O que há de novo em Bossa Nova?
Segundo o crítico de cinema Jean-Claude Bernardet, o cinema brasileiro
tem dois caminhos possíveis a seguir diante da dominação
mercadológica do (mau) cinema norte-americano: o primeiro é
oferecer ao público brasileiro um filme que o cinema norte-americano
não é capaz de produzir, ou seja, investir na originalidade
do cinema brasileiro; o segundo é oferecer ao público brasileiro
um filme nos moldes norte-americanos, tentando assim dividir ou pelo menos
disputar uma fatia deste mercado bastante monopolizado. Bruno Barreto,
com Bossa Nova, parece ter optado pela segunda opção.
Jean-Claude Bernardet estava se referindo ao movimento cinematográfico
de uma outra época, mais especificamente, os anos 60-70. Seu diagnóstico
se aplica a um período cultural diferente, tanto em termos de idéias
quanto no âmbito da indústria cinematográfica. Mesmo
assim, ele nos é imensamente útil, pois abre algumas possibilidades
para se pensar o que é realmente um filme brasileiro.
Nos anos 60 e 70 fazia todo o sentido procurar os caminhos do cinema
brasileiro. Por um lado, vivia-se um regime de liberdade civil e cultural
restrita, combinada com uma radicalização da procura pelo
que era popular e nacional nas manifestações artísticas.
Por outro lado, os cineastas sabiam que tinham limitações
técnicas intransponíveis se comparadas às já
imensas possibilidades da cinematografia norte-americana. Neste ponto,
não nos enganemos: nem a Europa poderia querer se igualar aos feitos
do cinema yankee.
A precariedade de tecnologia, aliada à genialidade de cineastas
como Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos e Rogério Sganzerla,
transformou-se para o bom cinema brasileiro num recurso artístico
original e absolutamente viável – como as dezenas de prêmios
em festivais internacionais como Cannes ajudam a mostrar. Um exemplo, do
cinema brasileiro ainda dos anos 50, é Rio 40 º, de Nelson
Pereira dos Santos, que montou uma república com os atores e técnicos
do filme na qual só não se passava fome quando um mecenas
aparecia com um pouco de macarrão. A meu ver, trata-se de uma das
obras primas do cinema brasileiro, na qual a falta de dinheiro transparece
na tela mas que obrigou o diretor a adotar recursos de sobrevivência
indispensáveis à boa qualidade o filme.
Bossa Nova, ao contrário, quer destruir as ilusões da
precariedade como recurso estético. Bruno Barreto, diretor do medíocre
O Quatrilho, quer saber do que é bonito aos olhos, e o Rio de Janeiro
se transforma num paraíso. Nada de mal em se querer realizar um
filme fotograficamente perfeito. O problema é que quanto ao resto
o filme é absolutamente convencional, realizado segundo as normas
de um cinema americano descartável como qualquer outra mercadoria
que se agarra desesperadamente à avidez dos consumidores, ou melhor,
dos consumidores que perderam qualquer capacidade de consumir as fórmulas
não exaustivamente testadas. Não se pode, porém, acusar
Bruno Barreto de simplesmente enganar o amante do cinema brasileiro: a
filiação de sua produção aparece clara no subtítulo
do filme – a diferença entre amor e love – de onde deduzimos que
love é algo bem mais desejável do que um simples e terceiro-mundista
amor. Não é de se estranhar, portanto, os encontros ridiculamente
fortuitos de umas quinze ( ! ) pessoas que se amam num aeroporto ou num
hospital, ou a sensação de encontrar no casal Antônio
Fagundes/Amy Irving um não sei quê de Tom Hanks/Meg Ryan.
Curiosamente – ou não tão curiosamente assim – o historiador
Tinhorão diz que a bossa nova é na verdade jazz, que no Brasil
adquiriu uma forma aparentemente autêntica ao encontrar-se com a
genialidade de João Gilberto. Para ele a bossa nova é, portanto,
apenas música americana, o que não quer dizer que ela seja
ruim, apenas que não é brasileira.
Bossa Nova também não é um filme exatamente ruim.
Bruno Barreto apenas frustra aqueles que acreditam que o cinema brasileiro
tem condições dar ao mundo um produto original, como efetivamente
já deu e foi reconhecido por isso. Ainda bem que o cinema brasileiro
atual não vive apenas de Bruno Barreto. Resta, porém, algo
de bom no filme: se ao final o espectador sentir desprezo por aquela felicidade
água com açúcar estilo ‘filme com a Julia Roberts’
ele poderá ao menos se deliciar com Djavan cantando Tom Jobim, ou
seja aproveitar aquela bossa nova que ainda mantém a qualidade.
Marina Soler Jorge
O Melhor para mim até agora é o
"Magnólia", com várias seqüências fortes
e que tem uma trilha muito boa mesmo com uma música do Animals"
que tá fácil no Napster e é marcante.... e se chama
The House of Rising Sun.
Outro bom é "One Million Dollar Hotel",
com roteiro do Bono Vox...e direção de Win Wenders.
"O Gladiador" tem uma boa plástica,
mas insere conceitos cristãos no mundo romano, aí não
dá.... Um bom e forte filme é Cronicamente inviável,
de Sérgio Bianchi, que trata da completa inviabilidade do país,
da política da felicidade nordestina, ou baiana e do destrato total
que nós temos para connosco....
