaba num grito raivoso, junto com o resquício de vida do policial. Sua última visão não poderia ser mais estarrecedora: o imponente World Trade Center, banhado com o sol das 08:48 da manhã, abrindo mandíbulas de metal com dentes de vidro e aço, tragando o vôo 11 do céu para a história...

 

"Notas da imprensa publicaram, uma semana depois dos atentados, telefonemas que teriam sido originados do vôo 93 – com destino para San Francisco – que caíra em Pittsburgh, que teria como alvo a Casa Branca. Neles, alguns passageiros teriam dado sinais de rebelião e heroísmo durante o vôo, atrasando-o a tempo de evitar uma tragédia pior...."

 

"...A América não estava passiva."

FIM.