SwordDancer

A maioria das histórias que vem do deserto falam sobre dor ou são sobre pessoas solitárias. Talvez seja por isso que o chamam de “Deserto da solidão”. Outros dizem que não é por isso, mas de que me adianta ficar especulando o porque do nome, o que importa é que essa é uma história solitária, de um saltimbanco que virou espadachim e que depois, não sei como ou porque, virou herói.

Dizem que hoje em dia ele anda por ai como mendigo, ou que voltou a ser um simples dançarino itinerante, e eu tenho que confessar, que em todos esses meus 80 anos de idade, nunca vi habilidade igual a dele. Não havia mulher que não sucumbisse a seus encantos, amigo que não lhe pagasse uma boa rodada de bebidas, ou sultão em todo este deserto que não quisesse sua cabeça numa bandeja.

Seu nome mesmo poucos sabem, afinal, eu não sei o que há na cabeça desses artistas para ficar inventando nomes estranhos e só se apresentar por eles. Deve ser alguma coisa do ramo, dizem que o nome é o que faz um artista famoso ou um fracassado, que é por um bom nome que as pessoas passam a dar atenção ao que ele faz, o nome leva as estrelas como já me confessaram uma vez. Mas voltando ao nosso herói, tudo o que sei e que se auto-intitulava, SwordDancer – O Dançarino das Espadas.

***

Naquela época, Mahasuni não passava de um mercado gigantesco, com enormes tendas armadas. O que hoje são templos, antigamente eram apenas monólitos em oferendas aos deuses onde os homens oravam pelo sucesso de suas vendas. Onde hoje são as grandes pousadas e estalagens, na época não passavam de tendas de descanso ou de comida, e eu, naquela época era apenas um garoto que ajudava meu pai em uma das tendas de comida da ala leste. Mesmo assim, Mahasuni já era muito conhecida e visitada por pessoas de todas as partes do mundo. Pessoas vindas de todos os cantos chegavam para negociar no grande deserto. Peles de ursos brancas como nuvens vindas do norte, iguarias das mais variadas vindas do oeste, bebidas exóticas vindas do leste e jóias marinhas que atiçavam a cobiça de todos vindas diretamente do mar ao sul, e como todo artista vai onde o povo está, lá, no grande mercado era cheio deles.

Saltimbancos, dançarinos e dançarinas, magos poderosos exibindo seus poderes e ilusionistas espertos mostrando ao publico que eram tão habilidosos quanto os próprios magos. Todos se apresentavam nas tendas de comida, na arena improvisada ao centro do mercado, ou em palcos próprios improvisados para suprir as necessidades de suas apresentações. Altos ou baixos, fortes ou fracos, gordos ou magros, bonitos ou feios, todos tinham sua vez ali para mostrar suas habilidades e entreter o publico.

Havia a guarda local, assim como também havia muitos bandidos por perto, e por isso todos os saltimbancos pagavam tributos ao Senhor do mercado, ou ao líder dos Ladrões, tudo dependia do tipo de apresentação que cada um fazia.

E foi numa tarde em que um vento leste soprava forte, o que diziam ser o prenuncio de uma tempestade, em que ele, que passando desapercebido, adentrou os portões de Mahasuni. Ninguém viu sua entrada, ninguém notou quando entrou no grande mercado, já que era comum pessoas entrando e saindo. Notariam se fosse alguém estranho, que chamasse a atenção, mas não era o caso. Carregava um embrulho de couro surrado, comprido e relativamente largo, amarrado com tiras de couro também. Era um moço simples vestindo apenas calças de seda tosca, sapatos gastos pelo tempo e um colete que um dia fora vermelho, mas que desbotou e escureceu pelo uso e pelo tempo até ficar marrom. Havia também uma mochila em suas costas que parecia estar cheia de coisas úteis, mas úteis somente a quem viaja por todos os lugares. Valores? Nenhum, não havia saco de moedas, anéis ou correntes, nada que fosse de prata ou ouro, nada comerciável. Apenas o embrulho de couro.

Ele andou por um tempo pela cidade e achou um lugar vago, não muito espaçoso, mas dava para o que ele pretendia. Era perto da tenda a qual eu trabalhava, e notei logo de cara que fazia muito tempo que ele não comia uma boa refeição. Acenou para as moças que dançavam para seus clientes, acenou para a mais velha no qual julgou ser a líder das dançarinas, e esperou que a apresentação terminasse. Pacientemente.

