OBS: esta interpretação foi
retirada do livro O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO
4.
NINGUÉM
PODERÁ VER O REINO DE DEUS SE NÃO NASCER DE NOVO
1.
Jesus, tendo vindo às cercanias de Cezaréia de Filipe, interrogou
assim seus
discípulos:
"Que dizem os homens, com relação ao Filho do Homem? Quem
dizem que
eu
sou?" - Eles lhe responderam: "Dizem uns que és João
Batista; outros, que Elias;
outros,
que Jeremias, ou algum dos profetas." - Perguntou-lhes Jesus:
"E vós, quem
dizeis
que eu sou?" - Simão Pedro, tomando a palavra, respondeu:
"Tu és o Cristo, o
Filho
do Deus vivo." - Replicou-lhe Jesus: "Bem-aventurado és,
Simão, filho de Jonas,
porque
não foram a carne nem o sangue que isso te revelaram, mas meu Pai,
que está
nos
céus." (S. Mateus, cap. XVI, vv. 13 a 17; S. Marcos, cap.
VIII, vv. 27 a 30.)
2.
Nesse ínterim, Herodes, o Tetrarca, ouvira falar de tudo o que
fazia Jesus e
seu
espírito se achava em suspenso - porque uns diziam que João
Batista ressuscitara
dentre
os mortos; outros que aparecera Elias; e outros que uns dos antigos
profetas
ressuscitara.
- Disse então Herodes: "Mandei cortar a cabeça a João
Batista; quem é
então
esse de quem ouço dizer tão grandes coisas?" E ardia por
vê-lo. (S. Marcos, cap.
VI,
vv. 14 a 16; S. Lucas, cap. IX, vv. 7 a 9.)
3.
(Após a transfiguração.) Seus discípulos então o interrogam
desta forma: "Por
que
dizem os escribas ser preciso que antes volte Elias?" - Jesus
lhes respondeu: "É
verdade
que Elias há de vir e restabelecer todas as coisas: - mas, eu vos
declaro que
Elias
já veio e eles não o conheceram e o trataram como lhes aprouve. É
assim que farão
sofrer
o Filho do Homem." - Então, seus discípulos compreenderam que
fora de João
Batista
que ele falara. (S. Mateus, cap. XVII, vv. 10 a 13; - S. Marcos,
cap. IX, vv. 11 a 13.)
Ressurreição
e reencarnação
4.
A reencarnação fazia parte dos dogmas dos judeus, sob o nome de ressurreição.
Só
os
saduceus, cuja crença era a de que tudo acaba com a morte, não
acreditavam nisso. As
idéias
dos judeus sobre esse ponto, como sobre muitos outros, não eram
claramente definidas,
porque
apenas tinham vagas e incompletas noções acerca da alma e da sua
ligação com o
corpo.
Criam eles que um homem que vivera podia reviver, sem saberem
precisamente de que
maneira
o fato poderia dar-se. Designavam pelo termo ressurreição o
que o Espiritismo, mais
judiciosamente,
chama reencarnação. Com efeito, a ressurreição dá
idéia de voltar à vida o
corpo
que já está morto, o que a Ciência demonstra ser materialmente
impossível, sobretudo
quando
os elementos desse corpo já se acham desde muito tempo dispersos e
absorvidos. A
reencarnação
é a volta da alma ou
Espírito à vida corpórea, mas em outro corpo
especialmente
formado para ele e que nada tem de comum com o antigo. A palavra
ressurreição
podia assim aplicar-se a
Lázaro, mas não a Elias, nem aos outros profetas. Se,
portanto,
segundo a crença deles, João Batista era Elias, o corpo de João
não podia ser o de
Elias,
pois que João fora visto criança e seus pais eram conhecidos.
João, pois, podia ser Elias
reencarnado,
porém, não ressuscitado.
5.
Ora, entre os fariseus, havia um homem chamado Nicodememos,
senador dos
judeus
- que veio à noite ter com Jesus e lhe disse: "Mestre, sabemos
que vieste da parte
de
Deus para nos instruir como um doutor, porquanto ninguém poderia
fazer os
milagres
que fazes, se Deus não estivesse com ele."
