Páginas Rasgadas
Filipe Ferreira

 
 
         O vento carregas as páginas rasgadas. O vento carrega meu passado – carrega meu presente, carrega meu futuro.
 
 
Vida sem vida sem rumo, sem objetivo e determinação, sendo assim sem paixão; vida sem vida, vida vazia, sem força e coragem, mesmo sem gratidão, vida sem compaixão; filha do nada vida vazia, vida sem vida sem cor, sem ênfase sem pudor.
 

Quinta-Feira, 9 de Setembro de 1993 – Sob o Jugo da Desilusão

 

 
Quando descobrires que não há mais nada, será tarde demais para voltar, as oportunidades são belas, muitas elas. Criam de tudo, transformam ao decorrer. Mas antes de tudo saberás de algo: O tempo não perdoa e passa e, numa precisão exata, quando descobrires que perdeu essas oportunidas não mais existirão. Pobre e inconseqüente paixão.
 

Quinta-Feira, 28 de Outubro de 1993 – Sob a Égide das Lembranças

 
Em reviravolta aos inúmeros diários e agendas achei muitas páginas impregnadas de códigos os quais não tive a devida paciência de decodificar para descobrir o que aconteceu, fatos sem importantes, anotações filosóficas sem fundo nenhum misturando cinema, paisagem e o dia com uma monotonia incrível, pragas e insultos à figura do Senhor. E descobri uma figura atordoada e melancólica, que nunca se viu feliz com o que cultivava ao seu redor, já bebendo em fontes da mesmíssima inspiração que ainda que agora arrojada, ainda sopra contra meus ideais. Coisas que nem gostaria de lembrar.
Mas fiz o resgate, a gaveta mais inusitada do quarto, a gaveta das lembranças, e dela vieram coisas que deviam ter ficado onde estavam, embora eu já nem mais me incomode com o pensava ou o que acontecia outrora. É bom ter guardado um material tão vasto, descobrir que nada foi ao lixo, ou às cinzas daqueles atos impensados dos revoltos. Em 1992 só há lixo também. Rabiscos. Depois vieram cartas e anotações. Anotações de cantos de páginas. O passeio dos inermes a vida. Uma maneira mistificada de começar a escrever.
E tudo por causa destes livrinhos de curiosidade, diários...nome pejorativo...Prefiro agenda. De agendar, e não de...um dia após o outro. diário. O bom é descobrir que tudo muda e hoje em dia rio deste tipo de poesia amargurada. Sendo eu a escrever ou não.
 
 

Quinta-Feira, 10 de maio de 1995 – Sob o Torpor do Amor

 
Será que quando for a última despedida, saberemos? Seremos previamente avisados, um ao outro, ou por instinto? acho que não. Talvez apenas aconteça com uma naturalidade inacreditável, afinal se digo que sou frio, atribuo a ti a mesma qualidade.
Nos últimos momentos voltamos atrás, mas cada vez isso acontece mais em cima da hora, até o momento em que não acontecerá. Seremos separados de uma vez por todas e não irás mais querer enxergar meu rosto (desta vez não apenas desviar), como para mim vale o mesmo.
É um jogo que jogamos, um a mais, uma aposta inconsciente, um duelo quase, que apenas não entendo porque acontece conosco, embora eu também faça parte dele tanto quanto tu. Ambos investimos nosso bom senso (ou a falta de) nisso. Quando dizes que somos tão diferentes, fico revistando o passado para saber a que está se referindo.
Mas na verdade, descobri que este é o exato e inegável problema: o problema é que somos iguais. Temos os mesmos defeitos. Alguns mudam, mas são contrabalanceados. Nossas qualidades, provavelmente aí se encontra a diferença, mas eu não saberia dizer. Agora, dos defeitos posso falar. Do nosso orgulho, reclamo tanto, mas faço o mesmo. Nenhum de nós admite estar errado, e no final talvez acreditemos mesmo que estejamos sempre certos. Não sei o que é isso, não tenho muita certeza de como funciona. Costumo descobrir meus erros, mas nem sempre admito-os, e tu fazes o mesmo.
Não sei se somos mesmo duas pessoas especialmente difíceis ou esta química de relacionamento só vale para nós, enquanto par. Incompatibilidade de gênios, talvez dê para dizer. As vezes isso é bom, as vezes é ruim.
 
 
Quinta-Feira, 6 de Julho de 1996 – Sob as Pálpebras
 
 
Eu me lembro que havia uma estufa gigante. Destas que se coloca plantas lá e tudo, toda cheia de vidros, com uma altura enorme, quase um anfiteatro. Havia muita gente lá. Pessoas que eu não via fazia anos. Depois tinha uma lista de pessoas que estavam para me ligar, e eu não sei o que eu tinha que dizer para eles...Eu estava um pouco desesperado no sonho.
Depois vinha a minha casa da praia, eu aparecia lá, mandavam um pacote em meu nome dizendo que tinham pirateado um cd de música que eu havia gravado em estúdio, e eu descobria que era mentira, mas alguém queria me sabotar. Eu voltava para a estufa, onde ainda precisava ver algumas pessoas da lista. Acontecia algo que não sei o que era, e todos os vidros da estufa se estilhaçavam e choviam sobre todos lá dentro, inclusive eu, que saía de lá cravado de cacos de vidro e sangrando sem parar...Continuava desesperado. Eu aparecia em uma estação de trem, após descer de um avião e conversava com um homem. Só me lembro depois que eu corria por sobre os trilhos, desviando de um trem, e encontrava um telefone, mas estava estragado. Havia outro telefone logo adiante, e eu conseguia discar adivinha para onde? Estava tremendo, e acho que eu estava querendo fazer aquilo desde o início do sonho. Aí uma outra voz de mulher atendia e fazia uma brincadeira sem graça, depois te chamava. Quando isso aconteceu, me acordei...
 
 

Quinta-Feira, Primeiro de Março de 1997 – Sob o Signo da Devassidão

 
Página em branco.
 
Quinta-Feira, 30 de dezembro de 2000 – Sob a Lua de Perdição
 
Noite torpe que veste a morte
Me acolhe em seu véu sombrio
Traz lembranças, sepulta esperanças
Me envenena em seu ventre frio.
 
 
A coreografia de meus sonhos
Atropeça torta e vai ao chão
Meus sentidos nublados, há morte
Seja qual a sorte – desilusão
 
A quem confio meu peito,
Já extirpado o coração?
O que espreita na noite,
A que chamamos solidão?