BROQUÉIS
João da Cruz e Sousa
- “O poeta negro” ou “O
Cisne Negro” ou “O Dante Negro” ou “O poeta”
-
O AUTOR
Nasceu em 1861, na antiga
Desterro, foi generosamente adotado por senhores brancos e
criado como filho. Recebeu educação esmerada e aos vinte anos
já dirigia um jornal. Publicou Tropos e Fantasias em colaboração
com Virgílio Várzea. Em função da hostilidade dos brancos,
deixou sua terra. Percorreu o Brasil e foi recebido em vários
lugares como um grande poeta. Casou-se com Gavita, negra, com
quem teve quatro filhos. Após a morte do pai, da mãe e de dois
filhos, lutou ainda com a loucura da mulher e com a miséria.
Acometido de uma tuberculose violenta, faleceu em Minas Gerais
sendo transportado para o Rio de Janeiro em um vagão de
cavalos. Foi enterrado dignamente por iniciativa e à custa de
José do Patrocínio.
CARACTERÍSTICAS DO AUTOR
- Maior representante
do Simbolismo em nível nacional e internacional;
- Sua poesia é
reconhecida como uma das cinco melhores entre os simbolistas
de todo o mundo, a melhor entre os sul-americanos;
- Formalmente ligado
às marcas parnasianas: à métrica, às rimas, às formas
fixas (o soneto) mas sem a obrigatoriedade dos modelos;
- Simbolista no
vocabulário e na temática;
- Sua obra tem a
marca da perenidade;
- Considerava a arte
como libertação: “ela não pode ter fórmulas”;
- Incomparável
sensibilidade auditiva, mestre da musicalidade.
OBRAS
- Tropos e Fantasias em
colaboração com Virgílo Várzea
- Missal e Broquéis
- Evocações
- Faróis
- Últimos sonetos
CONTEXTO HISTÓRICO
O surgimento do
simbolismo no Brasil deveu-se a alguns fatores:
*político*
a Revolta da Armada
deflagrada pela Marinha de Guerra em 1893/4 contra o governo de
Floriano Peixoto e a Revolução Federalista, inicialmente, uma
disputa regional, também se opõe ao governo, marcando os
estados sulistas com sangrentos episódios que geram a
melancolia e a angústia no espírito da juventude.
*climático*
o clima frio e as brumas
hibernais da região sul favorecem o cenário para a sedimentação
do movimento que tematicamente valoriza os estados da alma, a
sugestão, o misticismo.
*cultural* chegada ao
Brasil de livros de poemas de simbolistas europeus: Rimbaud,
Mallarmé, Baudelarie, Verlaine.
Simbolismo
· Período de transição
que marcou a última década do século XIX e as duas primeiras
do séc. XX (1893-1922), aproximadamente.
· Caracteriza-se pela
negação do Realismo e suas manifestações: o cientificismo, o
racionalismo, o materialismo, o positivismo.
· Criação literária
baseada no inconsciente, na sugestão, na associação de idéias
e imagens.
· Predomínio do
subjetivismo, religiosidade, misticismo e ocultismo.
· Tom vago, impreciso,
nebuloso que resulta na poesia ilógica, obscura, fechada.
· Musicalidade (A música
acima de tudo).
· Destaque para o
emprego de recurso, como: metáforas, aliterações,
sinestesias, analogias, comparações.
· Linguagem e idéias
fundamentadas na sugestão – “sugerir, eis o sonho”.
O LIVRO: Broquéis
Livro de poesias
publicado em 1893 juntamente com Missal, livro em prosa, e
marcam o início do Simbolismo no Brasil. É constituído de 54
poemas, entre eles Antífona, poema que abre o livro como uma
“profissão de fé” simbolista. Destaque para os poemas
Regina Coeli, Serpente de Cabelos, Encarnação, Ângelus,
Siderações, Braços, Lua, Supremo Desejo, Sinfonias do Ocaso
que serão analisados neste estudo.
O TÍTULO – BROQUEL
– do francês – um tipo de escudo espartano, redondo e
pequenino. Em sentido figurado: defesa, amparo, proteção.
Análise dos Poemas
Antífona:
Ó Formas alvas, brancas,
Formas claras
De luares, de neves, de
neblinas!...