Jesus
lhe respondeu: "Em verdade, em verdade, digo-te: Ninguém
pode ver o
reino
de Deus se não nascer de novo."
Disse-lhe
Nicodemos: "Como pode nascer um homem já velho? Pode tornar a
entrar
no ventre de sua mãe, para nascer segunda vez?"
Retorquiu-lhe
Jesus: "Em verdade, em verdade, digo-te: Se um homem não
renasce
da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus. - O que
é nascido da
carne
é carne e o que é nascido do Espírito é Espírito. - Não te
admires de que eu te haja
dito
ser preciso que nasças de novo. - O Espírito sopra onde quer e
ouves a sua voz, mas
não
sabes donde vem ele, nem para onde vai; o mesmo se dá com todo
homem que é nascido
do Espírito."
Respondeu-lhe
Nicodemos: "Como pode isso fazer-se?" - Jesus lhe
observou:
"Pois
quê! és mestre em Israel e ignoras estas coisas? Digo-te em
verdade, em verdade,
que
não dizemos senão o que sabemos e que não damos testemunho,
senão do que temos
visto.
Entretanto, não aceitas o nosso testemunho. - Mas, se não me
credes, quando vos
falo
das coisas da Terra, como me crereis, quando vos fale das coisas do
céu?"
(S.JOÃO,
cap. III, vv. 1 a 12.)
6.
A idéia de que João Batista era Elias e de que os profetas podiam
reviver na Terra
se
nos depara em muitas passagens dos Evangelhos, notadamente nas acima
reproduzidas (nº
1,
nº 2, nº 3). Se fosse errônea essa crença, Jesus não houvera
deixado de a combater, como
combateu
tantas outras. Longe disso, ele a sanciona com toda a sua autoridade
e a põe por
princípio
e como condição necessária, quando diz: "Ninguém pode ver o
reino de Deus se não
nascer
de novo." E insiste, acrescentando: Não
te admires de que eu te haja dito ser preciso
nasças
de novo.
7.
Estas palavras: Se um homem não renasce do água e do
Espírito foram
interpretadas
no sentido da regeneração pela água do batismo. O texto
primitivo, porém,
rezava
simplesmente: não renasce da água e do Espírito, ao passo
que nalgumas traduções as
palavras
- do Espírito - foram substituídas pelas seguintes: do
Santo Espírito, o que já não
corresponde
ao mesmo pensamento. Esse ponto capital ressalta dos primeiros
comentários a
que
os Evangelhos
deram
lugar, como se comprovará um dia, sem equívoco possível.
8.
Para se apanhar o verdadeiro sentido dessas palavras, cumpre também
se atente na
significação
do termo água que ali não fora empregado na acepção que
lhe é própria.
Muito
imperfeitos eram os conhecimentos dos antigos sobre as ciências
físicas. Eles
acreditavam
que a Terra saíra das águas e, por isso, consideravam a água como
elemento
gerador
absoluto. Assim é que na Gênese se lê: "O Espírito
de Deus era levado sobre as
águas;
flutuava sobre as águas; - Que o firmamento seja feito no meio das
águas; - Que as
águas
que estão debaixo do céu se reúnam em um só lugar e que apareça
o elemento árido; -Que
as
águas produzam animais vivos que nadem na água e pássaros
que voem sobre a terra e
sob
o firmamento."
Segundo
essa crença, a água se tornara o símbolo da natureza material,
como o
Espírito
era o da natureza inteligente. Estas palavras: "Se o homem não
renasce da água e do
Espírito,
ou em água e em Espírito", significam pois: "Se o homem
não renasce com seu
corpo
e sua alma." E nesse sentido que a principio as compreenderam.
Tal
interpretação se justifica, aliás, por estas outras palavras: O
que é nascido da
carne
é carne e o que é nascido do Espírito é Espírito. Jesus
estabelece aí uma
distinção
positiva entre o Espírito e o corpo. O que é nascido da carne
é carne indica
claramente
que só o corpo procede do corpo e que o Espírito independe
deste.
