- 8 Anos. A única coisas boa que saiu de ti foi estas duas crianças. E que exemplo tu foi para elas... quantas cervejas tu bebeu hoje? quanto dinheiro perdeu jogando? quanto do teu salário, que tu recebeu hoje, sobrou? Bela merda de homem. 8 anos. Perfume barato no teu colarinho, marcas de batom e as vagabundas batendo na minha porta. Chega! Pega tuas tralhas que eu já ensaquei e vai embora. Tu não é o mesmo homem que conheci oito anos atrás.
 
 
 

A Ilha do Amanhã
Alex Panato e Filipe Ferreira

 

31 de dezembro de 2000. Oito e meia da noite - as ruas iluminadas de Torres são tomadas pela festa. De crianças a velhos, todos confraternizam a chegada de um novo milênio. Os holofotes acendem-se em seqüência, iluminando a beira da praia, enquanto uma bateria de fogos saúda a banda Fetos in Fetos na orla. Todos sorriem: o empresário do cachorro quente de 1 real, o vendedor de rede capixaba, a dona de casa na sacada do terceiro andar, o salva-vidas da brigada, a namorada do dono da Parati com o melhor sistema de som da cidade, a ninfeta bronzeada. Contrasta na multidão o rosto duro de Ulisses - carregando suas bagagens, ele ruma em direção a orla, sem idéia do que virá a seguir.
A brisa fresca levanta filetes de areia imperceptíveis na escuridão; ao longe, pode se escutar um mistura de vários sons: foguetes, ondas quebrando, músicas diversas, risos, gritos, latidos. Sentado, afundado na areia, com suas mochilas esquecidas, enrola um papelote, risca o fósforo e vai deitando de frente para as estrelas.
Como que diante da morte certa, toda sua vida em ruína constante, acompanhada de um sentimento de foda-se, tenta lembrar do passado; quando a vida era uma aventura solo e a única coisa que carregava consigo era uma mochila; quando as estrelas no céu sempre tinham um significado oculto - fogueira nas dunas, noite ao relento, os velhos companheiros, a cerveja, os amores. Gisele! Dez anos atrás, nestas mesmas dunas, estava ali com ela e ambos miravam a ilha remota depois da rebentação...
- Vamos batizá-la. Um lugar só nosso.
- Ilha do Amanhã.
- Um nome triste.
- Mas faz sentido!
- Hum? Como assim? Acabamos de nos conhecer. Somos o presente agora.
- Amanhã não mais; saio cedo. Vou para Porto Alegre e de lá para a Europa.
- Como assim?
- Vou estudar lá. Cinco anos até me formar. Talvez faça uma pós. E trabalho por lá um pouco antes de voltar. Daqui a pouco é 1991. Em dez anos estou de volta. É minha vida.
- É muito tempo. Eu queria muito conhecê-la melhor.
- Se tu conseguir esperar dez anos.
- Onde te encontro, daqui a dez anos?
- Na Ilha do Amanhã.
Ulisses abre os olhos vidrados:
- Hoje fazem dez anos!
Ulisses enxerga ao longe - depois da rebentação, uma pequena e frágil luz vacilando na ilha. Talvez um barco de pesca, talvez o reflexo de uma estrela, talvez uma peça de seus olhos, talvez, finalmente, Gisele. Ulisses sentia-se muito cansado para descobrir - talvez até muito vazio, agora, para voltar a amar.
No primeiro ano trocaram cartas. Lembrava ainda de um ou dois versinhos; coisa de apaixonado. No segundo ano a mágica foi se desfazendo. As cartas pararam - casou-se. Em pouco tempo sua nova vida soterrou os resquícios de Gisele. Pensando bem, a ilha não era tão longe.
Esqueceu as malas: deixou tudo para trás. Embrenhou-se nas águas e logo viu-se lutando contra as ondas. Gisele, Gisele! Como pôde esquecê-la por todos estes anos? Como pôde cogitar não ir até ela?
Onze e meia. Mais meia hora e tudo perderia sua mágica. Tomando distância da margem, já em meio ao mar, a meio caminho do amanhã, uma nova bateria de fogos maculava o céu as suas costas. Faltava muito pouco...

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