MEMÓRIAS DE UM SARGENTO DE
MILÍCIAS
(Manuel Antônio de
Almeida)
INTRODUÇÃO
Nascido no Rio
de Janeiro em 1831, Manuel Antônio de Almeida teve existência
meteórica, pois morre tragicamente, em 1861, com apenas 30 anos
de idade, vitimado por um naufrágio na costa fluminense, ao
viajar num vapor com destino a Canipós, no Estado do Rio.
Memórias de um
Sargento de Milícias, sua única obra, foi publicado
inicialmente, sob anonimato, na forma de folhetins, no
suplemento dominical “A Pacotilha” do “Corréio
Mercantil”, em 1852, jornal carioca onde trabalhava. Pouco
tempo depois, a novela saia publicada na forma de livro, em dois
volumes, respectivamente em 1854 e 1855, assinada com o pseudônimo
“Um Brasileiro”.
Novela de
costumes em que se sente a influência do teatro de Martins Pena
com suas comédias costumbristas, o livro de Manuel Antônio
inova pela linguagem realista e galhofeira, que não
correspondia muito ao gosto da época, motivo por que não teve
muita aceitação e parecia mesmo que estava fadado ao naufrágio,
como, alias, aconteceu com o autor. o tempo, entretanto,
encarregou-se de valorizar a obra, e, se não chegou a explodir,
continua viva pelos anos afora e apreciada pelos cultores de
unia boa leitura, a ponto de ser indicado para o vestibular da
UFMG, já pela segunda vez.
A NOVELA COMO ESPÉCIE
LITERÁRIA
Como espécie
literária, a novela não se distingue do romance,
evidentemente, pelo critério quantitativo, mas pelo essencial e
estrutural.
Tradicionalmente, a
novela é uma modalidade literária que se caracteriza pela
linearidade dos caracteres e acontecimentos, pela sucessividade
episódica e pelo gosto das peripécias.
Diferente do
romance, a novela não tem a complexidade dessa espécie literária,
pois não se detém na análise minuciosa e detalhada dos fatos
e personagens. A novela condensa os elementos do romance: os diálogos
são rápidos e a narrativa é direta, sem muitas divagações.
Nesse sentido, muita coisa que chamamos de romance não passa de
novela.
E interessante
observar, como revela o critico Massaud Moisés, em Pequeno
Dicionário de Literatura Brasileira, que “as primeiras
manifestações de nossa prosa de ficção seriam novelas, ou,
pelo menos, estariam contagiadas por sua estrutura fundamental,
visto ainda o romance estar apenas aparecendo, na Inglaterra.
Tão forte era o
influxo e a tradição da novela que nossa ficção romântica não
conseguiu desprender-se de todo: as pecas que hoje classificamos
de romance, segundo critérios muito discutíveis, obedecem a um
sistema de composição próprio da novela. Basta lembrar as
narrativas de Alencar, notadamente as históricas, indianistas e
regionalistas de Bernardo Guimarães, de Joaquim Manuel de
Macedo, de Franklin Távora, ate culminar nas Memórias de um
Sargento de Milícias, de Manuel Antônio de Almeida, uma
acabada novela de cunho picaresco. Alterou-se a fisionomia
social, mudaram os costumes, os tempos são outros, mas a
estrutura guarda incontestável sujeição à da novela.”
RESUMO DO LIVRO
Em síntese, o
enredo de Memórias de um Sargento de Milícias, “tecido, como
observa Antônio Soares Amora no já citado Pequeno Dicionário
de Literatura Brasileira, com muitas peripécias e intrigas, que
não deixam, ainda hoje, de entreter e prender o leitor, pode
resumir-se na história da vida de Leonardo, filho de dois
imigrantes portugueses, a sabia Maria da Hortaliça e Leonardo,
“algibebe” em Lisboa e depois meirinho no Rio do tempo do
Rei D. João VI: nascimento do “herói”, sua infância de
endiabrado, suas desditas de filho abandonado mas sempre salvo
de dificuldades pelos padrinhos (a parteira e um barbeiro); sua
juventude de valdevinos; seus amores com a dengosa mulatinha
Vidinha; suas malandrices com o truculento Major Vidigal, chefe
de polícia; seu namoro com Luisinha; sua prisão pelo major;
seu engajamento, por punição, no corpo de tropa do mesmo
major; finalmente, porque os fados acabaram por lhe ser propícios
e não lhe faltou a proteção da madrinha, tudo tem “conclusão
feliz”: promoção a sargento de milícias e casamento com
Luisinha”.
Para que se tenha
uma idéia mais precisa do conteúdo do livro no que se refere
ao enredo, vamos transcrever aqui o resumo elaborado pelo Prof.
José Rodrigues Gameiro em estudo sobre Memórias de um Sargento
de Milícias, no qual o presente trabalho está apoiado.
A obra é dividida
em duas partes: a primeira com vinte e três capítulos e a
segunda com vinte e cinco.
PRIMEIRA PARTE
I - Origem,
Nascimento e Batizado. A novela se abre com a frase “Era
no tempo do rei”, que situa a estória no século XIX, no Rio
de Janeiro. Narra a vinda de Leonardo-Pataca para o Brasil.