9.
O Espírito sopra onde quer; ouves-lhe a voz, mas não sabes nem
donde ele vem,
nem
para onde vai: pode-se
entender que se trata do Espírito de Deus, que dá vida a
quem ele
quer,
ou da alma do homem. Nesta última acepção - "não
sabes donde ele vem, nem para
onde
vai - significa que ninguém sabe o que foi, nem o que será o
Espírito. Se o Espírito, ou
alma,
fosse criado ao mesmo tempo que o corpo, saber-se-ia donde ele veio,
pois que se lhe
conheceria
o começo. Como quer que seja, essa passagem consagra o princípio
da
preexistência
da alma e, por conseguinte, o da pluralidade das existências.
10.
Ora, desde o tempo de João Batista até o presente, o reino dos
céus é tomado
pela
violência e são os violentos que o arrebatam; - pois que assim o
profetizaram todos
os
profetas até João, e também a lei. - Se quiserdes compreender o
que vos digo, ele
mesmo
é o EIias que há de vir. - Ouça-o aquele que tiver ouvidos de
ouvir.
(S.MATEUS,
cap. XI, vv. 12 a 15.)
11.
Se o princípio da reencarnação, conforme se acha expresso em S.
João, podia, a
rigor,
ser interpretado em sentido puramente místico, o mesmo já não
acontece com esta
passagem
de S. Mateus, que não permite equívoco: ELE
MESMO é o Elias que há de vir.
Não
há aí figura, nem alegoria: é uma afirmação positiva.
-"Desde o tempo de João Batista
até
o presente o reino dos céus é tomado pela violência." Que
significam essas palavras, uma
vez
que João Batista ainda vivia naquele momento? Jesus as explica,
dizendo: "Se quiserdes
compreender
o que digo, ele mesmo é o Elias que há de vir." Ora, sendo
João o próprio Elias,
Jesus
alude à época em que João vivia com o nome de Elias. "Até
ao presente o reino dos
céus
é tomado pela violência": outra alusão à violência da lei mosaica,
que ordenava o
extermínio
dos infiéis, para que os demais ganhassem a Terra Prometida,
Paraíso dos he-
breus,
ao passo que, segundo a nova lei, o céu se ganha pela caridade e
pela brandura.
E
acrescentou: Ouça aquele que tiver ouvidos de ouvir. Essas
palavras, que Jesus
tanto
repetiu, claramente dizem que nem todos estavam em condições de
compreender certas
verdades.
12.
Aqueles do vosso povo a quem a morte foi dada viverão de novo;
aqueles que
estavam
mortos em meio a mim ressuscitarão. Despertai do vosso sono e
entoai louvores
a
Deus, vós que habitais no pó; porque o orvalho que cai sobre vós
é um orvalho de luz e
porque
arruinareis a Terra e o reino dos gigantes.
(ISAÍAS,
cap. XXVI, v. 19.)
13.
E também muito explícita esta passagem de lsaías: "Aqueles
do vosso povo a
quem
a morte foi dada viverão de novo." Se o profeta houvera
querido falar da vida espiritual,
se
houvera pretendido dizer que aqueles que tinham sido executados não
estavam mortos em
Espírito,
teria dito: ainda vivem, e não: viverão de novo. No
sentido espiritual, essas palavras
seriam
um contra-senso, pois que implicariam uma interrupção na vida da
alma. No sentido
de
regeneração moral, seriam a negação das penas eternas,
pois que estabelecem, em
princípio,
que todos os que estão mortos
reviverão.
14.
Mas, quando o homem há morrido uma vez, quando seu corpo, separado
de
seu
espírito, foi consumido, que é feito dele? -Tendo morrido uma vez,
poderia o homem
reviver
de novo? Nesta guerra em que me acho todos os dias da minha vida,
espero que
chegue
a minha mutação.
(JOB,
cap. XIV, v. 10,14. Tradução de Le Maistre de Sacy.)
