Desesperar-se ou Não
Phil Bennett
(publicado na revista Quest da MDA- Muscular Dystrophy Association, setembro/2003)
Tradução de Danilo Vicente DefinePhil Bwennet mora em Vermont, Califórnia. É universitário da Faculdade em Hayward, Califórnia. Planeja graduar-se em Psicologia.
Em certas ocasiões, podemos nos deparar com grandes dificuldades que nos levam ao desânimo e ao desespero. Não importa nossa condição; ricos ou pobres, jovens ou velhos, fortes ou fracos, podemos aprender quando somos atingidos por estas emoções.
De acordo com a psiquiatra Elizabeth Kübler-Ross, os episódios de "desespero" atingem com freqüência um padrão semelhante ao das respostas emocionais: negação, raiva, negociação, depressão e aceitação. Ela chama-os de os cinco estágios do desespero.
Posso descrever estes cinco estágios, como certamente você também, porque a minha incapacidade me provoca estes sentimentos todos os dias.
Tenho 19 anos e sou universitário na Califórnia. Acordo as 6:30 todas as manhãs, tomo um banho, vou para a faculdade, volto para casa, faço minhas tarefas e vou me deitar. Uma rotina diária normal.
Mas as coisas nem sempre funcionam tão bem como eu gostaria. Sou portador de ataxia de Friedreich, um distúrbio genético neuromuscular que causa danos aos nervos sensitivos e motores, provocando desequilíbrio e dificuldade para falar e andar. Por essa razão, uso cadeira de rodas de controle manual.Derrubado pela Ataxia de Friedreich
A ataxia de Friedreich complica minha rotina diária "normal". Posso levar um tombo quando tento passar de minha cama para a cadeira de rodas, pois nem sempre consigo passar tão bem quanto espero. Toda vez que isto acontece passo pelos cinco estágios emocionais.
Inicialmente, posso negar que necessite de ajuda, mesmo que alguém ofereça. Não conseguindo me levantar para passar à cadeira de rodas, começo a me irritar. Se alguém oferece ajuda, transfiro minha raiva e frustração para esta pessoa. Se não houver ninguém por perto, procuro uma forma de transferir minha raiva para qualquer coisa (a porta do meu banheiro ainda tem as marcas dos meus dentes de nossa última "disputa").
Depois que me acalmo, tento negociar uma maneira de superar as minhas dificuldades: faço uma prece, peço a Deus para me dar forças ou qualquer outra coisa que a situação requeira. Depois mergulho em depressão: começo a chorar, sentir-me incapacitado e inferior e até considero a hipótese de suicídio.
Eventualmente consigo vencer minha tristeza e começo a fase de aceitação. Passo a aceitar o fato de que necessito a ajuda de alguém, chamo um familiar, um amigo ou um vizinho, em vez de ficar o dia inteiro sentado no chão, lutando com o meu orgulho próprio.Desesperando-se com o diagnóstico
O ciclo de desespero pode durar meses, talvez anos. Fui diagnosticado como portador de ataxia de Friedreich quando tinha 10 anos. Acho que não alcancei o estágio de aceitação até mais ou menos os 16 anos. Por seis anos convivi com aqueles quatro estágios: Negação: "o diagnóstico deve estar errado". Raiva: dirigida aos meus pais, aos meus professores e mesmo a Deus. Negociação: implorava a Deus para que me curasse por milagre. Depressão: escolhia a solidão e o isolamento, escondendo meus sentimentos de tristeza, pois "ninguém me compreendia".
Agora, finalmente, penso que estou no ponto de aceitação. Sei que meus nervos estão se deteriorando gradualmente, e sei que a ataxia de Friedreich pode me matar a qualquer momento, mas a vida ainda vale a pena. Apenas tenho que aproveitar as vantagens das bênçãos em minha vida e ignorar minhas falhas, até que chegue o dia.Desesperando-se com a perda de habilidade
A ataxia de Friedreich provoca uma progressiva perda de equilíbrio e coordenação, assim minha marcha começou a piorar lentamente, provocando tropeços e me fazendo cambalear como um bêbado. Aos 12 anos piorei tanto que meu caminhar se transformou em um perigo para mim e para todo desafortunado que me servisse de apoio.
Meus pais sugeriam insistentemente que eu considerasse o uso de cadeira de rodas. É claro, negava com veemência que precisasse. Então, quando as coisas ultrapassavam meu controle, eu me irritava. Quando meus pais me disseram que eu realmente necessitava de auxílio para andar, fiquei pálido. Cheguei a amaldiçoá-los e a culpá-los, não fazendo mais nada além do que descarregar minha hostilidade.
