Begotten - 1991
E. Elias Merhige

   
   Onde se inicia e onde termina a arte? Talvez essa seja a maior impressão que fique ao assistir Begotten, um filme denso e pegajoso, de trama simples porém com conteúdo filosófico muito além dos padrões.

"Aficcionados pela linguagem, fotógrafos, jornalistas
Vocês e suas lembranças estão mortos, congelados
Perdidos em um presente que sempre se renova
Aqui vive uma encarnação da matéria,
Uma linguagem eterna".

   Merhige poderia ter alcançado seu ápice apenas com o prólogo da obra, mas o que viria depois somente serviria para provar que os conceitos atuais que envolvem o próprio cinema não são nada mais que meras interpretações do que anteriormente já fora imposto.

   Polêmico, indigesto e atemporal, são essas as três palavras que resumem bem não somente Begotten como toda a obra de Merhige. Por mais desconhecido que este nome soe, ele influenciou muitas obras na década de 90, principalmente tratando-se de música. Talvez seu maior fã seja o não menos polêmico Marilyn Manson, que lançou um disco com o nome de uma obra do diretor ("Antichrist Superstar") e fez uma releitura do próprio Begotten no clipe de "Cryptorchid".
   As imagens em preto e branco, com uma película intencionalmente distorcida e personagens de visual implícito nos dão a sensação de tratar-se de um material pré-histórico ou mesmo pós-apocalíptico.
   A sonoplastia intragável de barulhos de grilos chega a nos deixar desconfortáveis perante a tela, o que aumenta ainda mais a desesperança contida na mensagem do filme.
   Deus, isolado e sem esperanças, suicida-se arrancando suas próprias tripas em uma das cenas mais genialmente decadentes da história do cinema. Suas entranhas escorrem lentamente junto a seu sangue, em meio a uma convulsão suicida, ainda assim determinada em seu objetivo principal: escapar de uma realidade descrente e estagnada.
   Com sua morte, surge a Mãe Natureza, que em seu apelo fecunda-se com o sêmem do moribundo Deus, dando origem à uma criança doente e inquieta, que eternamente será arrastada pela mãe que o puxa pelo próprio cordão umbilical, de onde jamais aquela cria amaldiçoada teria condições de se desprender. Trata-se da Humanidade.
   Para acentuar a decadência, zumbis sem rosto nem líderes servem como predadores naturais para a Natureza e sua cria, que de maneira dolorosa encontram aos poucos um irremediável fim, porém sem nenhuma renovação. E só o que reina são trevas e desolação.

   Um filme para poucos, que re-cria (ou destrói, como preferir) os alicerces principais da arte contemporânea. Uma poesia sem estrofes, uma filosofia sem ideal. Um destino irremediável que parece ter cada vez mais sentido.
   Sem meio-termo, uma obra para idolatrar ou repudiar, que encontra em seus opostos um meio termo: impossível permanecer o mesmo após assisti-lo. Portanto prepare seu estômago, e esteja preparado para que todos seus conceitos de arte cinematográfica sejam destruidos, e não tenha esperança de que um novo conceito irá surgir. Restará apenas um irremediável vazio perturbador.


Por Alexander de Aguiar.

    Source: geocities.com/br/acidseth

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