Quando
o homem morre, perde toda a sua força. expira. Depois, onde está
ele? -Se
o
homem morre, viverá de novo? Esperarei todos os dias de meu
combate, até que
venha
alguma mutação? (ID. Tradução protestante de Osterwald.)
Quando
o homem está morto, vive sempre; acabando os dias da minha
existência
terrestre,
esperarei, porquanto a ela voltarei de novo. (ID. Versão da Igreja
grega.)
15.
Nessas três versões, o princípio da pluralidade das existências
se acha claramente
expresso.
Ninguém poderá supor que Job haja querido falar da regeneração
pela água do
batismo,
que ele de certo não conhecia. "Tendo o homem morrido uma
vez, poderia reviver
de
novo?" A idéia de
morrer uma vez, e de reviver implica a de morrer e reviver muitas
vezes.
A versão da Igreja grega ainda é mais explícita, se é que isso
é possível: "Acabando os
dias
da minha existência terrena, esperarei, porquanto a ela
voltarei", ou, voltarei à existência
terrestre.
Isso é tão claro, como se alguém dissesse: "Saio de minha
casa, mas a ela tornarei."
"Nesta
guerra em que me encontro todos os dias de minha vida, espero que
se dê a
minha
mutação." Job, evidentemente, pretendeu referir-se à luta
que sustentava contra as
misérias
da vida. Espera a sua mutação, isto é, resigna-se. Na versão
grega, esperarei parece
aplicar-se,
preferentemente, a uma nova existência: "Quando a minha
existência estiver
acabada,
esperarei, porquanto a ela voltarei." Job como que se
coloca, após a morte, no
intervalo
que separa uma existência de outra e diz que lá aguardará o
momento de voltar.
16.
Não há, pois, duvidar de que, sob o nome de ressurreição, o
princípio da
reencarnação
era ponto de uma das crenças fundamentais dos judeus, ponto que
Jesus e os
profetas
confirmaram de modo formal; donde se segue que negar a
reencarnação é negar as
palavras
do Cristo. Um dia, porém, suas palavras, quando forem meditadas sem
idéias
preconcebidas,
reconhecer-se-ão autorizadas quanto a esse ponto, bem como em
relação a
muitos
outros.
17.
A essa autoridade, do ponto de vista religioso, se adita, do ponto
de vista
filosófico,
a das provas que resultam da observação dos fatos. Quando se trata
de remontar
dos
efeitos às causas, a reencarnação surge como de necessidade
absoluta, como condição
inerente
à Humanidade; numa palavra: como lei da Natureza. Pelos seus
resultados, ela se
evidencia,
de modo, por assim dizer,
material,
da mesma forma que o motor oculto se revela pelo movimento. Só ela
pode dizer ao
homem
donde ele vem, para onde vai, por que está na Terra, e
justificar todas as anomalias e
todas
as aparentes injustiças que a vida apresenta.
Sem
o princípio da preexistência da alma e da pluralidade das
existências, são
ininteligíveis,
em sua maioria, as máximas do Evangelho, razão por que hão dado
lugar a tão
contraditórias
interpretações. Está nesse princípio a chave que lhes
restituirá o sentido
verdadeiro.
A
reencarnação fortalece os laços de família,
ao
passo que a unicidade da existência os rompe
18.
Os laços de família não sofrem destruição alguma com a
reencarnação, como o
pensam
certas pessoas. Ao contrário, tornam-se mais fortalecidos e
apertados. O princípio
oposto,
sim, os destrói.
No
espaço, os Espíritos formam grupos ou famílias entrelaçados pela
afeição, pela
simpatia
e pela semelhança das inclinações. Ditosos por se encontrarem
juntos, esses
Espíritos
se buscam uns aos outros. A encarnação apenas momentaneamente os
separa,
porquanto,
ao regressarem à erraticidade, novamente se reúnem como amigos que
voltam de
uma
viagem. Muitas vezes, até, uns seguem a outros na encarnação,
vindo aqui reunir-se
numa
mesma família, ou num mesmo círculo, a fim de trabalharem juntos
pelo seu mútuo
adiantamento.