Mais antiguinho um pouco, mas não menos
fudido
é
"O Verão de Sam" de Spike Lee, que narra o verão de
77, ano em que o sr. Giulliani ainda não era o Garotinho de Manhatan...
É triste mas os filmes brasileiros ainda
precisam ser legendados, como "O Dia da Caça" e também deixar
de pensar que mostrar paisagens é o nosso forte, como "Oriundi",
e tantos outros....Quanto a "Bossa Nova" endosso as palavras da Marina.
Ipanema é Beverly Hills, o Jardim Botânico é Hollywood
e Baywatch é Malhação.... Gostei também de
"Asterix e Obelix", que vale como sessão da tarde.
Ademar
Santo muito forte !!!
Corra para ver o último filme de Eduardo Coutinho (diretor de
‘Cabra marcado pra morrer’). Trata-se de um documentário sobre as
religiões que professam alguns moradores de um morro carioca (não
me lembro qual) e as experiências místicas e/ou materiais
que fazem com que eles se aproximem mais de uma ou de outra religião.
Pode-se ver, a partir do filme de Eduardo Coutinho, que a religiosidade
do brasileiro não é algo fácil de ser compreendida.
O diretor, na verdade, também não consegue compreendê-la,
mas podemos perceber claramente que não é este seu objetivo.
O
que Santo Forte quer é dar voz aos deuses e santos que habitam o
imaginário do brasileiro.
A religião não é apenas o ópio do povo!!!
O componente de alienação está, sim, presente no documentário,
mas não é mais ou menos importante que os outros motivos
que levam as pessoas a se envolverem em atividades religiosas além
desta função entorpecente. É possível perceber
que muitos dos entrevistados abraçam a religião por motivos
utilitaristas: querem algo em troca da sua devoção, seja
material ou espiritual – como os próprios africanos que vinham como
escravos ao Brasil e logo procuravam ser batizados pois isto lhes conferia
um certo status entre os senhores e os demais escravos. Outros, freqüentam
Igrejas, terreiros, etc, por sentirem um prazer visual em determinadas
atividades coletivas. É desta forma que um católico diz ir
ao terreiro simplesmente por “gostar”: ele gosta da festa, da música,
dos ritos.
Eduardo Coutinho mostra em seu filme alguns momentos da sua produção:
a equipe andando no morro, batendo nas portas das casas dos entrevistados,
e pagando aos entrevistados uma certa quantia de dinheiro pela disponibilidade
para fazer a entrevista (pagar aos entrevistados é uma prática
comum em documentários). A importância da visualização
da produção é imensa: permite que o cineasta discuta
a inserção do artista no modo de produção artístico
(como quer Walter Benjamin na conferência O autor como produtor).
Deste modo, até seus erros em alguns momentos – como direcionar
a resposta do entrevistado a partir de sua pergunta – podem ser entendidos
como um momento inerente da produção artística no
capitalismo que, como de resto qualquer atividade produtiva capitalista,
separa o proprietário dos meios de produção – a câmera,
o equipamento, o saber cinematográfico – daquele sob o qual incide
o trabalho.
(Santo Forte em cartaz no Paradiso)
Marina Soler Jorge
"Cronicamente Viado" ou "Vocês precisam saber a verdade: vocês não têm futuro !!!!"
Apêndice: (Esse texto busca tratar do filme "Cronicamente Inviável",
de Sérgio Bianchi, que esteve em cartaz nos últimos meses.
Ao fazer a provocação no título, espero apenas usar
das mesmas medidas que o autor fez durante o filme. Deixando clara a provocação,
vamos aos comentários do filme.)
O filme tenta mostrar que o país nunca dará certo, que
não é necessário pensar em ou ter projetos para a
construção de algo sem futuro, sem possibilidade de futuro.
O professor que trafica órgãos, a mulher de classe média
que se sente ridícula por ter "bom coração" e a senhora
que se defende de ter atropelado o menino de rua dizendo que ele a estava
atrasando são personagens que explicam a incongruência e a
inviabilidade desse país amorfo.
As idéias que o pensamento presente no filme suscita, ou pode
suscitar, são, por vezes, próximas das que os anatomistas
e antropólogos físicos tinham nos séculos XVIII e
XIX. São chavões e reducionismos que explicam as vontades
e comportamentos humanos como sendo algo previamente estabelecido, ou seja,
as pessoas que têm tal formato de cérebro devem agir de tal
modo, as limitações e capacidades de cada ser humano podem
ser determinadas pela maneira como ele é composto, a anatomia determina
gostos e ações.
O filme, aparentemente, não deseja passar essa idéia,
mas se trocarmos a lógica dos anatomistas acima apresentada pela
dos geógrafos alemães do século passado, que diziam
que o centro do mundo (europa) era a Alemanha, observaremos que passa por
aí a explicação da inviabilidade do Brasil que o autor
quer mostrar. Este é um país distante do centro de decisões
e que tem 'um povinho que - faltou ao autor citar Tom Jobim - é
uma merda', pois aceita o que vem de cima.
A verdade posta no filme é que o povinho precisa aceitar outra
novidade que vem de fora - de Bianchi. Essa novidade mostra que a luz está
no reconhecimento de que ele não tem futuro, que ele é massa
de manobra, que a classe média odeia a classe baixa, mas que esta
não pode ser ressentida porque seu sonho é fazer parte da
classe a odeia. Será que Bianchi quer a ovação do
povo por ter enfim descoberto e ter sido capaz de lhe de mostrar quão
ridículo e finito ele é ?