Werckmeister Harmóniák - 2000
(As Harmonias de Werckmeister).


   É sempre gratificante, porém muito difícil classificar qualquer trabalho de um dos atuais gênios do cinema, o húngaro Béla Tarr, que com lançamentos recentes consegue retomar à escola clássica de outros já renomados diretores como Bergman, Antonioni e cia.
   Podemos encarar qualquer trabalho de Tarr como uma aula à parte de fotografia, sempre com movimentos sutis e inteligentes de câmera, a atmosfera criada é hipnótica, e por mais detalhado e lento que o tempo do filme pareça ser, o espectador torna-se preso na trama, e quando depara já é um cúmplice em sua história. Neste trabalho, Tarr prolonga-se bem menos do que em "Sátántangó", um dos seus antecessores, com mais de 7 horas de duração (que acreditem, não poderia ter sido sintetizado em menos tempo!), porém continua aliando o clima denso e uma narrativa detalhada, uma de suas maiores características.
   János é um jovem que vive em um pequeno povoado na Hungria. De acordo com o filme, János aparenta ser -ainda que aparente ter seus vinte e poucos anos- a pessoa mais nova da cidade, que interessa-se por astronomia, e nas horas vagas fala sobre seus assuntos favoritos aos outros moradores da cidade, explicando-lhes e representando coisas como um eclipse solar, por exemplo. Ele ainda atua como entregador de jornais durante a madrugada, e costuma estar sempre acompanhado por seu tio György Eszter, um senhor calmo, pianista ortodoxo, que acredita que as escalas harmônicas do piano que conhecemos hoje (as escalas harmônicas de Werckmeister, que cederam título ao filme) violam as leis musicais de Deus (sim, o "Todo Poderoso"!).
   A pacata sociedade de seu povoado recebe naquele intenso inverno a presença de algo que mudaria para sempre a realidade de seu povo, a visita de uma atração estranha, que carregaria junto com ela uma legião de desconhecidos interessados. Uma baleia gigante empalhada, junto com a participação especial de "O Príncipe", uma figura estranha, que todos aqueles desconhecidos tem como um "messias da destruição", que prega a destruição total como nova forma de iniciar as coisas, um início caótico, que em sua concepção seria mais digno do que a situação atual em que aquelas regiões geladas da Hungria estavam submetidas.
   Aos poucos, a ordem pública estava gravemente abalada, pensava-se em chamar o exército, além de outras mobilizações para que os "turistas" desconhecidos fossem expulsos, e János via toda a situação como mero espectador, que vivia agindo de acordo com a ambição de seus tios, observando com certa dúvida e fascínio os estranhos acontecimentos na cidade.
   Bastou uma apresentação do Príncipe para que toda aquela massa volátil entrasse em combustão, e que ávidas por aqueles comentários hereges acabassem destruindo o hospital da cidade, espancando os enfermos, destruindo e acabando com toda a ordem, e logo que se deparassem com aquela visão que mais representava a morte do que um novo início, recuassem para que tudo voltasse à calmaria inicial. Penso que um parágrafo descrevendo tal cena é uma grande heresia, com essa que é uma das cenas mais geniais que já vi algum diretor ousar a filmar, e ainda com uma naturalidade inexplicável que somente Tarr consegue reproduzir com tanta perfeição em seus filmes.
   A trilha sonora também não deixa a desejar, sutil como todo o resto do conjunto da obra, porém tão envolvente quanto a trama. Músicas instrumentais que passam até por Yann Tiersen, que dão às cenas fortes e impactantes uma realidade e naturalidade raramente vistas antes em alguma película.
   O final não poderia ser mais original e chocante: János, louco e catatônico no outrora destruído hospital, ouvindo palavras de conforto do seu tio, que foi um dos únicos a resistir sem punição ao ataque dos seguidores do Príncipe. Além de uma das cenas mais introspectivas e profundas que presenciei: o silêncio que se transforma em diálogo, os suspiros que fazem-se monólogos, Eszter contemplando a onipotência da baleia, já em decomposição, abandonada na praça do mercado da cidade. Enfim, um filme para se fazer notar.

   Para aqueles que nunca ouviram falar do Tarr, existe um curta do mesmo no YouTube, que apesar de ter apenas 5 minutos, já define bem o seu estilo: introspecção, movimentos sutis de câmera, trilha sonora envolvente, silêncio que diz muito, além da população húngara que o diretor em questão trata. Um povo sofrido, quase sempre rural, desfavorecidos com o pós-guerra e em busca de uma perspectiva que valha realmente a pena para suas vidas.
   O curta em questão chama-se "Prologue", e faz parte de uma série chamada "Visions of Europe", onde diferentes diretores de diferentes países da União Européia tentam exprimir em apenas cinco minutos a visão que tem sobre o seu país diante da Europa.

Prólogue: http://www.youtube.com/watch?v=Z_mz39I88x4
Imagem para ilustrar a resenha do Werckmeister: http://i15.photobucket.com/albums/a400/fukk2/bscap0042-1.jpg

    Source: geocities.com/br/acidseth

               ( geocities.com/br)