Ó Formas vagas, fluidas,
cristalinas...
Incensos dos turíbulos
das aras...
Formas do Amor,
constelarmente puras,
De Virgens e de Santas
vaporosas...
Brilhos errantes, mádidas
frescuras
E dolências de lírios e
de rosas...
Indefiníveis músicas
supremas,
Harmonias da Cor e do
Perfume...
Horas do Ocaso, trêmulas,
extremas,
Réquiem do sol que a Dor
da Luz resume...
Visões, salmos e cânticos
serenos,
Surdinas de órgãos flébeis,
soluçantes...
Dormência de volúpicos
venenos
Sutis e suaves, mórbidos,
radiantes...
Infinitos espíritos
dispersos,
Inefáveis, edênicos, aéreos,
Fecundai o Mistério
destes versos,
Com a chama ideal de
todos os mistérios.
Do Sonho as mais azuis
diafaneidades
Que fuljam, que na
Estrofe se levantem
E as emoções, todas as
castidades
Da alma do Verso, pelos
versos cantem
Que o pólen de ouro
dos mais finos astros
Fecunde e inflame a rima
clara e ardente...
Que brilhe a correção
dos alabastros
Sonoramente,
luminosamente.
Forças originais, essência,
graça
De carnes de mulher,
delicadezas...
Todo esse eflúvio que
por ondas passa
Do Éter nas róseas e áureas
correntezas...
Cristais diluídos de
clarões álacres,
Desejos, vibrações, ânsias,
alentos
Fulvas vitórias,
triunfamentos acres,
Os mais estranhos
estremecimento...
Flores negras do tédio
e flores vagas
De amores vãos, tantálicos,
doentios...
Fundas vermelhidões de
velhas chagas
Em sangue, abertas,
escorrendo em rios...
Poema composto para
servir de introdução ao livro Broquéis, transformando-se em síntese
do Simbolismo, é a maior expressão de sinestesia, que se dilui
no vago, no abstrato.
Desde os primeiros versos
o autor expressa sua fixação pelo branco “Ó Formas alvas,
brancas. Formas claras,/ De luares, de neves, de
neblinas!.../ através de sinônimos ou de palavras que remetem
a essa cor. (num total de nove, apenas na 1ª estrofe)
Em todo o poema estão
presentes as maiúsculas alegorizantes: Ó Formas... De
Virgens... Harmonias da Cor e do Perfume... Horas do Ocaso... Do
Éter... quiméricos do Sonhos... característica típica do
Simbolismo.
A Sinestesia, a
grande “estrela” desse estilo, envolve todo o poema como
nos versos “Que brilhe a correção dos alabastros /
Sonoramente, luminosamente” em e que os dois advérbios
exprimem magnificamente a dupla procura da música e da cor;
“Harmonias da Cor e do Perfume” ampliam esse universo com a
presença do cheiro...
A gradação que
se segue após o pronome indefinido no verso: “Tudo! vivo e
nervoso e quente e forte” é reforçada pela palavra
“turbilhões” que explode entre o limite do mundo material e
do sono, no poema, representado pela palavra Morte.
Em “Dormência
de volúpticos venenos”, “Sutis e suaves...”o emprego da
aliteração produz efeitos musicais que se incorporam à sugestão
que o som sibilante do fonema /ç/ evoca em todo o
primeiro quarteto e, por inúmeras vezes, repetido ao longo do
poema.
Livro da fase inicial,
percebe-se ainda nitidamente o subjetivismo como uma angústia
represada que de forma mística, quase religiosa conclama a uma
nova ordem de realização poética: “Ó Formas alvas... Ó
Formas vagas... Fecundai (tu) o Ministério destes versos...”
Assim a linguagem de
cunho simbolista está presente em todo o texto: a sugestão:
“Ó Formas vagas, fluidas, cristalinas”, “Do Sonhos as
mais azuis diafaneidades...” – ou de cunho religioso: “De
Virgens e Santas vaporosa..., “Réquiem do Sol que a Dor da
Luz resume”.