Assim que o espetáculo das dançarinas terminou, ele abriu o embrulho e de lá tirou 4 varas que estacou no chão de terra seca. Aquele seria o seu perímetro e qualquer um que entrasse ali sem cuidado, ele não se responsabilizaria por qualquer ocorrido. A multidão se formava a sua volta para ver que tipo de show ele faria, e enquanto isso, ele ia aquecendo pulsos, e braços. Pulava na ponta dos pés, alongava as pernas, as costas girava o corpo, saltava e dava mortais, mas tudo isso o publico já estava acostumado a ver, e por isso nem se mexia, ninguém o aplaudia. E ele estava ciente disso, apresentações corporais, dança e contorcionismo, só dava dinheiro a mulheres.

Então, de um movimento rápido, em um giro raso com as pernas, se apoiando em suas mãos, chutou com suavidade o que restava no embrulho de couro, que subiu em meio ao vento a e poeira, e de lá saíram duas grandes (porem simples) cimitarras, que com destreza e maestria ele as pegou ainda em pleno ar com um salto, girou no ar e caiu no chão estacando-as na terra. O povo olhou curioso e se afastou, sem saber o que esperar das duas armas. Os guardas se puseram atentos, pois nunca haviam visto o forasteiro e chegaram mais perto para ver do que se tratava. Olhavam seguros, porem também curiosos para ver o que ele faria.

Movimentando-se rapidamente, de súbito ele arrancou as duas espadas do chão e girou com delicadeza fazendo o sol refletir nas laminas. Elas brilhavam, ele brilhava, e o povo assistia maravilhado a dança que se fez naquele momento. O dançarino girava e movimentava as espadas com tamanha leveza que parecia flutuar. Guerreiros se perguntavam qual seria o peso daquelas cimitarras e se elas podiam mesmo agüentar uma luta como as espadas que eles carregavam. O dançarino aumentava a velocidade dos movimentos gradualmente, e fazia parecer se arriscar a cada movimento com suas espadas. Faziam piadas do homem, riam de suas ferramentas de trabalho, de sua dança, as vezes veloz, as vezes sensual, mas não tiravam os olhos de sua apresentação, todos eles caçoavam mas aplaudiam. As mulheres ficavam admiradas, e comentavam o numero de cicatrizes que o dançarino apresentava a cada movimento, todas elas se perguntavam se eram ferimentos dos treinos ou de batalha, e todas elas se perguntavam se ele tinha a mesma desenvoltura no meio das almofadas.

Ao terminar sua apresentação, ele estacou novamente as espadas no chão e agradeceu o publico que lhe atirou moedas de cobre no chão. Todos aplaudiam e logo a multidão foi se dispersando. Ele juntou todas as moedas, se preocupando ao máximo para não deixar nenhuma soterrada pela poeira, guardou-as em uma pequena sacola de couro que havia dentro de sua mochila e recolheu o material de sua apresentação. Primeiro as espadas, no qual se deteve um bom tempo fitando o aço em suas mãos, quase conversando com elas e as agradecendo, parecia que ele estava se lembrando de algo do passado e alquilo o fazia esboçar um leve sorriso. Guardou-as em reverencia e depois juntou as estacas, desfazendo assim seu picadeiro.
O dançarino foi então para a tenda de comidas e se sentou em uma mesa com almofadas, pedindo, a uma das moças que lhe atendia com um largo sorriso de satisfação, por algo que pudesse comer e beber. Lógico que ele não pediu prontamente, pedindo para que ela repetisse as opções com uma atenção de louco e verificando o corpo da moça com a atenção de um astrólogo. Ela vestia uma sobreposição de sedas que deixava partes de seu corpo à mostra, porem tampavam muito bem outras, e vale dizer que ela possuía belas formas, longos cabelos negros e grandes olhos castanhos, que instintivamente chamavam, e muito, a atenção de qualquer homem ali presente.

O Homem pediu carneiro assado com pimenta e uma caneca de cerveja para beber. Eu me lembro muito bem, pois fui eu mesmo quem lhe fez o prato. Radjia, a moça que havia feito seu pedido, fez questão de lhe levar o prato com a bebida, e com o dinheiro que ganhou na apresentação, pagou a refeição e a gorjeta dela. Ele era pobre, mas não poupava moeda sequer para se sentir bem, ou para encantar as mulheres com quem lidava.