SCA8
Laura Ranum, PhD e John Day, MD, PhD
(publicado em Generations/NAF - setembro/2000)O Dr Day é professor associado do Departamento de Neurologia da Universidade de Minnesota, sendo atualmente Diretor da Clínica de Ataxia e Distrofia Muscular e do Laboratório de Histologia Neuromuscular e Eletrofisiologia Clínica, ambos da Universidade de Minnesota.
A Dra Ranum é professora associada do Departamento de Biologia Celular, Genética e Desenvolvimento da Universidade de Minnesota e membro do Conselho de Administração e do Conselho de Pesquisa da NAF, participando ativamente da clonagem do genes da SCA1 (1993), mapeamento da SCA5 no cromossomo 11 (1994) e clonagem dos genes da SCA7 (1998) e SCA8 (1999).Dr John Day:
A SCA8 quebra muitas das regras conhecidas das ataxias hereditárias dominantes. Sempre ficamos interessados quando uma doença quebra regras, porque nos conduz a um nível mais profundo de compreensão. Esta forma de ataxia hereditária dominante se assemelha às outras formas de ataxia dominante, mas é geneticamente nova.
O trabalho que venho realizando na caracterização clínica de pacientes de SCA8, com o Dr Larry Schut e outros investigadores clínicos, tem contado com a proveitosa colaboração das famílias na melhor definição das características clínicas e genéticas desta desordem. O trabalho genético sobre o qual a Dra Laura Ranum falará tem sido desenvolvido em seu laboratório com a Dra Melinda Moseley, principais responsáveis pelo trabalho que será discutido hoje. Dois conselheiros genéticos, Amy Durand e Carrie Peterson, merecem especial menção pelo trabalho realizado com as famílias, pelas conversas sobre esta complexa doença com os familiares e pelo auxílio em suas adesões ao estudo.
Utilizando um método diferente, encontramos uma doença que não se comporta da mesma forma que outras SCA. Examinamos mais de 80 membros de uma só família. Há duas coisas que são muito importantes: diferentemente de outras SCA, a SCA8 não aparece em todas as gerações. É hereditariamente dominante porque o gene é passado de uma geração para outra, mas não causa sempre características clínicas em todos que recebem uma cópia anormal do gene. Secundariamente, o gene pode ser passado tanto pelo pai como pela mãe, mas somente aqueles que herdam o gene da mãe são afetados (isto foi verdadeiro tanto na família grande como na maioria das outras famílias que estudamos). Essas duas características tornaram-se muito importantes para a compreensão da SCA8. Eu e o Dr Schut pudemos identificar as pessoas afetadas clinicamente e se elas tinham ou não o gene responsável pela SCA8. Dos 21 membros afetados da família grande, 19 herdaram o gene da mãe e dois herdaram de ambos os pais. Nesses dois, acreditamos que o gene responsável pela doença foi o vindo da mãe. Também identificamos 22 pessoas da mesma família que eram portadoras do gene mas não tinham qualquer característica clínica da ataxia. Desses 22, 17 herdaram o gene do pai. Isto é muito incomum e não aparece em outras formas de SCA. Quando comparamos o tamanho da repetição (uma repetição CTG é a responsável pela SCA8), seu comprimento nos afetados era significativamente maior que o comprimento dos não afetados. Isto indicava que a repetição era determinativa da doença.
Como se caracteriza a SCA8?
A ataxia da SCA8 se parece em geral com as das outras SCA. O início pode ocorrer entre as idades de 13 a 65 anos, em média entre os 30 e 40 anos. Todos os indivíduos afetados que vimos tinham alguma dificuldade de fala (disartria). Isso acaba tornando-se uma característica típica da SCA8. Embora outras ataxias apresentem problemas de fala, na SCA8 tende a ser um pouco incomum, com uma fala bastante lenta e instável. Os indivíduos com SCA8 apresentam também uma tosse bastante freqüente, mas não tanto quanto o problema da fala. Eles têm instabilidade ao andar, movimentos dos olhos e movimentos dos membros como em outras ataxias, com um moderado envolvimento emocional. Estávamos muito ansiosos para determinar se os portadores não afetados das famílias tinham alguma evidência de ataxia. Muitas avaliações de pacientes foram realizadas em centros comunitários, igrejas e nas casas das pessoas, ao invés de na Universidade, assim nossos testes foram bem singelos. Para conduzir o experimento tivemos de realizar testes simples (tais como batimento dos dedos e sacudir as mãos) para verificarmos com que rapidez podiam ser executados. Quando realizamos os testes não sabíamos quais pessoas eram ou não portadoras do gene SCA8. De volta à Universidade pudemos comparar os resultados e verificar então se os indivíduos afetados e os portadores não afetados diferiam dos indivíduos normais das famílias, sem o gene da SCA8. A avaliação clínica da correlação do teste de destreza dos indivíduos revelou que os portadores não afetados não diferiram dos normais da família. Parece que na família investigada uma expansão menor da repetição CTG no gene SCA8 não causa o desenvolvimento da ataxia, mas expansões maiores sim.