Ainda no navio, namora com uma patrícia, Maria da Hortaliça,
sabia portuguesa. Daí resultou o casamento e... “sete meses
depois teve a Maria um filho, formidável menino de quase três
palmos de comprido, gordo e vermelho, cabeludo, espemeador e
chorão; o qual, logo depois que nasceu, mamou duas horas
seguidas sem deixar o peito”.
Esse menino é o
Leonardo, futuro “sargento de milícias” e o “herói” do
livro.
O capitulo
termina com o batizado do garoto, tendo a “Comadre” por
madrinha e o. barbeiro ou “Compadre” por padrinho,
personagens importantes da estória.
II - Primeiros Infortúnios.
Leonardo-Pataca descobre que Maria da Hortaliça, sua mulher, o
traía com vários homens; dá-lhe uma surra e ela foge com um
capitão de navio para Portugal.
O filho, depois de
levar um pontapé no traseiro, é abandonado e o padrinho se
encarrega dele.
III - Despedida às
Travessuras. O padrinho, já velho, e sem ter a quem dedicar
sua afeição, ficou caído pelo garoto, concentrando todos os
seus esforços no futuro de Leonardo e desculpando todas as suas
travessuras.
Depois de muito
pensar, resolveu que ele seria padre.
IV - Fortuna.
Leonardo-Pataca apaixonou-se por uma cigana que também o
abandona. Para atraí-la novamente, recorre a feitiçarias de um
caboclo velho e imundo que morava num mangue. Na última prova,
à noite, quando estava nu e coberto com o manto do caboclo,
aparece o Major Vidigal...
V - O Vidigal.
Este capítulo descreve o Major - “um homem alto, não muito
gordo, com ares de moleirão; tinha o olhar sempre baixo, os
movimentos lentos, e a voz descansada e adocicada”. Era a polícia
e a justiça da época, na cidade.
Depois de obrigar
todos que se achavam na casa do caboclo a dançar, até não agüentarem
mais, chicoteia-os e leva Leonardo para a “Casa da Guarda”,
espécie de depósito de presos. Depois de visto pelos curiosos,
é transferido para a cadeia.
VI - Primeira Noite
Fora de Casa. Leonardo filho vai acompanhar uma “Via
Sacra” de rua, muito comum naquela época, e junta-se a outros
moleques. Acabam passando a noite num acampamento de ciganos.
Descreve-se a festa e a dança do fado. De manhã, Leonardo pede
para voltar para casa.
VII - A Comadre.
Era a madrinha de Leonardo - “uma mulher baixa, excessivamente
gorda, bonachona, ingênua ou tola até um certo ponto, e finória
até outro; vivia do oficio de parteira, que adotara por
curiosidade e benzia de quebranto...”. Gostava de ir à missa
e ouvir o cochicho das beatas. Viu a vizinha do barbeiro e logo
quis saber do que é que ela falava.
VIII - O Pátio dos
Bichos. Assim era chamada a sala onde ficavam os velhos
oficiais a serviço de El-Rei, esperando qualquer ordem.
No meio deles,
estava um Tenente-Coronel a quem a Comadre vai pedir para
interceder junto a El-Rei para soltar Leonardo-Pataca.
IX - O Arranjei-me
do Compadre. O autor conta-nos como o barbeiro conseguiu
arranjar-se na vida, apesar de sua profissão pouco rentável:
improvisou-se de médico, ou melhor, “sangrador”, a bordo de
um navio que vinha para o Brasil. O Capitão moribundo,
entregou-lhe todas as economias para que as levasse à sua filha
(do Capitão). Quando chegou a terra, ficou com tudo e nunca
procurou a herdeira.
X - Explicações.
O Tenente-Coronel interessara-se pelo Leonardo porque, de certa
forma, ele o havia livrado de certa obrigação: seu filho, um
desmiolado, é que havia infelicitado a tal de Mariazinha, a
Maria da Hortaliça, ex-mulher de Leonardo. Por isso empenha-se
e, por meio de um outro amigo, consegue que El-Rei solte
Leonardo.
XI - Progresso e
Atraso. Este capítulo é dedicado às dificuldades que o
padrinho encontra para ensinar as primeiras letras ao afilhado e
às implicâncias da vizinha. A seguir vem um bate-boca entre os
dois, com o menino arremedando a velha, e com grande satisfação
para o barbeiro que se julga “vingado”.
XII - Entrada para
a Escola. É uma descrição das escolas da época. Aborda a
importância da palmatória e nos conta como o novo e endiabrado
aluno leva bolos de manhã e à tarde.
XIII - Mudança de
Vida. Depois de muito esforço e paciência, o padrinho
convence ao afilhado de voltar para a escola, mas ele foge
habitualmente e faz amizade com o coroinha da Igreja. Pede ao
padrinho, e este acede, para também ser coroinha. Pensava assim
o barbeiro que seria meio caminho andado para se tomar padre.
Como coroinha, aproveitou-se dessa função para jogar fumaça
de incenso na cara da vizinha e derramar-lhe cera na mantilha.
Vingava-se assim dela.
XIV - Nova Vingança
e Seu Resultado. Neste capitulo, aparece o “Padre Mestre
de Cerimônias”, que, embora de um exterior austero, mantinha
relações com a cigana, a mesma que abandonara Leonardo-Pataca
e fora causa de sua função. No dia da festa da Igreja da Sé,
o Mestre de Cerimônia prepara-se orgulhosamente para proferir
seu sermão.