Se uns encarnam e outros não, nem por isso deixam de estar unidos
pelo
pensamento.
Os que se conservam livres velam pelos que se acham em cativeiro. Os
mais
adiantados
se esforçam por fazer que os retardatários progridam. Após cada
existência, todos
têm
avançado um passo na senda do aperfeiçoamento.
Cada
vez menos presos à matéria, mais viva se lhes torna a afeição
recíproca, pela razão
mesma
de que, mais depurada, não tem a perturbá-la o egoísmo, nem as
sombras das paixões.
Podem,
portanto, percorrer, assim, ilimitado número de existências
corpóreas, sem que
nenhum
golpe receba a mútua estima que os liga.
Está
bem visto que aqui se trata de afeição real, de alma a alma,
única que sobrevive à
destruição
do corpo, porquanto os seres que neste mundo se unem apenas pelos
sentidos
nenhum
motivo têm para se procurarem no mundo dos Espíritos. Duráveis
somente o são as
afeições
espirituais; as de natureza carnal se extinguem com a causa que lhes
deu origem.
Ora,
semelhante causa não subsiste no mundo dos Espíritos, enquanto a
alma existe sempre.
No
que concerne às pessoas que se unem exclusivamente por motivo de
interesse, essas nada
realmente
são umas para as outras: a morte as separa na Terra e no céu.
19.
A união e a afeição que existem entre pessoas parentes são um
índice da simpatia
anterior
que as aproximou, Daí vem que, falando-se de alguém cujo caráter,
gostos e
pendores
nenhuma semelhança apresentam com os dos seus parentes mais
próximos, se
costuma
dizer que ela não é da família. Dizendo-se isso, enuncia-se uma
verdade mais
profunda
do que se supõe. Deus permite que, nas famílias, ocorram essas
encarnações de
Espíritos
antipáticos ou estranhos, com o duplo objetivo de servir de prova
para uns e, para
outros,
de meio de progresso. Assim, os maus se melhoram pouco a pouco, ao
contacto dos
bons
e por efeito dos cuidados que se lhes dispensam. O caráter deles se
abranda, seus
costumes
se apuram, as antipatizas se esvaem. E desse modo que se opera a
fusão das
diferentes
categorias de Espíritos, como se dá na Terra com as raças e os
povos.
20.
O temor de que a parentela aumente indefinidamente, em
conseqüência da
reencarnação,
é de fundo egoístico: prova, naquele que o sente, falta de amor
bastante amplo
para
abranger grande número de pessoas. Um pai,
que
tem muitos filhos, ama-os menos do que amaria a um deles, se fosse
único? Mas,
tranqüilizem-se
os egoístas: não há fundamento para semelhante temor. Do fato de
um
homem
ter tido dez encarnações, não se segue que vá encontrar, no
mundo dos Espíritos, dez
pais,
dez mães, dez mulheres e um número proporcional de filhos e de
parentes novos. Lá
encontrará
sempre os que foram objeto da sua afeição, os quais se lhe terão
ligado na Terra, a
títulos
diversos, e, talvez, sob o mesmo título.
21.
Vejamos agora as conseqüências da doutrina antireencarcionista.
Ela,
necessariamente,
anula a preexistência da alma. Sendo estas criadas ao mesmo tempo
que os
corpos,
nenhum laço anterior há entre elas, que, nesse caso, serão
completamente estranhas
umas
às outras. O pai é estranho a seu filho. A filiação das
famílias fica assim reduzida à só
filiação
corporal, sem qualquer laço espiritual. Não há então motivo
algum para quem quer
que
seja glorificar-se de haver tido por antepassados tais ou tais
personagens ilustres. Com a
reencarnação,
ascendentes e descendentes podem já se terem conhecido, vivido
juntos,
amado,
e podem reunir-se mais tarde, a fim de apertarem entre si os laços
de simpatia.
22.