Em termos de características clínicas achamos que a SCA8 é uma doença lentamente progressiva que afeta o cerebelo, muito mais que o tronco cerebral ou os hemisférios cerebrais. Portadores não afetados não mostram sequer sinais sutis da doença. Embora eles tenham uma cópia anormal do gene, ela não é suficiente para gerar ataxia. Além disso, identificamos mais de 20 outras famílias com o gene responsável pela SCA8 e as características clínicas que observamos na família maior foram vistas também nestas outras famílias, porém com algumas interessantes diferenças genéticas.Dra Laura Ranum:
Características moleculares da SCA8
Os cromossomos têm muitos milhares de genes. Os genes podem ser comparados com conjuntos de instruções; há muitos genes em um cromossomo. As letras do código genético - A, C, G e T - podem ser comparados com o alfabeto utilizado para escrever o conjunto de instruções. Há um grupo de genes de ataxias dominantes que são causadas por extensas repetições de trinucleotídeos, como na ataxia de Friedreich. Dada esta tendência de genes de ataxias com triplas repetições expandidas, com variáveis idades de início e severidades da doença nas famílias, decidimos desenvolver uma forma mais rápida para encontrar os genes expandidos das ataxias. Nosso método, denominado clonagem rápida, não depende de contar com famílias grandes nem requer examinar cuidadosamente 3 bilhões de letras do código genético para encontrar um conjunto alterado. O método de clonagem rápida nos permite identificar genes candidatos mais depressa sem depender de uma família grande para prévio mapeamento do gene, pois não precisamos saber onde se localiza o gene antes de encontrá-lo. Desenvolvemos este método para isolar o gene da SCA5, mas como a SCA5 não parece ser causada por uma expansão CAG, nosso método não funcionou para a SCA5. Se a SCA5 é causada por uma repetição expandida de um tipo diferente, uma seqüência diferente ou uma repetição curta não pudemos identificar com nosso método. Estamos utilizando o método de clonagem rápida para procurar genes nas famílias geneticamente indefinidas que estudamos.
Graças aos voluntários da NAF que enviaram amostras de sangue nos últimos anos, dispomos de um grande número de famílias (quase 400). Cerca da metade delas tem uma forma de ataxia dominante e apenas cerca de 60% uma ataxia dominante conhecida. Há também indivíduos com ataxia de início na fase adulta com ataxia recessiva ou esporádica. Aprendemos com a SCA8 que às vezes famílias podem parecer recessivas ou pode não haver nenhum histórico familiar de ataxia e ainda assim terem uma repetição SCA8.
Na família com a qual principiamos, tínhamos uma amostra de DNA de uma mulher e de sua filha, mas não tínhamos na ocasião o DNA de qualquer outro familiar. Nossa teoria era de que a longa repetição encontrada no sangue da filha poderia ser a causa da sua ataxia. Um segmento isolado do DNA contendo esta longa repetição expandida nos permitiu desenvolver um teste para verificar se outras famílias com ataxia também tinham a mesma repetição expandida no DNA. Isolamos a repetição expandida de 80 CAG e inicialmente ficamos desapontados com o resultado, pois as letras do código genético não estavam organizadas do modo esperado. Estávamos esperando uma longa repetição CAG, produzindo uma poliglutamina como parte de uma proteína - como ocorre na SCA1, SCA2, SCA3, SCA6 e SCA7. Assim, no princípio achávamos improvável que este gene causasse ataxia. Na verdade, descartamos completamente a hipótese e continuamos as experiências para determinarmos se a repetição expandida específica encontrada na filha também estaria presente na mãe. Achávamos que sim. Investigamos então outras ataxias e selecionamos famílias dominantes não identificadas, encontrando outras sete famílias com ataxia que tinham as repetições SCA8 maiores, incluindo a família grande.
