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ENTREVISTAS
ENTREVISTA COM ALAN MOORE
Por Benoît Mouchart
Benoît Mouchart: Alan Moore, o que são os
quadrinhos para você?
Alan Moore: Para mim, os quadrinhos são uma forma de arte
de tremenda importância, mas que são extremamente marginalizados,
vistos como sem importância. Quanto mais os vejo, mais interessantes
eles se tornam. Me ocorreu que os quadrinhos são talvez a primeira
forma de arte humana, que uma seqüência de gravuras contando
uma história deve ser uma das mais velhas formas de linguagem,
seja falando sobre hieróglifos egípcios ou ideogramas chineses.
Você está falando sobre uma coisa muita velha e fundamental;
se você olhar através da história, poderá ver
quadrinhos em toda parte - figuras seqüênciais sendo utilizadas.
A palavra em si é uma tecnologia de maciça importância.
Esta combinação de palavras e gravuras é uma tecnologia
que está relativamente em sua infância, apesar de ter milhares
de anos de idade, porque tem sido ignorada. Outros campos têm recebido
mais atenção e talvez por isso tenham progredido mais. Há
ainda tanto que pode ser feito com os quadrinhos, ainda novas formas que
podem ser alcançadas e imaginadas. Eu os tenho feito por vinte
anos; não estou nem perto de alcançar o limite de o que
os quadrinhos podem fazer. A poesia romântica foi muito importante
a menos de duzentos anos atrás, e os poetas românticos foram
pop stars, e então se tornou uma forma de arte esquecida e fora
de moda. E mesmo assim, se você quiser, ainda é completamente
possível escrever um poema romântico. Não está
morto enquanto alguém quiser escrever. O mesmo vale para os quadrinhos.
Mesmo que os refletores da atenção pública se movam
para longe, de maneira alguma me perturbarei com isso. Eles ainda são
uma forma de arte aonde possa ver potencial. É possível
que isso deva soar arrogante, mas é a única coisa na qual
eu estou interessado. Se posso ver potencial ali, então há
potencial, não importa se outras pessoas não consigam ver
isso. De fato, provavelmente devo ter sido o único que podia ver
isto. Apesar dos quadrinhos não serem as únicas coisas que
eu faça, é uma das minhas mídias favoritas. Não
posso imaginar um ponto no futuro onde eu possa abandonar completamente
os quadrinhos por outra mídia. Penso que há muito mais para
eu continuar trabalhando com diferentes combinações de palavras
e imagens até o fim de meus dias. É um oceano sem limites
no qual posso me perder; Eu realmente gostaria de ver mais algumas pessoas
tomando essa iniciativa.
BM: Como você trabalha em seus roteiros?
AM: Basicamente começo por desenhar pequenos esboços
da página. Eu preparo os quadrinhos para dizer ao artista onde
tudo está, certificando-se que o diálogo encaixa perfeitamente,
e então transformo esses esboços em um texto altamente detalhado
para o artista, que nunca realmente vê os esboços. Todos
os elementos da história estão projetados. Como eu transformo
os desenhos esboçados em descrições, meus textos
são muito compridos. Uma página de quadrinho é provavelmente
duas ou três páginas do roteiro, ou mais. Às Vezes,
ele leva muitas palavras para descrever essas coisas. Ao menos nesse caminho,
estou no controle de todo o processo. Ao invés de somente sentar
com uma caneta e um bloco de notas, posso imaginar o trabalho todo finalizado,
em todos os detalhes. Os efeitos do letreamento, a colocação
das personagens, a iluminação, a colorização
se necessário. Isso me dá muito do controle, que é
o caminho que sempre trabalhei e o caminho que provavelmente irei trabalhar.
BM: Como você explica que os quadrinhos são geralmente
enfocados mais na forma gráfica do que na forma narrativa?
AM: Quando você está trabalhando com quadrinhos,
o único caminho de realmente se trabalhar não é pensar
apenas no texto ou no visual, mas em todo os elementos integrados. Há
uma espécie de gramática de quadrinhos que não é
baseada nas gravuras ou nas palavras; é baseado no que elas - as
gravuras e palavras - fazem unidas em justaposição. Está
é a verdadeira linguagem, e está além de somente
o texto ou as imagens. Se você compreende essa linguagem, então
você pode produzir trabalhos integrados. A maioria dos grandes trabalhos
em quadrinhos têm sido feitos por um indivíduo. Tem surgido
alguns maravilhoso escritores/autores que também têm feito
algumas colaborações maravilhosas. Eu poderia pensar que
os artistas em quadrinhos têm feito alguns trabalhos maravilhosos,
que não há escassez de grandes artistas nesse meio. Entretanto,
não há escritores tão hábeis quanto os desenhistas
com quem eles têm trabalhando. Isso não desmerece nenhum
escritor; alguns fazem seu melhor e produzem muitas histórias poderosas.
