|
|
ENTREVISTAS
NÓS PRECISAMOS DE OUTRO HERÓI
Por Sridhar Pappu - 18 de Outubro de 2000
Quatorze anos depois de dissecar brilhantemente os moribundos
quadrinhos americanos, Alan Moore, o criador de Watchmen,
quer reconstruí-los.
Alan Moore colocou um tornado em movimento, 14 anos atrás,
e agora ele quer consertar os danos - com um gorila falante.
Em 1986, o legendário autor de revistas em quadrinhos mudou para
sempre o gênero com Watchmen, uma maxissérie de 12
partes na qual super-heróis transformados em estupradores, racistas
e lacaios de Richard Nixon são caçados nos dias que
antecedem uma terceira guerra mundial. Esta série foi lida por
pessoas que nunca leram quadrinhos antes e nunca mais o fariam novamente.
Ela influenciou uma geração de escritores de quadrinhos
para tornar homens encapuzados que um dia foram combatentes do crime em
inválidos emocionais.
Ela também transformou Moore na primeira estrela pop do
meio, maior até que os personagens das páginas das revistas.
Agora, ele está usando esse status em seu mais recente esforço:
toda uma linha de quadrinhos cujo único objetivo é reconstruir
os super-heróis para fazê-los novamente merecedores de nossa
atenção.
Isto não é só uma preocupação estética.
Tendo se estabelecido o mercado direto nos anos oitenta para melhor
servir o público leitor existente, onde as comic shops tinham acesso
mais rápido às revistas do que as bancas de jornal, a indústria
dos quadrinhos começou uma longa década perseguindo a autodestruição.
Entre 1990 e 1993, o número de comic shops na América do
Norte subiu de 3.000 para 10.000, abastecidas pela enganosa esperança
de recompensa financeira de seus clientes. Quarenta e oito milhões
de quadrinhos foram vendidos em abril de 1993, ajudando as vendas daquele
ano a alcançarem a quantia de $850.000.000.
As vendas prosperaram até que, baseadas em produtos bastante supérfluos,
invariavelmente terminaram. Em janeiro de 1994, 1.000 comic shops, ou
um décimo de todas as comic shops da América do Norte, saíram
do negócio, seguidas por 11 das 12 distribuidoras que as serviam.
A Marvel, lar do Homem-Aranha e do Hulk, e que teve
um rendimento de $415 milhões em 1993, viu suas ações
perderem 90 por cento de seu valor, forçando a companhia a pedir
concordata. Ano passado, a indústria, como um todo, calculou uma
média de aproximadamente 7 milhões de cópias por
mês em vendas.
O mais irritante é que os quadrinhos perderam o seu senso de auto-preservação.
Eles se tornaram o domínio quase exclusivo de lojas especializadas,
ficaram exorbitantemente caros em comparação com outras
formas de entretenimento e as linhas de suas história dependiam
de 10 anos ou mais de leitura prévia para que alguém pudesse
entender. E pensar que, uma vez, nós trouxemos os quadrinhos mais
pra perto de nossas vidas, até sermos capazes de acreditar que
um cientista de um planeta condenado pudesse nos entrega um menino que
poderia mudar o curso dos rios e poderia correr mais rápidos do
que balas.
Esperando por Moore no salão de entrada do Gran Hotel
de Northampton, Inglaterra, estou preparado para me sentir intimidado.
Esta prontidão não vem de nada além de um enervante
exame em suas fotografias publicitárias, mais assombrante do que
descrever Moore através do olha de uma máquina fotográfica,
sua longa barba fluindo na escuridão, só com o lado esquerdo
de sua face visível, como se ele estivesse suspenso num vazio sombrio.
Além disso, eu sei que ele não faz nenhuma aparição
pessoal, não se socializa com fan boys e não freqüenta
convenções de quadrinhos. Ele tem raras aparições
na TV e ainda mais raras saídas de seu país.
PENSEM DUAS VEZES ANTES DE MOSTRAR ISTO À SEUS FILHOS...