O menino Leonardo,
encarregado de avisar-lhe a hora do sermão, informa-lhe que será
às 10 horas, quando na verdade devia ser às 9.
Um capuchinho
italiano, para cooperar, e porque o pregador não chegava, começou
a homilia.
Depois de algum
tempo, chega o Mestre, furioso, e corre para o púlpito também.
Após um bate-papo com o religioso, toma o lugar dele e continua
o sermão. O resultado foi o sacristão ser despedido.
XV - Estralada.
Leonardo-Pataca, sabendo que o Mestre de Cerimônias é que lhe
tirara a cigana e que este iria ao aniversário dela, contratou
Chico-Juca para criar confusão na festa. Avisou antecipadamente
o Major Vidigal, que prende todo mundo, inclusive o Padre, e os
leva para a “Casa da Guarda”.
XVI - Sucesso do
Plano. O Mestre de Cerimônias, com o escândalo, foi
obrigado a deixar a cigana, voltando para Leonardo, que recebe
as censuras da Comadre.
XVII - D. Maria.
O capitulo é dedicado a D. Maria, “uma mulher velha, muito
gorda; devia ter sido muito formosa no seu tempo, porém dessa
formosura só lhe restaram o rosado das faces e a alvura dos
dentes...”; “...tinha bom coração e era benfazeja, devota
e amiga dos pobres, porém, em compensação destas virtudes,
tinha um dos piores vícios daquele tempo e daqueles costumes;
era a mania das demandas...”
Em sua casa,
estavam reunidos, por causa da “Procissão dos Ourives”, o
Compadre e o menino, a Comadre e a vizinha O assunto gira em
tomo das peripécias do garoto, que aproveita a ocasião e pisa
a saia da vizinha, rasgando-a.
A seguir, todos
discutem o futuro do rapaz. Depois de cada um dar o palpite, D.
Maria sugere que ele seja “Procurador de Causas...”
XVIII - Amores.
Leonardo não correspondeu a nenhum dos desejos do padrinho: não
foi para Coimbra, não se fez padre, não trabalhou em cartório
algum e não foi para a Conceição. Tomou-se um vadio. Um vadio
comum, que simplesmente não pensa em nada, vai-se deixando
levar pelos acontecimentos sem tirar proveito pessoal de nenhum.
Enquanto isso,
Leonardo-Pataca acaba casando-se com a sobrinha da Comadre.
Por sua vez, D.
Maria ganha a demanda para ser tutora de uma sobrinha órfã e
começa a receber a visita freqüente do Compadre com o
afilhado. A sobrinha de D. Maria era já bem desenvolvida, mas
muito desajeitada: tinha perdido a graça da menina e não
adquirira ainda a beleza da moça.
Leonardo saiu rindo
dela, mas não a esqueceu jamais.
XIX - Domingos do
Espírito Santo. Na “Festa do Divino”, o Compadre vai
com D. Maria e Leonardo ao Campo para ver o fogo. Leonardo começa
a apaixonar-se pela sobrinha de D. Maria.
XX - O Fogo no
Campo. Terminada a “Festa do Divino” com foguetes e
fogos de artifício, Leonardo e Luisinha, sobrinha de D. Maria,
tomam-se íntimos.
XXI -
Contrariedades. Luisinha voltou ao seu silêncio interior e
um novo personagem aparece: é o José Manuel. Muito experiente
na vida, passa a cortejar D. Maria, mas interessado na sobrinha
e principalmente na herança dela.
XXII - Aliança.
O Padrinho e a Comadre aliam-se num só plano contra José
Manuel.
XXIII - Declaração.
Numa cena ridícula, todo desajeitado, depois de muitas
tentativas e retrocessos, Leonardo consegue declarar-se a
Luisinha.
SEGUNDA PARTE
I - A Comadre em
Exercício. Aqui, o autor narra o nascimento da filha de
Leonardo-Pataca e de Chiquinha. A Comadre faz o parto, e o autor
aproveita para fazer interessante descrição dos costumes da época.
II - Trama. A
Comadre, numa aliança com o sobrinho e o Compadre contra José
Manuel, inventa para D. Maria que este fora o raptor da moça na
porta da Igreja (um caso policial da época).
III - Derrota.
José Manuel põe-se em campo para saber quem é seu adversário
e quem tinha feito a intriga perante D. Maria.
IV - O Mestre de
Reza. Os mestres de reza da época eram geralmente cegos que
ensinavam às crianças as primeiras rezas e o catecismo.
Faziam-no á base da palmatória. O Mestre de Reza encarregou-se
de descobrir, para José Manuel, quem era o intrigante.
V - Transtorno.
O Compadre morre e deixa Leonardo como seu herdeiro. Segue-se a
cerimônia de luto e o enterro. Leonardo volta para a casa do
pai. A Comadre, que também mora com a filha, faz agora as vezes
do Compadre. Leonardo não se entende com a madrasta, Chiquinha.
VI - Pior
Transtorno. Leonardo, ao voltar da casa de Luisinha,
aborrecido por não a ter visto, briga com Chiquinha. O pai
intervém de espada, e Leonardo foge de casa.
A Comadre censura
os dois e vai procurar o afilhado, enquanto os vizinhos comentam
as ocorrências...
VII - Remédio dos
Males. Ao fugir de casa, Leonardo encontra o antigo colega,
o Sacristão da Sé, num pique-nique em companhia de moças e
rapazes, o qual o convida para ficar; ele aceita e enche-se de
amores por Vidinha, cantora de modinhas, que tocava viola.