Como se fossem pincéis
espalhando cores e matizes diversos, as palavras surgem
revelando um cromatismo poético que nos remetem:
- ao branco: “alvas”,
“brancas”, “claras”, “luares”, “neves”,
“neblinas”, “cristalinas”, “puras”, “virgens”,
“lírios”, “alabastros”, “aras”
- ao azul: “Éter”(espaço
celeste), “azuis diafaneidades”
- ao amarelo: “pólen
de ouro”, “áureas correntezas”, “Fulvas”, “do
sol”
- ao vermelho: “Horas
do Ocaso”, “vermelhidões”, “chagas em sangue”
Regina Coeli
Ó Virgem branca, Estrela
dos altares,
Ó Rosa pulcra dos Rosais
polares!
Branca, do alvor das
âmbulas sagradas
E das níveas camélias
regeladas.
Das brancuras da seda
sem desmaios
E da lua de linho em
nimbo e raios.
Regina Colei das sidérias
flores,
Hóstia da Extrema-Unção
de tantas dores.
Ave de prata azul, Ave
dos astros...
Santelmo aceso, a
cintilar nos mastros.
Gôndola etérea de
onde o Sonho emerge...
Água Lustral que o meu
Pecado asperge.
Bandolim do luar,
Campo de giesta,
Igreja matinal gorjeando
em festa.
Aroma, Cor e som das
Ladainhas
De maio e Vinha verde
dentre as vinhas.
Dá-me, através de cânticos,
de rezas,
O Bem, que almas acerbas
torna ilesas.
O Vinho d’ouro,
ideal, que purifica
Das seivas juvenis a força
rica.
Ah! faz surgir, que
brote e que floresça
A Vinha d’ouro e o
vinho resplandeça.
Pela Graça imortal
dos teus Reinados
Que a Vinha os frutos
desabroche iriados.
Que frutos, flores,
essa Vinha brote
Do céu sob estrelado
chamalote.
Que a luxúria poreje
de áureos cachos
E eu um vinho de sol beba
aos riachos.
Virgem, Regina,
Eucaristia, Coeli,
Vinho é o clarão que
teu Amor impele.
Que desabrocha ensangüentadas
rosas
Dentro das naturezas
luminosas.
Ó Regina do Mar!
Colei! Regina!
Ó Lâmpada das naves do
Infinito!
Todo o Ministério
azul desta Surdina
Vem d’estranhos Missais
de um novo Rito!...
Poema-oração à
Virgem, expressa o “vago impulso para a liturgia e
misticismo”, sem contudo denotar a fé católica.
Elaborado em dísticos
– estrofes de dois versos decassílabos, com rimas
emparelhadas (a, a – b, b...).
O poeta dirige-se à
Virgem a partir de vocativos “’O Virgem branca”,
“Estrelas dos altares”, “Ó Rosa pulcra dos Rosai
polares”, ambientado-a não em lugar fechado e estático, mas
em um plano etéreo, acima do espaço material, sugerido pelas
palavras: “siderais flores”, “Ave de prata e azul, Ave dos
astros...”, “Gôndola etérea”, “Bandolim do luar”,
“Lâmpada das naves do Infinito”- a quem ele pede: “Dá-me...
o Bem...”, e finaliza como num ritual místico, sorvendo o
“Vinho d’ouro, ideal, que purifica”, repetindo sua invocação:
“Virgem, Regina, Eucaristia, Coeli”, “Ó Regina do Mar!
Colei! Regina!”
Lua
Clâmides frescas, de
brancuras frias,
Finíssimas dalmáticas
de neve
Vestem as longas árvores
sombrias,
Surgindo a Lua nebulosa e
leve...
Névoas e névoas frígidas
ondulam...
Alagam lácteos e
fulgentes rios
Que na enluarada refração
tremulam
Dentre fosforescências,
calafrios...
E ondulam névoas,
cetinosas rendas
De virginais, de prônubas
alvuras...
Vagam baladas e visões e
lendas
No flórido noivado das
Alturas...
E fria, fluente,
frouxa claridade
Flutua como as brumas de
um letargo...
E erra no espaço, em
toda a imensidade,
Um sonho doente,
cilicioso, amargo...
Da vastidão dos páramos
serenos,
Das siderais abóbadas
cerúleas
Cai a luz em antífonas,
em trenos,
Em misticismos, orações
e dúlias...