Assim, eu voei de minha casa, em Chicago, para Londres, pegando então
um trem durante uma hora e meia pela zona rural inglesa até um
lugar a apenas 68 milhas do coração social e político
do Reino Unido mas que, à primeira vista, é tão estrangeiro
e afastado quanto Guam (ilha do oceano pacífico). Fundada pelos
Saxões no ano 700, é uma cidade industrial, mas toda pavimentada
com paralelepípedos em seu centro. É o tipo de lugar onde
as pálidas pedras calcárias e arcos desgastados da Igreja
de Todos os Santos fica de frente à uma loja de eletrônicos,
do outro lado da rua, uma comunidade onde é difícil encontrar
alguém com menos de 30 anos depois de escurecer. Deixe sua janela
aberta à noite e você ouvirá românticas disputas
e brigas dos freqüentadores de pubs que acabaram de fechar até
as 4 pela manhã.
Tudo isso me deixa com o que o editor da Harper, Lewis Lapham,
uma vez descreveu como a desesperada inocência de um verdadeiro
crente, desejoso de percorrer qualquer distância para se sentar
perto dos pés de um ser espiritual com o qual se identifica. Isto
é o que Watchmen fez de Moore aos olhos dos fãs
de quadrinhos: o homem que fez quadrinhos que desaprovam os que não
sabem ler ou descrever algo desfrutável. Uma HQ de Alan Moore
na mão nos presenteia com um pouco de redenção.
Iniciada na metade dos anos 80 em uma Nova Iorque alternativa, Watchmen,
pergunta o que teria acontecido a nós se heróis fantasiados
realmente existissem em nossa realidade ao mesmo tempo que eles tivessem
se apresentado à consciência popular americana nos anos trinta.
Ela mostra heróis envelhecidos que perderam a fé do público,
contra o fundo de um guerra nuclear iminente. A série recebeu uma
surpreendente aclamação das revistas Time, Rolling
Stone e The Nation. Uma manchete na Tribuna de Chicago
declarou-a como uma revista em quadrinhos tão emocionante quanto
Dickens, mas advertiu aos leitores para pensar duas vezes antes que
mostrassem esta revista a seus filhos.
Moore, pouco mais de um metro e oitenta de altura, com longos
cabelos que ultrapassam seus ombros e uma barba que parece cobrir seu
tórax, acaba de chegar. Sim, ele está completamente vestido
de preto e carrega uma bengala em forma de uma cobra. Ele tem grossos
anéis metálicos em todos seus dedos, mas também o
ar de um advogado inglês de bochechas coradas que acabou de voltar
à Europa, girando sua cobra em círculos enquanto fala, um
contador de histórias que tenta dispor os lugares que ele viu no
mapa da sua imaginação.
Durante o almoço, Moore diz que seu atual empenho - os
Melhores Quadrinhos da América (ABC) - veio até ele
quase misticamente, depois do colapso, em 1998, da Awesome Entertainment,
que publicava seu projeto Supremo. Pensando no que viria em seguida,
Moore abriu um de seus cadernos de anotações nos
quais ele ocasionalmente rabisca detalhados diálogos para seus
personagens, e lá ele achou uma lista de nomes.
Tom Strong. Promethea. Greyshirt. Jack B. Quick.
A Liga dos Cavalheiros Extraordinários. Top 10. Ele
não tinha se lembrado de ter escrito esses, mas eles estavam em
sua mão. E parecia-lhe que os nomes deles tiveram um certo grau
de ressonância, que eles quiseram refletir um tempo na alvorada
da História da histórias em quadrinhos, antes dos criadores
do Super-homem, Jerry Siegel e Joe Shuster, por acidente,
realmente, mudarem a América para sempre e para melhor.
Essência foi o que o tinha atraído ali - levando em consideração
apenas o plano central do que faz os super-heróis atraentes e fundindo
isso com uma progressiva sensibilidade - algo que pode ser retrógrado
e de vanguarda ao mesmo tempo. Assim você pega o melhor do que os
quadrinhos um dia foram, um tipo de destilado que de algum modo se faz
de combustível para os quadrinhos.
Não, ele completa, soar tão arrogante sobre algo
que é apenas uma besteira de uma revista de super-herói.
VOLTAR
------------- 2
DE 3
|
|