Um coisa diferente de algumas outras ataxias é que na SCA8 é necessária uma longa repetição para desenvolver a doença. Usualmente as repetições devem ser maiores do que 110, embora haja variações de uma família para outra. Ocasionalmente, na população em geral, as pessoas têm repetições em torno de 80 ou 90. Outros investigadores encontraram algumas sobreposições entre a faixa normal de repetições na população em geral e os comprimentos das repetições de pacientes com a ataxia, porém a maioria dos cromossomos normais contém de 20 a 30 repetições. Uma das características incomuns das famílias de SCA8 que estudamos é que quase todos que desenvolvem a doença herdam a expansão de mãe, não do pai. Quando a mãe passa a repetição, ela tende a aumentar, enquanto que quando o pai a passa, ela tende a diminuir, abaixo do tamanho limiar de cerca de 100.
Em algumas famílias com ataxia, identificadas então com a SCA8, o padrão hereditário parecia esporádico. Parecia não haver histórico familiar, mas o teste era positivo para uma mutação SCA8. Em certo caso, a mãe tinha uma repetição curta da SCA8, mas quando a passou, ela aumentou e causou ataxia na filha. Observando outras famílias, começamos a pensar que haviam razões para acreditarmos também que grandes expansões às vezes não causam ataxia. Há duas famílias nas quais homens com mais de 70 anos têm repetições elevadas e tenderíamos a pensar que uma repetição maior seria muito pior, mas este pode não ser o caso na SCA8. Na verdade, uma determinada faixa de tamanhos revela-se pior. Quando estes homens, com repetições de 260 a 300, passaram repetições menores para seus filhos, estes desenvolveram ataxia. Entretanto, ambos os pais vivem bem com mais de 70 anos de idade, não mostrando nenhum sinal de ataxia.
Depois de encontrar longas repetições em homens não afetados com filhos atáxicos, decidimos que deveríamos voltar e usar um método diferente para observar repetições longas em nossa população de controle. Encontramos em nosso grupo de controle uma mulher que parecia ser saudável (falecera aos 77 anos), com uma larga expansão da SCA8 de 800 repetições. Ela passou-a para o filho e ele também parece ser saudável. Ele passou a repetição expandida para quatro de seus filhos. Por serem jovens é ainda muito cedo para saber se eles correm os risco de desenvolver ataxia ou não. Mas o que nos surpreendeu foi a enorme diferença no comprimento das repetições. De 800 repetições CTG do pai para cerca de 100 repetições em seus descendentes - uma faixa limítrofe para causar ou não ataxia. Em investigações posteriores estas significativas diminuições de repetições foram observadas em amostras de DNA de esperma. Esperávamos que em outras SCA e em outras doenças com repetições de trinucleotídeos os homens poderiam ter repetições que aumentassem em tamanho no esperma e assim haveria uma tendência para passar uma repetição maior. Porém o que observamos na SCA8 é que há freqüentemente uma dramática queda no tamanho da repetição quando o homem passa uma expansão da SCA8. Pensamos que isto poderia reduzir a freqüência das pessoas que contraem a doença nestas famílias, porque muitos dos que herdam a repetição do pai teria uma repetição menor que a necessária para causar a doença.
O tamanho da faixa que parece ser o mais patogênico é de aproximadamente 100 a 250 repetições CTG. As repetições expandidas muito grandes parecem não ser tão patogênicas. Isso parece indicar que esta não é uma mutação que afete uma proteína, mas apenas o RNA. As moléculas do RNA são caracteristicamente instáveis. A genética da SCA8 é evidentemente mais complexa do que a de outras ataxias. Algumas pessoas com expansões nunca contrairão a doença. Estamos trabalhando muito para compreender porque a repetição causa ataxia em alguns indivíduos mas não em outros. Também estamos desenvolvendo um camundongo modelo para entender melhor a doença. Acreditamos que a compreensão de como a expansão CTG no RNA causa a SCA8 nos ajudará a entender as várias causas da ataxia mais completamente e nos conduzirá eventualmente a melhores tratamentos.