E dentre os marfins e
as pratas diluídas
Dos lânguidos clarões
tristes e enfermos,
Com grinaldas de roxas
margaridas
Vagam as virgens de
cismares ermos...
Cabelos torrenciais e
dolorosos
Bóiam na sondas dos etéreos
gelos.
E os corpos passam níveis,
luminosos,
Nas ondas do luar dos
cabelos...
Vagam sombras gentis
de mortas, vagam
Em grandes procissões,
em grandes alas,
Dentre as auréolas, os
clarões que alagam,
Opulências de pérolas e
opalas.
E a Lua vai clorótica
fulgindo
Nos seus alperces eterais
e brancos,
A luz gelada e pálida
diluindo
Das serranias pelos
largos flancos...
Ó Lua das magnólias e
do lírios!
Geleira sideral entre
as geleiras!
Tens a tristeza mórbida
dos círios
E a lividez da chama das
poncheiras
Quando ressurges,
quando brilhas e amas,
Quando as luzes e amplidão
constelas,
Com os fulgores glaciais
que tu derramas
Dás febre o frio, dás
nevrose, gelas...
A tua dor
cristalizou-se outrora
Na dor profunda mais
dilacerada
E das dores estranhas, ó
Astro, agora,
És a suprema Dor
cristalizada!...
Neste poema Cruz e
Sousa é um compositor: com as tintas das palavras vai sugerindo
um quadro em que a figura central, a Lua, através de uma
linguagem cifrada, menos precisa e lógica, aos poucos surge
misteriosamente, apresentando-se como um ser transcendente que
pira sobre tudo:
“Vestem as longas árvores
sombrias,
Surgindo a Lua nebulosa e leve...”
“E erra no espaço,
em toda a imensidade,”
O poema ainda
evidencia constante em seus versos por sua condição de negro
eternamente fascinado pela brancura:
“Clâmides frescas, de
brancuras frias,
Finíssimas dalmáticas de neve”
“Névoas névoas frígidas
ondulam.
Alagam lácteos e fulgentes rios”
A musicalidade,
“presença obrigatória em sua poesia”, atinge ponto alto
nos versos: “E fria, fluente, frouxa claridade / Flutua como
as brumas de um letargo...” em que a combinação das sílabas:
fri – flu – fro – flu produzem uma espécie de polifonia,
suavizada pelos sons das palavras brumas de um letargo.
A temática de imagens
estelares se fundem a imagens físicas, corpóreas: “e os
corpos passam níveos, luminosos, /Nas ondas do luar e dos
cabelos...”
Aqui a Lua é a mulher
metaforizada em noiva,
“Ó Lua das magnólias
e dos lírios”.
“Quando ressurges,
quando brilhas e amas”.
Com grinaldas... vagam as
Virgens...”
Supremo Desejo
1. Eternas, imortais
origens vivas
2. Da luz, do Aroma,
segredantes vozes
3. Do mar e luares de
contemplativas,
4. Vagas visões volúpticas,
velozes...
5. Aladas alegrias
sugestivas
6. De asa radiante e
branda de albornozes,
7. Tribos gloriosas, fúlgidas,
altivas,
8. De condores e de águias
e albatrozes...
9. Espiritualizai nos
Astros loiros.
10. Do sol entre os clarões
imorredouros.
11. Toda esta dor que na
minh’alma clama...
12. Quero vê-la subir,
ficar cantando
13. Na chama das
Estrelas, dardejando
14. Nas luminosas sensações
de chama.
- Considerando o
aspecto formal, este poema é um soneto (14 versos disposto
em dois quartetos e dois tercetos) – rimas alternadas (a b
a b) ricas e pobres.
- Quanto ao aspecto
estilístico – temático, desde o título já ocorre uma
postura subjetiva, revelando um desejo supremo, em que o
adjetivo não tem uma definição rigorosa;
- A DOR (verso 11),
para ele, física, sentida, é, através de sinestesias,
elevada a algo espiritual, etéreo, em que se misturam
imagens visuais (imortais origens vivas/ da Luz) e olfativas
(do Aroma...) e auditivas (...segredantes vozes...)
- Essas imagens
ganham amplitude com o pedido para que a sua dor seja
espiritualizada: “Espiritualizai nos Astros louros .....
