SEGUNDA PAIXÃO
Márcio Aguiar
Todo
homem tem uma segunda paixão. Uma máquina a qual deposita seus sonhos e aventuras.
Não, não imaginem vocês que eu estou falando de um carro ou moto, pois estou
falando de um computador.
Computador
ao qual, Carlos andava namorando em uma vitrine da cidade.
Carlos
morava em um bairro pacifico, daqueles que se vê as babás passeando com as
crianças nas calçadas, os vizinhos cortando a grama e as mulheres trocando
dicas de jardinagem.
Seu
emprego era estável e com as prestações facilitadas ele pode mobiliar toda
a sua casa. Ou quase, afinal, Carlos não tinha um computador.
Nunca
havia tido um, mas queria muito, seus colegas de trabalho viviam trocando
mail, jogando pela Internet e ele sempre de fora das conversas.
Sabia
de todas configurações, conhecia muito bem a teoria e um pouco da prática,
afinal trabalhava com um computador no seu escritório.
Carlos
fez as contas e chegou a um resultado. Poderia comprar um micro sem agregar
uma conta muita pesada, afinal, faltava três prestações para terminar de pagar
a pintura externa da casa, quatro prestações da geladeira, duas do aparelho
de som, uma da televisão seis da reforma dos quartos e dezoito do carro. Um
micro em vinte quatro vezes não era má idéia...
Carlos
estava voltando para casa e passou em frente à vitrine. Parou pensou e entrou.
Negociou
tudo com o vendedor, colocou mais algumas coisas inclusas, impressora, scanner,
dvd e então fechou o negócio.
Trinta
e seis horas. Esse era o prazo de entrega.
Carlos
começou a ficar nervoso, já era sexta-feira ele queria o micro já no final
de semana, porém o pessoal não entregaria no domingo, então só na segunda-feira.
Carlos
suava em frente ao vendedor, queria ir a outra loja, porém já havia assinado
tudo ali.
Chegou
em casa desolado, afrouxou o nó da gravata e caiu no sofá, a mulher tentou
animá-lo, mas não adiantou, passou assim o fim de semana todo. De mau humor
e emburrado.
Segunda-feira
ligou para o trabalho, disse que estava com febre e que não iria trabalhar.
Olhou
a manhã toda pela janela e nada de chegar o micro. Ligou para a loja várias
vezes. De lá, só diziam que já foi despachado.
Carlos
estava aflito, não agüentava mais, até que no final da tarde chegou o equipamento.
Seus
olhos brilhavam e seu coração batia forte, levou tudo para o quarto.
A estante,
durante a reforma, foi projetada para recebe-lo. Encaixou tudo ligou os cabos,
mouse e teclado no lugar. Apertou o botão do estabilizador e depois o do micro...
O micro
não ligou!
E depois
de revisar tudo e até levar um choque, lá estava Carlos lutando com uma ligação
de 0800.
Soube
enquanto ficava na esperava de todos os ramos e segmentos em que atuava a
fábrica de seu computador. Até que finalmente alguém lhe atendeu.
E lá
foi Carlos verificar todos os cabos e tomadas novamente, realizou todos os
procedimentos que o help desk lhe orientou. Até que foi informado que dentro
de três a cinco dias iriam trocar o equipamento. Carlos revidou, perguntou
se não podia colocar tudo no carro e voltar na loja e pegar outro...
Não
adiantou, a partir daquele momento o atendente do 0800 se tornara um robô,
apenas dizia: “-Senhor, estaremos recolhendo o equipamento em no máximo cinco
dias úteis.”
E foi
assim que aconteceu, a semana toda se arrastou, ele esperançoso ainda ligou
para lá, sabia o número de série, de cor, de tanto digitar para que as secretárias
inteligentes facilitassem o atendimento. Besteira, todas às vezes teve que
repetir tudo para o atendente do help desk.
Pois
bem, chegou a sexta-feira, ele estava otimista. Seu micro estava embalado
e pronto para ser trocado.
Chegando
do trabalho vê que sua mulher o espera na porta. Ele grita já de longe apressando
o passo, se haviam trocado o micro. Infelizmente nada. Ninguém apareceu ou
telefonou.