“Vidinha era uma
mulatinha de dezoito a vinte anos, de altura regular. ombros
largos, peito alteado, cintura fina e pés pequeninos; tinha os
olhos muito pretos e muito vivos, os lábios grossos e úmidos,
os dentes alvíssimos. a fala era um pouco descansada, doce e
afinada.”
VIII - Novos Amores.
Este capitulo faz a descrição da nova família que acolhe
Leonardo. Era composta de duas irmãs viúvas, uma com três
filhos e a outra com três filhas. Passavam dos quarenta anos e
eram muito gordas e parecidas. Os três filhos da primeira
tinham mais de 20 anos e eram empregados no trem. As moças,
mais ou menos da idade dos rapazes, eram bonitas, cada uma a seu
modo. Uma delas era Vidinha.
IX - José Manuel
Triunfa. A Comadre procurou Leonardo por toda parte e, não
o encontrando, foi à casa de D. Maria, que a repreendeu por
“ter cometido um grande...”
Ela logo entendeu e
percebeu que José Manuel estava regenerado aos olhos de D.
Maria; e também chegou à conclusão de que o cego Mestre de
Reza é que tinha desvendado tudo.
A Comadre
desculpa-se e toma conhecimento do interesse de José Manuel por
Luisinha.
X - O Agregado.
Leonardo fica agregado na nova família, como era costume
naquela época. Dois irmãos pretendentes a Vidinha unem-se
contra Leonardo, que estava gostando dela.
Vidinha e as Velhas
tomam o partido de Leonardo. Houve briga e confusões.
Leonardo decidiu
sair da casa, mas as velhas não consentem. Chega a Comadre.
XI - Malsinação.
Depois de conferências entre as velhas e a Comadre, Leonardo
fica, para alegria de Vidinha.
Os primos vencidos,
combinam um modo de vingar-se
Fizeram uma
patuscada semelhante à que haviam feito quando conheceram
Leonardo e avisaram o Major Vidigal... Este chega no meio da
farra e prende Leonardo.
XII - Triunfo
Completo de José Manuel. José Manuel ganha uma causa
forense para D. Maria e, com isso, consegue o consentimento para
casar-se com Luisinha, que Leonardo já havia esquecido; ela
aceita com indiferença o novo pretendente. Há festa e
casamento em carruagens - “destroços da arca de Noé”.
XIII - Escápula.
A caminho da prisão, Leonardo procura um jeito de fugir. O
Major adivinha o pensamento do moço e presta atenção a todos
os seus movimentos. Entretanto, na hora em que surgiu um pequeno
tumulto na rua, e o Major desviou a atenção do prisioneiro,
Leonardo escapuliu e foi para a casa de Vidinha.
O Major, pasmado
com o acontecido, procura-o por toda parte, com os granadeiros.
XIV - O Vidigal
Desapontado. Vidigal, com o orgulho ferido, sobretudo devido
às zombarias do povo, jurou vingar-se. A Comadre, entretanto,
que não sabia da fuga, procura o Major e, ajoelhada a seus pés,
chora e suplica pelo afilhado.
Os granadeiros riam
dela cada vez que gritava - solte, solte!
XV - Caldo
Entornado. Tendo sabido da fuga de Leonardo, a Comadre
dirigiu-se à casa das velhas e pregou um sermão ao afilhado,
concitando-o a que abandonasse a vadiagem e procurasse um
emprego. Ela mesma consegue para ele uma ocupação na
“Ucharia Real”.
O Major não gostou
disso porque assim não poderia prendê-la Ucharia, morava um
tal de Toma-Largura, assim chamado pela sua estampa grotesca, em
companhia de uma mulher bonita Leonardo começa a demorar cada
vez mais no trabalho e a esquecer Vidinha.
Um dia,
Toma-Largura surpreendeu-o tomando sopa com sua mulher e corre
atrás dele escorraçando-o de casa. No dia seguinte, Leonardo
é despedido do emprego.
XVI - Ciúmes.
Vidinha, extremamente ciumenta, quando soube do acontecido, foi
tomar satisfação com a mulher do Toma-Largura, depois de
gritar, chorar e ameaçar.
Leonardo vai atrás
e se encontra com o Major Vidigal, que o prende.
XVII - Fogo de
Palha. Vidinha começa a xingar Toma-Largura e a mulher.
Como não houvesse reação dos dois, ficou desconcertada, tomou
a mantilha e saiu. Toma-Largura, encantado com Vidinha, resolveu
conquistar nem que fosse uma diminuta parcela de seu amor,
porque assim se vingaria de Leonardo e satisfaria seu desejo de
conquista amorosa. Desse modo, acompanhou a moça para saber
onde ela morava.
XVIII - Represálias.
Quando Vidinha chegou a casa, deram também por falta de
Leonardo. Mandam-no procurar por toda parte e nada. Suspeitam do
Major, mas não o encontram na Casa da Guarda.
A Comadre, avisada,
põe-se em campo à procura do afilhado, mas também não o
encontra. A família que hospedava Leonardo começou a odiá-lo,
julgando que ele se havia ocultado propositalmente.
Enquanto isso, o
Toma-Largura começa a rodear a casa de Vidinha para cumprimentá-la.
Mal imagina ele o que lhes estão preparando...