Toda essa dor que na minh’alma chama....” “Quero vê-la
subir, ficar cantando / Na chama das Estrelas....”
- Há forte presença
de palavras – imagens que remetem à idéia de luz e de
vozes domar...”, “vagas visões...”, “Aladas
alegrias sugestivas...”, “asa radiante e branca”,
“Astros loucos do Sol...”.
- verso, (4):
“Vagas visões volúpticas, velozes”produz aliteração,
que também ocorre nas palavras: “albornoses”,
“gloriosas”, “fulgidas”, “altivas”,
“albatrozes”, “sol”- esse recurso reforça a sugestão
espacial bem definida com o verbo “subir”: “Toda essa
dor... Quero vê-la subir...”
As palavras ganham
significado transcendente, absoluto, com maior expressividade ao
serem grafadas com a maiúsculas alegorizantes ...do
Aroma...”, “nos Astros”, “...das Estrelas”.
Como se fosse possível,
o poeta remete sua dor a um outro plano, numa atitude ao mesmo
tempo masoquista e libertadora.
Encarnação
Carnais, sejam carnais
tantos desejos,
Carnais, sejam carnais
tantos anseios,
Palpitações e frêmitos
e enleios,
Das harpas da emoção
tantos arpejos...
Sonhos, que vão, por
trêmulos adejos,
À noite, ao lugar,
entumescer os seios
Lácteos, de finos
azulados veios
De virgindade, de pudor,
de pejos...
Sejam carnais todos os
sonhos brumos
De estranhos, vagos,
estrelados rumos
Onde as Visões do amor
dormem geladas...
Sonhos, palpitações,
desejos e ânsias
Formem, com claridades e
fragrâncias,
A encarnação das lívidas
Amadas!
* Enfatizando a temática
sexual, esse soneto mostra a violenta atração do poeta por
imagens de forte sensualidade, repetidas vezes, como nos versos:
“Carnais, sejam carnais tantos desejos”. Essa carnalidade
explícita é suavizada na figura das “lívidas Amadas”,
embora reforcem a sua obsessão pela cor branca e por tudo
aquilo que lhe sugere brancura: “...os seios lácteos, de
finos e azulados veios...”. A imagem se completa com a
sinestesia provocada pelos versos: “sonhos, palpitações
desejos e ânsias / Formem, com claridades e fragrâncias...”.
A cor e o cheiro se fundem como elemento essencial do erotismo
– cujo desejo nunca foi plenamente realizado.
Braços
Braços nervosos, brancas
opulências
Brumais brancuras, fúgidas
brancuras,
Alvuras castas, viginais
alvuras,
Lactescências das raras
lactescências.
As fascinantes, mórbidas
dormências
Dos teus braços de
letais flexuras,
Produzem sensações de
agres tonturas,
Dos desejos as mornas
florescências.
Braços nervosos,
tentadoras serpes
Que prendem, tetanizam
como os herpes,
Dos delírios na trêmula
coorte...
Pompa de carnes tépidas
e flóreas,
Braços de estranhas
correções marmóreas
Abertos para o Amor e
para a Morte!
Mais um hino à
brancura, ao seu desejo incontido pela mulher branca (desejado
pela mulher de classe dominante?)
Nesse soneto fica
evidente o seu desejo físico, palpável, metaforizado na imagem
erótica de:
“Braços nervosos,
Brancas opulências”
“Produzem sensações
de agres torturas...”
Todas essas imagens são
marcadas por uma angústia e tensão, características de um
simbolista cujo desejo carnal ficou sempre irrealizado, pois o
seu fim tanto pode ser o Amor como a Morte.
Serpente de Cabelos
A tua trança negra e
desmanchada
por sobre o corpo nu,
torso inteiriço,
claro, radiante de
esplendor e viço
ah! lembra a noite de
astros apagada.
Luxúria deslumbrante
e aveludada
através desse mármore
maciço
da carne, o meu olhar
nela espreguiço
felinamente, nessa trança
ondeada.
E fico absoluto, num
torpor de coma,
na sensação narcótica
do aroma,
dentre a vertigem túrbida
dos zelos.