Para muitos do meio, talvez isso não ajude, mas sinto que há
uma certa preguiça envolvida. Para conseguir o controle sobre sua
própria linguagem dos quadrinhos, o escritor tem que se dedicar
à muito trabalho. Deve ser por que não parece surgir muitos
outros exemplos. Há alguns talentos muitos jovens interessantes
lá fora, talvez no futuro haja mais quadrinhos onde os valores
da história e elementos de texto sejam mais compreendidos.
BM: Recentemente, você disse que se os quadrinhos estão
se tornando marginais, então isso pode ser uma boa coisa. Na França,
Do Inferno tem sido aclamado pela critica. Isso agrada ou preocupa
você?
AM: Bem, é sempre bom ser criticamente bem considerado.
Pessoalmente, não me importa o quanto. Penso que é uma boa
coisa se um livro em quadrinhos pode alcançar algum tipo de aceitação
da crítica sem ser parte de uma onda maciçamente comercial.
Nos anos oitenta, com a publicação de relativamente poucos
trabalhos, havia a ilusão de uma renascença. De fato, havia
dois ou três caras com trabalhos acima da média e o pessoal
do marketing trabalhando em cima de um conceito - a Graphic Novel. Eles
empacotaram velhos gibis que não tinham uma grande aceitação,
colocaram em suas capas plastificadas um preço cinco vezes maior,
chamaram de Graphic Novel, saturaram a coisa toda e mais ou menos a levaram
até a morte. Acho que desta vez seria bom se algo como Do Inferno
possa apenas ser visto como um bom trabalho sem estar envolvido com esse
enorme truque de marketing.
BM: Jack, o Estripador é um personagem que tem fascinado
muitos escritores. Mas você é o primeiro que deu a ele um
status simbólico: o nascimento do século XX.
AM: Quando decidi que eu poderia gostar de lidar com um assassinato
como a base de um trabalho, parte de mim estava desejando fazer alguma
coisa diferente dos outros escritores. Me ocorreu que graças aos
escritores de contos policiais britânicos, assassinatos tinham se
tornado uma espécie de jogo de palavras, uma coisa que você
poderia discutir em um chá com o vigário em sua majestosa
casa. Tudo o que tradicionalmente importava em um assassinato era quem
o fez, como o fez, por que o fez; era como um jogo de tabuleiro.
Há mais em um assassinato como um evento humano que isso. Um assassinato
pode apenas ser resolvido no mais estrito sentido retórico; não
há nenhuma solução real para um assassinato. Me ocorreu
que para dar a um assassinato sua dimensão total você teria
que olhar como ele afeta e foi afetado pela sociedade no qual ocorreu,
você quase que tem de conectá-lo ao mundo em que ocorreu.
Isso não seria resolver um assassinato; isso seria um problema
de resolver o mundo. Essa foi minha aproximação, no momento
em que lidei com os assassinatos do Estripador. Eu vi como os contextos
nos quais ocorreram esses eventos conectam a história em diversas
áreas: a política, a mitologia, a cidade em si, que deu-me
um amplo cenário para explorar muitas dessas questões. É
apenas meu modo de encarar um assassinato. Tudo está conectado
em um certo sentido. Se posso retratar apropriadamente o assassinato como
um símbolo do século XX, então isso dá um
significado às mentes das pessoas, elevando-o acima de outras listas
de mortos e feridos. Há algo em muitos dos livros de crime reais
sobre assassinato que é um tanto mórbido, que listam os
detalhes horripilantes repetidas vezes. Tenho centenas de livros sobre
crimes verdadeiros e assassinatos verdadeiros. Me ocorreu que seria um
pouco mais criativo tentar dar um sentido a esses assassinatos; suponho
que esse foi meu compromisso com Do Inferno. Acho que com a ajuda
de Eddie Campbell, nós provavelmente alcançamos algo
muito próximo de nosso objetivo.
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