Recebido em casa,
resolvem comemorar a aproximação com uma patuscada nos
“Cajueiros”, no mesmo lugar onde Leonardo conhecera a família.
E claro que o Toma-Largura lá estava. E como gosta de beber,
acabou provocando uma grande confusão na festa. Inesperadamente
chega o Vidigal com um grupo de granadeiros e dá ordem a um
deles para levar o Toma-Largura preso. Este granadeiro era
Leonardo.
XIX - O Granadeiro.
Depois de preso, o Toma-Largura foi abandonado na calçada
porque estava completamente bêbado e sem condições de andar.
A seguir, o autor conta como Leonardo fora transformado em
granadeiro: depois de preso foi escondido por Vidigal e levado
para sentar praça no Regimento Novo. A seguir, foi requisitado
para ajudar o Major nas tarefas policiais. Era a maneira de o
Vidigal se vingar.
Leonardo mostrou-se
bom de serviço, mas participou de uma “diabrura” quando, em
missão, representou Vidigal, defunto, numa cena para
ridicularizá-lo.
XX - Novas
Diabruras. O Major decide prender Teotônio, um grande
animador de festas, onde tocava e cantava modinhas e mostrava
outras habilidades, como banqueiro de jogo.
Teotônio, na festa
de batizado do filho de Leonardo-Pataca com a filha da Comadre,
fez caretas e mímicas imitando o Major, que estava presente,
para risada geral do público. O Major sai correndo e incumbe
Leonardo de prender Teotônio.
Leonardo, muito bem
recebido na casa, revela a missão de que estava incumbido e, de
comum acordo com Teotônio, concebe um plano para lograr o
Major.
XXI - Descoberta.
Leonardo foi cumprimentado por um amigo indiscreto, na frente do
Major, pela façanha, e este o prende imediatamente.
Enquanto isso, o
José Manuel, depois da lua-de-mel com Luisinha, começou a
mostrar que não era lá grande coisa. Isso fez com que D. Maria
se aliasse à Comadre para soltar Leonardo.
XXII - Empenhos.
Depois de uma tentativa frustrada junto ao Major, a Comadre pede
os préstimos de D. Maria que, por sua vez, recorre a Maria
Regalada. Chamava-se assim por ser muito alegre, ria-se de tudo.
Morava na Prainha, e, quando mais nova, era uma “mocetona de
truz”. Já era conhecida do Major, com quem há tempos tivera
encontros amorosos.
XXIII - As Três em
Comissâo. As três vão ao Major pedir-lhe para soltar
Leonardo. Ele mostra-se inicialmente inflexível como o cargo e
o lugar exigiam. Como as três rompessem em prantos, ele não se
conteve e chorou também, feito um bobo. Depois recompôs-se e
ficou novamente durão.
Entretanto, Maria
Regalada cochichou-lhe qualquer coisa ao ouvido, e ele logo
promete não somente soltar Leonardo como alguma coisa mais.
XXIV - A Morte é
Juiz. José Manuel, com a ação que lhe moveu a sogra, tem
um ataque de apoplexia e morre.
Leonardo,
libertado, chega à noitinha e a primeira coisa que procura é
Luisinha. Tinha sido promovido a sargento. A admiração um pelo
outro é recíproca.
XXV - Conclusão
Feliz. Depois do luto, Leonardo e Luisinha recomeçam o
namoro. Os dois querem casar-se, mas há uma dificuldade:
Leonardo era soldado, e soldado não podia casar. Levaram o
problema ao Major, que vivia com Maria Regalada. Esse fora o preço
pela soltura do Leonardo.
Por influência da
mulher, o Vidigal logo arranjou um jeito: dar baixa em Leonardo
como tropa de linha e nomeá-lo “Sargento de Milícias”.
Leonardo pai
entrega ao filho a herança que lhe deixara o padrinho barbeiro.
Leonardo e Luisinha casam-se. E agora aparece “o reverso da
medalha”:
“Seguiu-se a
morte de D. Maria, a do Leonardo-Pataca, e uma enfiada de
acontecimentos tristes que pouparemos aos leitores, fazendo aqui
ponto .final.”
ORGANIZAÇÃO
ESTRUTURAL
1) A novela está
dividida em duas partes bem distintas: a primeira com 23 capítulos
e a segunda com 25.
2) Os episódios são
quase autônomos, só ligados pela presença de Leonardo, dando
à obra uma estrutura mais de novela que de romance, como já
ficou observado.
3) O leitor acompanha
o crescimento do herói com sua infância rica em travessuras, a
adolescência com as primeiras ilusões amorosas e aventuras, e
o adulto, que, com o senso de responsabilidade, que essa idade
exige, vai-se enquadrando na sociedade, o que culmina com o
casamento.
4) Para Mário de
Andrade, trata-se de uma novela picaresca de influência hispânica.
Manuel Bandeira, em
uma de suas crônicas, conta que o grande escritor espanhol
Francisco Ayala leu a novela e, de tão encantado, traduziu-a
para o espanhol e escreveu no prefácio a palavra que melhor lhe
pareceu qualificá-la: obra-prima, acrescentando que As Memórias
se inserem na linhagem dos romances picarescos. E olhe que Ayala
é da terra da ficção picaresca. Ninguém, pois, melhor
qualificado para conferir a láurea.