És a origem do Mal,
és a nervosa
serpente tentadora e
tenebrosa,
tenebrosa serpente de
cabelos!...
Dentro da temática da
sensualidade esse soneto canta as formas femininas e compara a
mulher a uma serpente, criando uma imagem de forte apelo erótico:
“Luxúria deslumbrante
e aveludada/
através desse mármore
maciço/
de carne...”
Seduzido pelo desejo, ele
se identifica com um animal que:
“...o meu olhar nela
espreguiço / felinamente, nessa trança ondeada.”
Mas tudo fica no plano
da imaginação, que o deixa “absorto”, “num torpor de
coma”, “na sensação narcótica”, “a vertigem”- (de másculo
reprimido)
Finaliza relacionando a
imagem feminina à “origem do Mal” numa visão ao mesmo
tempo sensual e mística.
Siderações
Para as Estrelas de
cristais gelados
as ânsias e os desejos vão
subindo,
galgando azuis e siderais
noivados
de nuvens brancas e
amplidão vestindo...
Num cortejo de cânticos
alados
os arcanjos, as cítaras
ferindo,
passam, das vestes nos
troféus protelados,
as asas de outro
finamente abrindo...
Dos etéreos turíbulos
de neve
claro incenso aromal, límpido
e leve,
as ondas nevoentas de Visões
levanta...
E as ânsias e os
desejos infinitos
vão com arcanjos
formulados ritos
da Eternidade que nos
Astros canta...
Outra temática
presente nos seus poemas é o Misticismo característica da nova
fase (Simbolismo) em que se opõem matéria e espírito, corpo e
alma.
Há um clima onde
predomina o vago, o abstrato, porém voltado para uma esfera
superior, aqui evidenciado através das palavras:
“Para as estrelas/
...as ânsias e desejos vão subindo/ galgando azuis i siderais
noivados...”
Mais do que nunca, há
uma linguagem simbólica intensamente subjetiva que busca o eu
no universo, a essência do ser humano, através de incursões a
regiões etéreas, espaciais, ilimitadas: “a amplidão
vestindo”, os arcanjos / Num cortejo de cânticos alados,
passam...”
O vocabulário foi
cuidadosamente trabalhado através de palavras e expressões que
acentuam a sugestão mística: “arcanjos”, “turíbulos”,
“incenso”, “infinitos”, “ritos”, “Eternidade”.
Ângelus
Ah! lilazes de Ângelus
harmoniosos,
Neblina vesperais,
crepusculares,
Guslas gementes,
bandolins saudosos,
Plangências magoadíssimas
dos ares...
Serenidades etereais
d’incensos,
De salmos evangélicos,
sagrados,
Saltérios, harpas dos
Azuis imensos,
Névoas de céus
espiritualizados.
Ângelus fluidos, de
luar dormente,
Diafaneidades e
melancolias...
Silêncio vago, bíblico,
pungente
De todas as profundas
liturgias.
E nas horas dos Ângelus,
nas horas
Do claro-escuro emocional
aéreo,
Que surges, Flor do Sol,
entre as sonoras
Ondulações e brumas do
Mistério.
Surges talvez, do
fundo de umas eras
De doloroso e turvo
labirinto,
Quando se esgota o vinho
das Quimeras
E os veneno românticos
do absinto.
Apareces por sonhos
neblinantes
Com requinte de graça e
nervosismos,
Fulgores flavos de
festins flamantes,
Como a Estrela Polar dos
Simbolismos.
Num enlevo supremo eu
sinto, absorto,
Os teus maravilhosos e
esquisitos
Tons siderais de um astro
rubro e morto,
Apagado nos brilhos
infinitos.
O teu perfil todo o
meu ser esmalta
Numa auréola imortal de
formosuras
E aprece que rútilo
ressalta
De góticos missais de
iluminuras.
Ressalta com a dolência
das Imagens,
Sem a forma vital, a
forma viva,
Com os segredos da Lua
nas paisagens
E a mesma palidez
meditativa.
Nos êxtases dos místicos
os braços
Abro, tentado da carnal
beleza...
E cuido ver, na bruma dos
espaços,
De mãos postas, a orar,
Santa Teresa!
Em Cruz e Sousa, menos
que o significado denotativo, as palavras revelam nuanças melódicas
e multi-significativas.
