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TEXTOS SELECIONADOS
O QUE É A REALIDADE?
FUMAÇA SANTA é a transcrição de uma
curta aparição de Alan Moore no LONDON WEEKEND
TELEVISION, no qual ele é convidado a compartilhar sua resposta
pessoal à pergunta perene o que é a realidade?
Realidade, à primeira vista, é uma coisa simples: a televisão
que fala agora com você é real. Seu corpo afundado numa cadeira
quando a meia-noite se aproxima, um relógio que faz tique-taque
no limiar da consciência. Todo o detalhe infinito de um mundo sólido
e material que o cerca. Estas coisas existem. Elas podem ser medidas com
uma jarda, um voltímetro, uma balança. Estas coisas são
reais.
Então há a mente, meio focalizada na televisão,
o sofá, o relógio. Este fantasmagórico nó
de memórias, idéias e sentimentos que chamamos de nós
mesmos, também existe, embora não dentro do mundo mensurável
que nossa ciência pode descrever. Consciência é inquantificável,
um fantasma na máquina, quase não considerado real, apesar,
de certo modo, ser este flutuante mosaico de consciência a única
verdadeira realidade que nós podemos entender.
O aqui-e-agora demanda atenção, está mais presente
para nós. Nós consideramos o mundo interno de nossas idéias
como menos importante, embora a maior parte de nossa realidade física
imediata tenha se originado apenas na mente. A televisão, o sofá,
o relógio e o quarto e toda a cultura que os contêm uma vez
não foram nada além de idéias. Existência material
é completamente fundada no reino fantasma da mente, cujas natureza
e geografia se mantém inexploradas.
Antes que a Idade de Razão fosse anunciada, a humanidade tinha
polido estratégias para interagir com o mundo do imaginário
e do invisível: complicados sistemas mágicos; abrangentes
panteões de deuses e espíritos, imagens e nomes que nós
classificamos como poderosas forças internas, de forma que poderíamos
entendê-las melhor. Intelecto, emoção e pensamentos
inconscientes foram feitos divindades ou demônios de forma que nós,
como Fausto, pudessemos entender melhor; interagir com eles; nos transformar
neles. Culturas antigas não adoravam ídolos. As estátuas
de seus deuses representaram estados ideais que, quando sob constante
meditação, alguém poderia aspirar.
A Ciência prova que nunca houve uma sereia, um Krishna de
pele azulada ou uma virgem dando à luz em nossa realidade física.
Apesar de o pensamento ser real, é o domínio do pensamento
o único lugar onde deuses indivisíveis exercem tremendo
poder. Se Afrodite fosse um mito e o amor apenas um conceito, então
isso negaria os crimes e os gestos de carinho e as canções
feitas em nome do amor? Se o Cristo, alguma vez , tivesse sido
considerado apenas ficção, uma idéia divina, isto
invalidaria as mudanças sociais inspiradas por esta idéia,
feito das guerras santas menos terríveis ou o aperfeiçoamento
humano menos real, menos sagrado?
O mundo das idéias é, de certo modo, mais profundo e mais
verdadeiro que a realidade; esta televisão sólida é
menos significante que a idéia de televisão. Idéias,
ao contrário de estruturas sólidas distintas, não
perecem. Elas permanecem imortais, imateriais e em todos lugares, assim
como todas as coisas divinas. Idéias são uma paisagem dourada
e selvagem onde vagamos inadvertidamente sem um mapa. Tenha cuidado: em
última análise, a realidade pode ser exatamente o que achamos
que ela seja.
Alan Moore
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