Então, comecei a negociar. Neste ponto, meus pais já haviam comprado a cadeira de rodas que eu relutantemente escolhera. A princípio, guardei-a em um armário do corredor, evitando até a olhar para ela. Concordei em usá-la somente em casa, mas pleiteando não ser forçado a usá-la na escola.
Depois de alguns meses, um de meus professores começou a me pressionar para que a usasse também na escola. Negociei com meus pais um pouco mais e chegamos a um acordo, eu a usaria apenas depois das aulas. Isto durou algum tempo. Meu professor continuava a me pressionar, meus amigos implicavam comigo e, após mais alguns poucos meses, já estava usando cadeira de rodas o tempo todo.
Quando isto aconteceu entrei em depressão. Sentia-me sozinho e discriminado, preocupado que a cadeira de rodas causasse em meus amigos a impressão de eu ser um indivíduo incapaz e vulnerável. Sentia como se todos estivessem sempre olhando apenas para minha cadeira de rodas, e, por conseguinte, não receberia nenhum respeito humano significativo.
Na realidade, não somente os meus amigos como também os estranhos passaram a se mostrar respeitosos e obsequiosos. Levou anos para passar esta paranóia e a depressão, até que eu me aceitasse como sou, não obstante minha identidade incluir uma cadeira de rodas.Sofrendo e vencendo
No primeiro ano do ensino médio, com o incentivo de meus amigos, decidi juntar-me à equipe de atletismo, apenas por brincadeira. Passei por aqueles estágios outra vez. Antes de entrar para a equipe estava no estágio de negação: "não existe nenhuma possibilidade de eu praticar este esporte". No fim, a curiosidade prevaleceu e entrei na equipe.
Imediatamente sentia-me inferior na prática de atirar ou arremessar, especialmente porque as marcas de meus amigos eram dez vezes melhores que as minhas. Não conseguia vencer a frustração e a irritação causada por isto, nem queria demonstrar estas emoções aos meus companheiros de equipe. Então surgiu a negociação: decidi procurar uma forma para começar a melhorar estas marcas, mas a medicação não era uma opção. Assim, entrei em depressão: "sofro com isto", "pareço um idiota" e "por que me incomodo?". Porém, quando estava vencido pelo desânimo, meus amigos e treinadores reanimavam-me.
Algumas vezes, na temporada seguinte, consegui, finalmente a aceitação, mas continuava me desgastando, decidi continuar mais por amor ao jogo do que pelos pontos ganhos nas competições. No final do último ano do colégio recebi uma recompensa inesperada: um título de honra ao mérito. Para mim isto representou muito mais do que uma premiação por excelência em um esporte, mas uma recompensa por alcançar o estágio de aceitação.Desespero pelos outros
Na primavera assisti a uma conferência nacional sobre ataxia. Tive uma explosão e temi o inevitável do final da semana seguinte. Mas, senti também uma nova emoção, aquela vivida pelo meus pais no dia-a-dia: desespero.
Em conferências anteriores ficava ocupado, procurando minha própria identidade em relação a ataxia de Friedrich - repetindo aqueles cinco estágios do desespero -, repassando meu diagnóstico, minha vida e ataxia em geral. Nesse ano, senti tristeza e até mesmo culpa vendo os outros com doenças neuromusculares e, pela primeira vez, enxerguei, além de meus próprios sofrimentos, o sofrimento dos outros.
Havia aceitado, finalmente, minha ataxia de Friedreich; alcancei o estágio final do desespero sobre o diagnóstico. Porém, fui atacado imediatamente por outro ciclo de aflições: agora, pelos outros. O meu esforço com o distúrbio neuromuscular desencadeia um ciclo de auto-renovação, até mesmo de fontes inesperadas.
Do diagnóstico a fatalidade, em circunstâncias que variam de enfisema a ataxia, nossa constante batalha pelo bem-estar e independência deixam-nos vulneráveis ao desespero. Estas oportunidades se mostram muito mais fortes do que nossa parte aceitável de aflição.
Inegavelmente, vivem-se os ciclos de desespero provocados pela doença neuromuscular. Completar o processo e alcançar a aceitação nunca é fácil, pode ser imensamente difícil e demorado. Mas vale a pena. É a recompensa pela superação da dor.
Presumo que me afligirei novamente com as mudanças que ocorrerão com a progressão de minha ataxia. Mas ajuda saber que existe um fim para as emoções dolorosas. Percorrendo os estágios do desespero até o ponto da completa aceitação na busca interior da própria identidade melhora a auto-estima e aumenta a autoconfiança.