Isso quanto ao passado. Quanto ao futuro, segundo um dos dogmas
fundamentais
que
decorrem da não-reencarnação, a sorte das almas se acha
irrevogavelmente determinada,
após
uma só existência. A fixação definitiva da sorte implica a
cessação de todo progresso,
pois
desde que haja qualquer progresso já não há sorte definitiva.
Conforme tenham vivido
bem
ou mal, elas vão imediatamente para a mansão dos bem-aventurados,
ou para o inferno
eterno.
Ficam assim, imediatamente e
para sempre, separadas e sem esperança de tornarem
a
juntar-se, de forma que pais,
mães e filhos, mandos e mulheres, irmãos, irmãs e amigos
jamais
podem estar certos de se verem novamente; é a ruptura absoluta dos
laços de família.
Com
a reencarnação e progresso a que dá lugar, todos os que se amaram
tornam a
encontrar-se
na Terra e no espaço e juntos gravitam para Deus. Se alguns
fraquejam no caminho, esses retardam o seu
adiantamento
e a sua felicidade, mas não há para eles perda de toda esperança.
Ajudados,
encorajados
e amparados pelos que os amam, um dia sairão do lodaçal em que se
enterraram.
Com
a reencarnação, finalmente, há perpétua solidariedade entre os
encarnados e os
desencarnados,
e, daí, estreitamento dos laços de afeição.
23.
Em resumo, quatro alternativas se apresentam ao homem, para o seu
futuro de
além-túmulo:
1ª, o nada, de acordo com a doutrina materialista; 2ª, a
absorção no todo
universal,
de acordo com a doutrina panteísta; 3ª, a individualidade, com
fixação definitiva da
sorte,
segundo a doutrina da Igreja; 4ª, a individualidade, com
progressão indefinita,
conforme
a Doutrina Espírita. Segundo as duas primeiras, os laços de
família se rompem por
ocasião
da morte e nenhuma esperança resta às almas de se encontrarem
futuramente. Com a
terceira,
há para elas a possibilidade de se tornarem a ver, desde que sigam
para a mesma
região,
que tanto pode ser o inferno como o paraíso. Com a pluralidade das
existências,
inseparável
da progressão gradativa, há a certeza na continuidade das
relações entre os que se
amaram,
e é isso o que constitui a verdadeira família.
INSTRUÇÕES
DOS ESPÍRITOS
Limites
da encarnação
24.
Quais os limites da
encarnação?
A
bem dizer, a encarnação carece de limites precisamente traçados,
se tivermos em
vista
apenas o envoltório que constitui o corpo do Espírito, dado que a
materialidade desse
envoltório
diminui à proporção que o Espírito se purifica. Em certos mundos
mais adiantados
do
que a Terra, já ele é menos compacto, menos pesado e menos
grosseiro e, por conseguinte,
menos
sujeito a vicissitudes.
Em
grau mais elevado, é diáfano e quase fluídico. Vai
desmaterializando-se de grau em grau
e
acaba por se confundir com o perispírito. Conforme o mundo em que
é levado a viver, o
Espírito
reveste o invólucro apropriado à natureza desse mundo.
O
próprio periespírito passa por transformações sucessivas.
Torna-se cada vez mais
etéreo,
até à depuração completa, que é a condição dos puros
Espíritos. Se mundos especiais
são
destinados a Espíritos de grande adiantamento, estes últimos não
lhes ficam presos, como
nos
mundos inferiores. O estado de desprendimento em que se encontram
lhes permite ir a
toda
parte onde os chamem as missões que lhes estejam confiadas.
Se
se considerar do ponto de vista material a encarnação, tal como se
verifica na
Terra,
poder-se-á dizer que ela se limita aos mundos inferiores. Depende,
portanto, de o
Espírito
libertar-se dela mais ou menos rapidamente, trabalhando pela sua
purificação.
Deve
também considerar-se que no estado de desencarnado, isto é, no
intervalo das
existências
corporais, a situação do Espírito guarda relação com a natureza
do mundo a que o
liga
o grau do seu adiantamento. Assim, na erraticidade, é ele mais ou
menos ditoso, livre e
esclarecido,
conforme está mais ou menos desmaterializado. S. Luís. (Paris,
1859.)
