Ataxia Atinge 80 Mil Brasileiros

Reportagem do jornal Zero Hora (Isabela Soares)
Porto Alegre - RS (30/09/2000)

Gilson Beck Terres

Tontura e sensação de desequilíbrio são os primeiros sinais de doenças neurológicas cuja evolução pode levar à incoordenação dos movimentos

Há condições e vontade de realizar o movimento, mas em algum ponto entre a vontade e a execução, ele se perde. Essa é a característica da ataxia, um conjunto de sinais e sintomas de doenças neurológicas caracterizado pela falta de controle dos movimentos. Parte dessas enfermidades tem causas hereditárias, com conseqüências irreversíveis e progressivas. O último dia 25 de setembro foi instituído como o Dia Internacional da Conscientização da Ataxia, numa tentativa de criar uma rede de informações sobre os sintomas que atingem, pelo menos, 80 mil brasileiros.
- A ataxia é um sinal neurológico com causas múltiplas – afirma o chefe do serviço de neurologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Clóvis Roberto Francesconi.
A incoordenação pode ser motivada por alterações na medula, no cerebelo ou no sistema nervoso periférico. A situação mais comum, segundo o neurologista, é o paciente chegar ao consultório queixando-se de tonturas ou de falta de equilíbrio. A situação evolui para uma dismetria dos movimentos. Em estágio avançado, a ataxia pode afetar a visão, a audição e o funcionamento cardíaco.
– Há dificuldade de realizar os movimentos com harmonia nas pernas, braços, tronco e até na língua – explica o neurocirurgião Nelson Aspesi.
Existem mais de 300 diferentes doenças que se expressam pela ataxia. As mais perigosas são as herdadas geneticamente. Nesses casos, o problema normalmente começa cedo, por volta dos 30 anos. Um exemplo é a doença de Friedreich. A cura inexiste, restando apenas a adaptação às limitações, que podem ser diminuídas com a fisioterapia. A maioria dos atáxicos necessita de dispositivos como bengalas, muletas, andadores ou cadeira de rodas para locomover-se, além de aparelhos para as dificuldades na alimentação, escrita e fala.
Mas a ataxia pode ter outras causas como o hipotireoidismo, a deficiência de vitaminas (B12 ou E), o excesso de medicação, o alcoolismo e algumas espécies de câncer. Para esses casos, a cura depende do tratamento das enfermidades que a originaram. Por isso, o exame neurológico é fundamental para detectar a origem da doença.

ENTENDA MELHOR
O que é ataxia?
Ataxia, do grego ataxis, quer dizer sem ordem ou incoordenação. É a perda de coordenação dos movimentos voluntários. É um sintoma, não uma doença ou um diagnóstico. É um termo que cobre uma variedade de desordens neurológicas.

Como identificar a ataxia?
Os primeiros sinais são a sensação de tontura ou de falta de equilíbrio, podendo evoluir para a dificuldade de executar os movimentos. Por exemplo: a pessoa tem condições físicas de mover a perna, mas sente dificuldade para coordenar o movimento. A ataxia pode atingir pernas, braços, tronco e até a língua, dificultando a fala. A área do raciocínio não é afetada.

Quais as causas da ataxia?
A ataxia é causada geralmente por uma perda da função do cerebelo (parte do cérebro que comanda a coordenação). Também pode ser causada por uma disfunção das vias condutoras para dentro e para fora do cerebelo, função realizada pela medula espinhal (parte do sistema nervoso central situada na coluna vertebral).

Que doenças estão relacionadas com a ataxia?
Acredita-se que existam mais de 300 doenças que possam causar ataxia. O tipo hereditário resulta de degenerações da medula espinhal e do cérebro. A esporádica ocorre em indivíduos sem histórico familiar, podendo ser causada por certos tipos de câncer, alcoolismo, deficiência de vitaminas, hipotireoidismo, intoxicação medicamentosa, derrame cerebral, tumores no cerebelo e vários tipos de neuropatias periféricas.

Há cura para a ataxia?
n A cura depende do tratamento de suas causas. Quando a origem da ataxia é uma doença degenerativa hereditária, não existe tratamento possível. A tendência é de progressão dos sintomas.

Há pessoas mais suscetíveis a ataxia?
Não, qualquer pessoa pode ter ataxia independentemente de sexo, idade ou raça. As doenças degenerativas que causam a ataxia se expressam mais comumente na terceira década de vida.

Saiba Mais
http://www.ataxia.org/ (em inglês)
http://geocities.yahoo.com.br/ataxianet (em português)

Empresário tenta superar limitações

Depois de ter sido campeão de natação aos 14 anos, o empresário Gilson Beck Terres, hoje com 32 anos, precisou aprender a encarar um oceano de limitações. Os primeiros sintomas da ataxia surgiram com desequilíbrio e alterações na fala. Depois de uma peregrinação por diversos especialistas, surgiu o diagnóstico, a síndrome de Friedreich. Mesmo tendo a consciência de que o problema não tem tratamento nem cura, Gilson não desistiu.
Mantém diversas atividades e procura esquecer o sentido da palavra progressivo, intimamente relacionada à doença. Os passos são claudicantes, exigem o auxílio de um andador e impossibilitam o rapaz de realizar exercícios como correr ou pedalar. Gilson não esmorece. Ocupado, ignora a sentença imposta ao organismo.
– Continuo nadando, faço fisioterapia e trabalho. Evito pensar muito na doença – conta o empresário, articulando as palavras com cuidado.


Voltar Home Acima Avançar