Não obstante, o
nosso pícaro tem características próprias, que o afastam do
modelo espanhol, como ressalta o critico Antônio Cândido, m
“Dialética da Malandragem”: “Digamos então que Leonardo
não é um pícaro saído da tradição espanhola, mas sim o
primeiro grande malandro que entra na novelística brasileira,
vindo de uma tradição folclórica e correspondendo, mais do
que se costuma dizer, a certa atmosfera cómica e popularesca de
seu tempo, no Brasil.
5) Freqüentemente
identificadas por suas profissões e caracteres fisicos, as
personagens se enquadram na categoria de planas, não
apresentando, portanto, traços psicológicos densos e
profundos. O protagonista da estória (Leonardo), que foge
completamente aos padrões de herói romântico, é igualmente
uma personagem plana, sem traços psicológicos profundos que
marquem a sua personalidade.
Assim, pois,
predomina sempre o sentido visual e não a percepção psicológica.
Os personagens distinguem-se pelo físico de absoluta nitidez, não
falam, e algumas figuras ficam mudas quase todo o tempo, como
acontece com Luisinha e o próprio Leonardo.
6) Na construção da
obra, muitas vezes há falhas que se explicam devido ao fato de
o livro ter sido escrito em meio à algazarra de uma república
de estudantes, como testemunha o biógrafo de Manuel Antônio,
Marques Rebelo:
a) A amante de Leonardo
pai, na primeira parte, figura como sobrinha da parteira; na
segunda, aparece como filha desta.
b) Por outro lado, os
primos de Vidinha inicialmente eram três e no final só
aparecem dois.
c) A moça cujo rapto foi
atribuído a José Manuel aparece como filha de uma viúva, mas,
pouco depois, o mesmo José Manuel foi salvo graças ao pai da
rapariga.
d) Ao contrário do que
ocorre nas obras de “memórias”, aqui a narrativa não é
feita em primeira pessoa como acontece geralmente com esse gênero
literário, mas em terceira pessoa; talvez porque não se trata
realmente de um livro de memórias.
e) Para Paulo Rónai, que
traduziu a obra para o francês, o título deveria ser: “Como
se Faz um Sargento de Milícias , pois, segundo confessa, teve
tentação de colocar, como titulo, na tradução francesa
-“Comment on devi ent un Sargent de la Mi/ice ‘. Já para Olívio
Montenegro, o título poderia ser: “Cenas da Vida Carioca”.
ESTILO DE ÉPOCA
Tendo surgido em
pleno Romantismo, Memórias de um Sargento de Milícias
apresenta uma narrativa desembaraçada, com conversações
colhidas ao vivo e uma multidão de personagens vivos, extraídos
da gente do povo, primando pela originalidade.
Entretanto,
podem-se detectar, na obra, aspectos que traem não só o
Romantismo como o Realismo:
1) Não parece
ser muito apropriado considerar o livro como obra precursora do
Realismo no Brasil, embora seu autor haja revelado conhecer a
“Comédia Humana”, de Balzac, e ter recebido influências
dela.
Falta-lhe, sem dúvida,
a intenção realista, apesar da presença de muitos elementos
denunciadores desse estilo de época, como ressalta José
Verissimo: “o autor pratica, no romance brasileiro, o que já
é licito chamar obra psicológica e de meio: a descrição
pontual, a representação realista das coisas, mas fugindo às
cruezas.
2) Ao contrário
do que ocorre no Romantismo, o cenário não é o dos palácios
reais com festas e diversões ao gosto dos nobres, nem a
natureza; são as ruas cheias de gente, por onde desfilam
meirinhos, parteiras, devotas, granadeiros, sacristães, vadios,
brancos, pardos e pretos: gente do povo, de todas as raças e
profissões. Povo sem nome, simplesmente designado por mestre de
reza, parteira, barbeiro, toma largura, etc. Assim, existe, no
livro, uma preocupação documental bem ao gosto realista.
3)-Além disso,
destacam-se na obra o sentimento anti-religioso e
anticlericalista, o horror aos padres e o desprezo pelas beatas,
a caricatura e a ironia, que são ingredientes sabidamente
caracterizadores do estilo realista:
- ‘O Divino Espírito
Santo
E um grande folião,
Amigo de muita carne.
Muito vinho e muito pão.
A cena do clérigo,
mestre de cerimônias, no quarto de uma cigana prostituta, em
noite de festa e nos trajes em que o autor o coloca é digna de
mestres do Realismo, como Eça de Queiroz, por exemplo.
Por outro
lado, a presença do Romantismo também é notória na obra:
1) A busca do
passado, que é uma fixação comum no estilo romântico, serve
de ponto de partida para o autor, como se vê na abertura do
livro: “Era no tempo do rei”.
Conforme ressalta
Paulo Rónai, “orgulha-se o autor de não participar dos
exageros românticos, mas, saudoso do passado, explica o
interesse pelos tempos antigos com a alegação de querer
mostrar que os costumes de outrora não eram superiores aos de
seu tempo. Só mero pretexto: ele só não admitia os excessos
dos ultra-românticos.”
2) Como é freqüente
no Romantismo, que tem, ao lado de uma certa tendência para
finais tétricos, propensão para as conclusões açucaradas,
todos os capítulos e a própria novela terminam num “happy
end ‘, ou final feliz.