Certo,
lá estava Carlos no 0800, digitando ao telefone todos os números de série
e novamente repetindo ao atendente.
Pois
é, Carlos foi informado que no chamado de segunda o registro só entrou no
sistema na terça e por isso o
prazo máximo de cinco dias úteis não havia expirado.
Mais
uma vez Carlos espera o outro dia. Não chega o micro, ele liga para o 0800.
E depois de toda a espera e manobras para chegar ao atendente ele é informado
que sábado não é considerado dia útil para a empresa...
Carlos
não agüenta mais, chama um amigo entendido e pede ajuda para arrumar o micro.
O cara
chega, toma uma cervejinha enquanto abre as caixas. Liga os cabos, monta tudo
com toda calma, enquanto Carlos explica que já havia feito isso e que não
ia funcionar. Depois de tudo conectado, o cara aperta o botão e o micro liga.
Ligou.
Ligou e o Carlos não entende. Porém seu amigo dá mais um gole na cerveja e
sorri como se estivesse esperando que o micro ligasse.
Bom
agora era com Carlos, ele tinha todo o poder. Micro pronto para Internet.
Era só conectar a linha telefônica e pronto.
Certo
estava com o micro funcionando, mail cadastrado, ligou para os amigos e já
contou que tinha mail. Carlos agora fazia parte do grupo que sempre quis entrar.
Estava contente.
Segunda-feira
foi trabalhar. Ansioso para chegar em casa e voltar ao micro, porém divulgou
seu mail para todos.
Chegou
em casa e, supresa! Sua mulher estava na porta lhe dando boas notícias...
- Os
caras vieram e trocaram o micro, tem novinho e sem problemas te esperando
e ainda consegui um mouse pad de brinde!
Carlos
queria se matar. Foi cauteloso, afinal queria matar a mulher também. Mas ao
contrário disso ele resolveu fazer algo que já devia ter feito antes. Contou
a mulher que aquele micro já havia sido concertado e que não precisava que
trocasse.
Não
quis nem tocar no micro. Chamou seu amigo novamente e depois da cervejinha
estava tudo bem, o micro estava funcionando, seu mail configurado e a Internet
no ar. Pronto o pesadelo terminouu. Sua mulher preparou um café, como um pedido
de desculpas e tudo acabou bem.
Carlos
agora era assinante de uma revista de informática, a vendedora parcelou a
assinatura e ele fez o negócio, sempre um cd-rom novo para rodar aplicativos
legais.
Passaram
três meses, Carlos estava feliz com seu micro. Notou que já não estava tão
rápido, mas tudo bem. Alguns aplicativos que vinham na revista já não rodavam
em sua máquina. Então começou a se sentir estranho...
A falta
de memória no micro o deixava um pouco esquecido. O disco rígido sem espaço
fez que ele tivesse fobia de locais apertados. O processador já ficando ultrapassado
não tendo capacidade de abrir certos aplicativos, o deixou sem forças, ele
não conseguia mais cortar a grama, a máquina de cortar se tornara pesada...
Sua
mulher começou a se preocupar. Carlos andava agindo de maneira estranha. Um
sorriso meio sinistro estava alojado em seu rosto, as coisas realmente não
estavam bem.
Até
que no quarto mês, ele abre o jornal durante o café da manhã e se aterroriza!
Um enorme
anúncio informando o lançamento do mais novo computador, ao qual deixava o
seu ultrapassado e obsoleto.
Carlos
larga o jornal em cima da mesa, afrouxa o nó da gravata, lembra das vinte
prestações que faltam para pagar, olha pela janela uma criança de três anos
andando em seu minúsculo triciclo, sua mulher observa sua reação e vê um pingo
de suor que escorre pelo lado de seu rosto.
Carlos
sai correndo em direção a criança, pega o pequeno triciclo e senta-se nele
encobrindo todo o brinquedo. Sorri daquele jeito estranho ao escutar a criança
chorar. Com dificuldade sai pedalando até sumir ladeira abaixo.