Ser ou não ser...
Márcio Aguiar
        
Jonas era um típico pai de família. Três filhos, a mulher havia começado uma faculdade de pedagogia, foi quando se casaram, mas depois largou o curso. Ele gerente de uma divisão de controle de qualidade de uma empresa de alimentos em conserva, sempre dedicado ao trabalho. Dois filhos no segundo grau, um no primeiro ano e o mais velho no cursinho pré-vestibular,
o outro, a menina, concluindo a sétima série.
         Sua mulher passava o dia inteiro em casa, conversava com as vizinhas, ia ao supermercado e fazia as unhas na sexta-feira.
         Jonas era um pai presente, mas um marido ausente.
         Seu dia começava, levando as "crianças" na escola (o casal ainda se referia aos seus filhos assim, as "crianças", mesmo já sendo todos crescidos e terem perdido a virgindade na pré-adolescência).
         Jonas trabalhava, trabalhava até às doze e quarenta e cinco, quando a secretária voltava de seu almoço com as colegas e o lembrava novamente que estava atrasado. Jonas olhava o relógio e largava tudo correndo, descia os oito andares no elevador ouvindo seus colegas falarem de futebol, da cervejinha no bar e da bunda da recepcionista. Jonas atrasado para o almoço, com pouco horário para poder comer, acabava comendo a empada do Batista, butéco em frente à empresa, ou o cachorro do "Buraco Quente", carrocinha na rua ao lado. Assim, Jonas estava de volta às treze e trinta, já com uma reunião rotineira marcada para as quatorze horas, onde sempre discutia os problemas com a qualidade dos setores envolvidos no o processo. Depois fazia uma inspeção geral em todos os departamentos e setores da empresa, e voltava a sua mesa para assinar a papelada em sua mesa e enviava um mail para os diretores com o relatório diário dos principais eventos do dia. Então, olhava o relógio e se dava ao luxo de ler quinze minutos de seu jornal, só as manchetes e pequenas colunas, assim tinha assunto com as crianças e com o sogro no fim de semana.
Saía então do trabalho. O pessoal do elevador, sendo os mesmos caras ou outros, não importava, ele ouvia a mesma coisa, futebol, cervejinha...
Então entrava em seu carro no sub-solo do prédio, ligava o ar condicionado, colocava um cd do Frank Sinatra e saía dirigindo. Primeiro pegava sua filha no balé.
Ela entrava, dava um beijo no seu rosto e ao mesmo tempo trocava o cd colocando um do Bom Jovi, aumentava o volume, e ficava mexendo no seu celular enquanto mascava o seu chiclete de depois do almoço.
Jonas puxava um assunto, cantava junto com Bom Jovi, e assim ia em direção a academia do filho. Chegando lá, o menino entrava rapidamente mandando sua irmã para o banco de traz, tirava o cd do Bom Jovi e colocava em uma rádio que estivesse tocando dance. Jonas se sacudia um pouco tentando acompanhar o embalo do filho, mas não fazia muito sucesso, pelo retrovisor olhava sua filha de walkman, cantando baixinho enquanto olhava a rua. Ele seguia dirigindo, até o cursinho do filho. Este sim demorava em vir, sempre num bolo conversando com alguém. Quando ele começava a se aproximar do carro, o seu irmão já pulava para o banco de traz, então ele entrava já escutando seu irmão gritar do banco de traz, para ele deixar naquela música...
         O filho entrava baixando o volume e falando numa boa, contando alguma coisa da aula. Jonas aproveitava o gancho e falava algo que havia lido no jornal. Todos trocavam algumas palavras, riam um pouco até que o mais velho colocava um cd do Pink Floid e ia cantando junto até em casa. Jonas elogiava a cantoria e chamava os outros filhos para um coro, mas não acontecia nada, só o volume do som aumentava, em um gesto que o filho fazia com a aprovação dos irmãos, tentando assim calar Jonas que “desaparecia” sentido-se “castrado” por seus filhos.
         (...)
         É outro dia e Jonas está no seu carro, levando as crianças na escola e pensando na empada do “Batista”.