3) A despreocupação
com a correção gramatical e o aproveitamento da fala e de
expressões populares mostram bem a tendência para a liberalização
da expressão, que é outra conquista do Romantismo, forjada na
esteira do liberalismo da época, como revelam os exemplos
abaixo:
A vista disto nada
havia a duvidar: o pobre homem perdeu. como se costuma dizer, as
estribeiras,...”
"Quando
amanheceu, acordou sarapantado...."
"— Olá, Leonardo! Por que carga d ‘água vieste parar
a estas alturas? Pensei que te tinha já o diabo lambido os
ossos, pois depois daquele maldito dia em que nos vimos em
pancadaria, por causa do mestre-de-cerimônias, nunca mais te
pus a vista em cima.”
"— Escorropicha essa garrafa que ai resta, disse-lhe o
amigo...
“— Fui para
casa de meu pai... e de repente, hoje mesmo. brigo lá com a
cuja dele...”
Na onda dessa
liberalização, há verdadeiras incorreções gramaticais,
conforme atestam estes exemplos:
"Naquela família haviam três primos.”
“Nas causas de sua imensa alçada não haviam
testemunhas...”
"...ele expôs-me certas coisas... e que eu enfim não quis
dar crédito.”
"... Fazia o mestre em voz alta o pelo-sinal. pausada e
vagarosamente, no que o acompanhava em coro todos os discípulos.”
4) Como é comum
no Romantismo, algumas situações são criadas artificialmente.
Revela-o sobretudo o fato de Leonardo transformado em granadeiro
e posteriormente em Sargento de Milícias.
Assim, embora
apresente características que lembram os estilos realista e romântico,
Memórias de um Sargento de Milícias se destaca por sua
originalidade, afastando-se dos padrões da época, como
observou Mário de Andrade, que considerava essa novela uma obra
isolada.
LINGUAGEM
1) A linguagem
utilizada pelo autor em toda a novela, embora de cunho popular e
com bastantes incorreções, tem muito do linguajar tipicamente
português, o que revela, sem dúvida, a marcante presença da
gente lusitana em nossa terra no “tempo do rei”:
"Não quero cá
saber de nada...”
"— Pois
estoure, com trezentos diabos!”
"... há de
ser um clérigo de truz.”
"... regulando-se a ouvir modinhas...”
"— E a noiva?.., respondia a outra: arrenego também da
lambisgoia...
E outras expressões
como tira-te lá, tranco-te essa boca a socos; mais pequena, com
a cuja dele, etc.
2) Outras vezes
prima por usar construções bem clássicas:
"... o que o
distinguia era ver-se-lhe constantemente ./ora de um dos bolsos,
o cabo de uma tremenda palmatória,..."
“Coimbra era a sua idéia
fixa, e nada /ha arrancava da cabeça."
"... e quando
tiver 12 ou 14 anos há de me entrar para a escola.
"... e isto
era natural a um bom português, que o era ele.”
3) A ironia e o
gosto pela gozação acompanham a obra do começo ao fim.
"A carruagem
era um formidável, um monstruoso maquinismo de couro, balançando-se
pesadamente sobre quatro desmesuradas rodas. Não parecia coisa
muito nova; e com mais de dez anos de vida poderia muito bem
entrar no número dos restos infelizes do terremoto, de que fala
o poeta.
“Luisinha,
conduzida por D. Maria, que lhe ia servir de madrinha, embarcou
num dos destroços da arca de Noé. a que chamamos carruagem;
"
“Entre os
honestos cidadãos que nisto se ocupavam, havia, na época desta
história um certo Chico-Juca. afamadíssimo e temível.”
“Eis aqui como se
explica o arranjei-me, e como se explicam muitos outros que vão
ai pelo mundo.”
ASPECTOS TEMÁTICOS
MARCANTES
1) Para Antônio
Soares Amora, “a intenção do autor, ao escrever seu romance
de folhetins para a “Pacotilha”, não é difícil perceber;
oferecer ao leitor, de um lado, um romance engraçado, pelos
tipos que nele entravam, pelas suas expressões, pelas suas
atitudes e ações; de outro, um romance de costumes populares,
de um Rio que deixara de existir, com a modernização da vida
carioca, iniciada no decênio de 1830; um Rio do começo do século,
ronceiro e roceiro, mas bem mais pitoresco e alegre, pelas
despreocupações de sua gente e pelas festas populares (procissões,
folias do Divino, fogos no Campo de Santana, as súcias), e por
isso um Rio de que os mais velhos, nos anos de 1850, se
recordavam com nostalgia.”
2) Além desses
aspectos citados, que configuram bem a “época do Rei” (início
do século XIX, quando D. João VI esteve no Brasil fugido de
Napoleão), destaca-se também no livro o anticlericalismo típico
da época, em que se expõem as safadezas de padres e outros
podres da Igreja de Roma.
"— Olá, Leonardo!
Por que carga d ‘água vieste parar a estas alturas? Pensei
que te tinha já o diabo lambido os ossos, pois depois daquele
maldito dia em que nos vimos em pancadaria, por causa do
mestre-de-cerimônias, nunca mais te pus a vista em cima.”
"—
Escorropicha essa garrafa que ai resta, disse-lhe o amigo...
“— Fui para casa de
meu pai... e de repente, hoje mesmo. brigo lá com a cuja
dele...”
Na onda dessa
liberalização, há verdadeiras incorreções gramaticais,
conforme atestam estes exemplos:
"Naquela família
haviam três primos.”