A leitura desse, como
da maioria dos seus poemas, é pura sugestão que revela outras
dimensões de mundo: “Serenidades eterais d’incensos”,
“Névoas de céus espiritualizados”.
As palavras perdem seu
valor expressivo racional para desaguara num universo simbólico,
através de semelhanças(1), comparações(2), analogias(3) e
sinestesias(4):
1. “Neblinas vesperais,
crepusculares”
2. “Quando se esgota o
vinho das Quimeras”
3. “...bandolins
saudosos,/ Plangências magoadíssimas”
4. “Tons siderais
...apagado nos brilhos.”
Sonoridade e
musicalidade – ao mesmo tempo suave e intensa, típicas
expressões do simbolismo, como nestes versos em que a repetição
do “s” intensifica um clima indefinido, vago:
“Ah! Lilazes de Ângelus
harmoniosos,
Neblinas vesperais,
crepusculares
Guslas gementes,
bandolins saudosos
Plangências magoadíssimas
dos ares...”
e em “Fulgores
flavos de festins flamantes” a aliteração, de forma sutil,
cria uma música de palavras.
Há o encontro com o
sagrado, não aos molde das religiões, mas na imaginação,
totalmente livre de estereótipos:
“Serenidades eterais
d’incensos
De salmos evangélicos,
sagrados,”
“E cuido a ver, na
bruma dos espaços,
De mãos postas, a orar,
Santa Teresa!”
Sinfonias do Ocaso
Musselinosas como brumas
diurnas
descem do ocaso as
sombras harmoniosas,
sombras veladas e
musselinosas
para as profundas solidões
noturnas.
Sacrários virgens,
sacrossantas urnas,
os céus resplendem de
sidéreas rosas,
da lua e das Estrelas
majestosas
iluminando a escuridão
das furnas.
Ah! por estes sinfônicos
ocasos
A terra exala aromas de
áureas vasos,
Incensos de turíbulos
divinos.
Os plenitúnios mórbidos
vaporam...
E como que no Azul
plangem e choram
cítaras, harpas,
bandolins, violinos...
O soneto é construído
com a mistura de um vocabulário ora litúrgico: “”Sacrários”,
“virgens”, “sacrossantas”, “incensos”, “turíbulos”,
“divinos” e ora cósmico: “ocaso”, “céus”, “sidéreas”,
“Lua”, “Estrelas”, criando imagens de luz, de transparência,
de brancura que promovem uma “viagem” para além do tempo e
do espaço: uma viagem espiritual, abstrata.
É muito forte a presença
da sinestesia em que o apelo olfativo “a terra exala aromas de
áureos vasos.” Se encontra com sons musicais: “E como que
no Azul plangem e choram cítaras, harpas, bandolins,
violinos...” sensaçõe s anunciadas no título através da
palavra Sinfonia.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em Missal, o autor diz:
“Para mim, as palavras, como têm colorido e som, têm do
mesmo modo sabor”. Essa concepção de poesia foi a marca de
Cruz e Sousa.
Tendo começado a
escrever ainda sob a influência parnasiana e condoreira, compôs,
no início de sua atividade literária, poemas
antiescravagistas.
Mas a força da estética
simbolista o conquistou definitivamente: abusou de uma
“linguagem menos precisa e lógica, mais sugestiva e musical
por meio do ciframento, da ambigüidade e de associações
inesperadas ou inexplicáveis, para que ela pudesse aproximar-se
daquilo que a razão seria incapaz de perceber, atingindo assim
algum tipo de transcendência”. Por isso, chegou-se a dizer
que sem ele não teríamos essa estética em nossa literatura.
Autor da mais famosa
aliteração simbolista, cuja musicalidade tornou inigualável
esta estrofe do poema Violões que choram:
“Vozes veladas,
veludosas vozes,
Volúpias dos violões,
vozes veladas,
Vagam nos velhos vórtices
vorazes
Dos ventos, vivas, vãs,
vulcanizadas...”
Embora inicialmente
estivesse preso a um subjetivismo, no qual expressa sua dor e
sofrimento de homem negro, sua obra evoluiu para posições
universalizantes ao sintonizar-se com a dor e a angústia do ser
humano. |