A
Ilha do Amanhã
Alex Panato e Filipe Ferreira
31 de dezembro
de 2000. Oito e meia da noite - as ruas iluminadas de Torres são tomadas pela
festa. De crianças a velhos, todos confraternizam a chegada de um novo milênio.
Os holofotes acendem-se em seqüência, iluminando a beira da praia, enquanto
uma bateria de fogos saúda a banda Fetos in Fetos na orla. Todos sorriem: o
empresário do cachorro quente de 1 real, o vendedor de rede capixaba, a dona
de casa na sacada do terceiro andar, o salva-vidas da brigada, a namorada do
dono da Parati com o melhor sistema de som da cidade, a ninfeta bronzeada. Contrasta
na multidão o rosto duro de Ulisses - carregando suas bagagens, ele ruma em
direção a orla, sem idéia do que virá a seguir.
A brisa fresca
levanta filetes de areia imperceptíveis na escuridão; ao longe, pode se escutar
um mistura de vários sons: foguetes, ondas quebrando, músicas diversas, risos,
gritos, latidos. Sentado, afundado na areia, com suas mochilas esquecidas, enrola
um papelote, risca o fósforo e vai deitando de frente para as estrelas.
Como que diante
da morte certa, toda sua vida em ruína constante, acompanhada de um sentimento
de foda-se, tenta lembrar do passado; quando a vida era uma aventura solo e
a única coisa que carregava consigo era uma mochila; quando as estrelas no céu
sempre tinham um significado oculto - fogueira nas dunas, noite ao relento,
os velhos companheiros, a cerveja, os amores. Gisele! Dez anos atrás, nestas
mesmas dunas, estava ali com ela e ambos miravam a ilha remota depois da rebentação...
- Vamos batizá-la.
Um lugar só nosso.
- Ilha do Amanhã.
- Um nome triste.
- Mas faz sentido!
- Hum? Como assim?
Acabamos de nos conhecer. Somos o presente agora.
- Amanhã não mais;
saio cedo. Vou para Porto Alegre e de lá para a Europa.
- Como assim?
- Vou estudar
lá. Cinco anos até me formar. Talvez faça uma pós. E trabalho por lá um pouco
antes de voltar. Daqui a pouco é 1991. Em dez anos estou de volta. É minha vida.
- É muito tempo.
Eu queria muito conhecê-la melhor.
- Se tu conseguir
esperar dez anos.
- Onde te encontro,
daqui a dez anos?
- Na Ilha do Amanhã.
Ulisses abre os
olhos vidrados:
- Hoje fazem dez
anos!
Ulisses enxerga
ao longe - depois da rebentação, uma pequena e frágil luz vacilando na ilha.
Talvez um barco de pesca, talvez o reflexo de uma estrela, talvez uma peça de
seus olhos, talvez, finalmente, Gisele. Ulisses sentia-se muito cansado para
descobrir - talvez até muito vazio, agora, para voltar a amar.
No primeiro ano
trocaram cartas. Lembrava ainda de um ou dois versinhos; coisa de apaixonado.
No segundo ano a mágica foi se desfazendo. As cartas pararam - casou-se. Em
pouco tempo sua nova vida soterrou os resquícios de Gisele. Pensando bem, a
ilha não era tão longe.
Esqueceu as malas:
deixou tudo para trás. Embrenhou-se nas águas e logo viu-se lutando contra as
ondas. Gisele, Gisele! Como pôde esquecê-la por todos estes anos? Como pôde
cogitar não ir até ela?
Onze e meia. Mais
meia hora e tudo perderia sua mágica. Tomando distância da margem, já em meio
ao mar, a meio caminho do amanhã, uma nova bateria de fogos maculava o céu as
suas costas. Faltava muito pouco...
Parte
Final - Versão 1
Parte Final - Versão 2
Parte Final - Versão 3