“Nas causas de sua
imensa alçada não haviam testemunhas...”
"...ele expôs-me
certas coisas... e que eu enfim não quis dar crédito.”
"... Fazia o
mestre em voz alta o pelo-sinal. pausada e vagarosamente, no que
o acompanhava em coro todos os discípulos.”
4) Como é comum
no Romantismo, algumas situações são criadas artificialmente.
Revela-o sobretudo o fato de Leonardo transformado em granadeiro
e posteriormente em Sargento de Milícias.
Assim, embora
apresente características que lembram os estilos realista e romântico,
Memórias de um Sargento de Milícias se destaca por sua
originalidade, afastando-se dos padrões da época, como
observou Mário de Andrade, que considerava essa novela uma obra
isolada.
LINGUAGEM
1) A linguagem
utilizada pelo autor em toda a novela, embora de cunho popular e
com bastantes incorreções, tem muito do linguajar tipicamente
português, o que revela, sem dúvida, a marcante presença da
gente lusitana em nossa terra no “tempo do rei”:
"Não quero cá
saber de nada...”
"— Pois
estoure, com trezentos diabos!”
"... há de
ser um clérigo de truz.”
"... regulando-se a ouvir modinhas...”
"— E a noiva?.., respondia a outra: arrenego também da
lambisgoia...
E outras expressões
como tira-te lá, tranco-te essa boca a socos; mais pequena, com
a cuja dele, etc.
2) Outras vezes
prima por usar construções bem clássicas:
"... o que o distinguia era ver-se-lhe constantemente ./ora
de um dos bolsos, o cabo de uma tremenda palmatória,..."
“Coimbra era a
sua idéia fixa, e nada /ha arrancava da cabeça."
"... e quando tiver 12 ou 14 anos há de me entrar para a
escola.
"... e isto era natural a um bom português, que o era
ele.”
3) A ironia e o
gosto pela gozação acompanham a obra do começo ao fim.
"A carruagem
era um formidável, um monstruoso maquinismo de couro, balançando-se
pesadamente sobre quatro desmesuradas rodas. Não parecia coisa
muito nova; e com mais de dez anos de vida poderia muito bem
entrar no número dos restos infelizes do terremoto, de que fala
o poeta.
“Luisinha,
conduzida por D. Maria, que lhe ia servir de madrinha, embarcou
num dos destroços da arca de Noé. a que chamamos carruagem;
"
“Entre os
honestos cidadãos que nisto se ocupavam, havia, na época desta
história um certo Chico-Juca. afamadíssimo e temível.”
“Eis aqui como se
explica o arranjei-me, e como se explicam muitos outros que vão
ai pelo mundo.”
ASPECTOS TEMÁTICOS
MARCANTES
1) Para Antônio
Soares Amora, “a intenção do autor, ao escrever seu romance
de folhetins para a “Pacotilha”, não é difícil perceber;
oferecer ao leitor, de um lado, um romance engraçado, pelos
tipos que nele entravam, pelas suas expressões, pelas suas
atitudes e ações; de outro, um romance de costumes populares,
de um Rio que deixara de existir, com a modernização da vida
carioca, iniciada no decênio de 1830; um Rio do começo do século,
ronceiro e roceiro, mas bem mais pitoresco e alegre, pelas
despreocupações de sua gente e pelas festas populares (procissões,
folias do Divino, fogos no Campo de Santana, as súcias), e por
isso um Rio de que os mais velhos, nos anos de 1850, se
recordavam com nostalgia.”
2) Além desses
aspectos citados, que configuram bem a “época do Rei” (início
do século XIX, quando D. João VI esteve no Brasil fugido de
Napoleão), destaca-se também no livro o anticlericalismo típico
da época, em que se expõem as safadezas de padres e outros
podres da Igreja de Roma.
3) Ao traçar o
perfil de Leonardo, protagonista da novela, o autor retrata um
tipo genuinamente brasileiro, com sua malandragem bem carioca e
sua propensão ao “dolce far niente” (= não fazer nada, ócio),
numa aversão ao trabalho, que antecipa, em quase um século, o
celebrado “herói sem nenhum caráter” e modelo de nossa
gente, Macunaíma, do modernista Mário de Andrade.
4) Apresentando
um perfil pautado pela retidão e pelo senso de
responsabilidade, que o aproxima mais do herói tradicional que
Leonardo, o major Vidigal é bem a encarnação do poder
constituído e da ordem estabelecida. Com sua implacabilidade à
cata de malandros, o major representa, sem dúvida, o guardião
de normas sociais que padronizam comportamentos e enquadram
tipos rebeldes que ousam transgredi-las.
5)
Simbolicamente, dada a liberdade que me permite a teoria da obra
aberta, pode-se ver, nessas “memórias” de Leonardo, a
trajetória existencial de qualquer ser humano, desde o
nascimento, quase sempre fruto de um amor que brota com uma
“pisada no pé” (que varia conforme o costume da época...),
até o enquadramento social, que se concretiza com o casamento e
sobretudo com a investidura da camisa de força imposta pelo
major Vidigal. Sem dúvida, o “happy end” da conclusão é
um final irônico, em que o ser humano dá adeus às travessuras
e às ilusões para se enjaular nos limites estreitos de uma
vidinha miúda e besta, pautada pelo bom comportamento de um
sargento de milícias
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