Necessidade
da encarnação
25.
É um castigo a encarnação e somente os Espíritos culpados estão
sujeitos a sofrê-la?
A
passagem dos Espíritos pela vida corporal é necessária
para que eles possam
cumprir,
por meio de uma ação material, os desígnios cuja execução Deus
lhes confia. É-lhes
necessária,
a bem deles, visto que a atividade que são obrigados a exercer lhes
auxilia o
desenvolvimento
da inteligência. Sendo soberanamente justo, Deus tem de distribuir
tudo
igualmente
por todos os seus filhos; assim é que estabeleceu para todos o
mesmo ponto de
partida,
a mesma aptidão, as mesmas obrigações a cumprir
e a
mesma
liberdade de proceder. Qualquer
privilégio seria uma preferência, uma injustiça. Mas,
a
encarnação para todos os Espíritos, é apenas um estado
transitório. E uma tarefa que Deus
lhes
impõe, quando iniciam a vida, como primeira experiência do uso que
farão do livre-arbítrio.
Os
que desempenham com zelo essa tarefa transpõem rapidamente e menos
penosamente
os primeiros graus da iniciação e mais cedo gozam do fruto de seus
labores. Os
que,
ao contrário, usam mal da liberdade que Deus lhes concede retardam
a sua marcha e, tal
seja
a obstinação que demonstrem, podem prolongar indefinidamente a
necessidade da
reencarnação
e é quando se torna um castigo. - S. Luís. (Paris, 1859.)
26.
NOTA. - Uma comparação vulgar fará se compreenda melhor essa
diferença. O
escolar
não chega aos estudos superiores da Ciência, senão depois de
haver percorrido a série
das
classes que até lá o conduzirão. Essas classes, qualquer que seja
o trabalho que exijam,
são
um meio de o estudante alcançar o fim e não um castigo que se lhe
inflige. Se ele é
esforçado,
abrevia o caminho, no qual, então, menos espinhos encontra. Outro
tanto não
sucede
àquele a quem a negligência e a preguiça obrigam a passar
duplamente por certas
classes.
Não é o trabalho da classe que constitui a punição; esta se acha
na obrigação de
recomeçar
o mesmo trabalho.
Assim
acontece com o homem na Terra. Para o Espírito do selvagem, que
está apenas
no
início da vida espiritual, a encarnação é um meio de ele
desenvolver a sua inteligência;
contudo,
para o homem esclarecido, em quem o senso moral se acha largamente
desenvolvido
e
que é obrigado a percorrer de novo as etapas de uma vida corpórea
cheia de angústias,
quando
já poderia ter chegado ao fim, é um castigo, pela necessidade em
que se vê de
prolongar
sua permanência em mundos inferiores e desgraçados. Aquele que, ao
contrário,
trabalha
ativamente pelo seu progresso moral, além de abreviar o tempo da
encarnação
material,
pode também transpor de uma só vez os degraus intermédios que o
separam dos mundos superiores.
Não
poderiam os Espíritos encarnar uma única vez em determinado globo
e preencher
em
esferas diferentes suas diferentes existências? Semelhante modo de
ver só seria
admissível
se, na Terra, todos os homens estivessem exatamente no mesmo nível
intelectual e
moral.
As diferenças que há entre eles, desde o selvagem ao homem
civilizado, mostram
quais
os degraus que têm de subir. A encarnação, aliás, precisa ter um
fim útil. Ora, qual seria
o
das encarnações efêmeras das crianças que morrem em tenra idade?
Teriam sofrido sem
proveito
para si, nem para outrem. Deus, cujas leis todas são soberanamente
sábias, nada faz
de
inútil. Pela reencarnação no mesmo globo, quis ele que os mesmos
Espíritos, pondo-se
novamente
em contacto, tivessem ensejo de reparar seus danos recíprocos. Por
meio das suas
relações
anteriores, quis, além disso, estabelecer sobre base espiritual os
laços de família e
apoiar
numa lei natural os princípios da solidariedade, da fraternidade e
da igualdade.
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