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Fundamentalismo, Globalização e o Futuro da Humanidade Leonardo Boff O contexto de terrorismo e de guerra que estamos vivendo no princípio do século XXI faz circular como moeda corrente o termo fundamentalismo. Esta palavra se tornou chave explicativa e interpretativa de ações terroristas que ocorrem em diferentes regiões do mundo, especialmente naquelas onde predomina o islamismo. Acusa-se o fundamentalismo islâmico de ser o principal responsável pela terça-feira triste de 11 de setembro de 2001, com o nefasto atentado aos ícones do poder norte-americano e da cultura capitalista dominante em Washington e em Nova York: o Pentágono e as duas Torres Gêmeas. Ouviram-se, do lado dos muçulmanos, discursos com todas as características do fundamentalismo. Discursos estes revidados pelas autoridades civis e militares norte-americanas e, especialmente, pelo Presidente George W. Bush, com igual fundamentalismo. Inauguramos uma guerra de fundamentalismos? Na verdade, o termo fundamentalismo tornou-se palavra de acusação. Fundamentalista é sempre o outro. Para si mesmo prefere-se o termo "radicalismo", seja religioso, seja político, seja econômico. Com isso a intenção é dizer que se procura ir às raízes das questões para compreendê-las e, a partir daí, atacá-las, o que seria altamente positivo. Paulo Freire nos ensinou a distinguir entre radicalismo - processo de ir à raiz das questões - e sectarismo, que é a inflação de um setor da realidade ou de um aspecto da compreensão em detrimento do todo. Mas não sejamos ingênuos. Os fundamentalismos estão aí com grande ferocidade. Não podem se esconder atrás de belas expressões. Tentemos, pois, esclarecer o que seja fundamentalismo, sua relação com o processo de globalização vigente e o risco que representa para a pacífica convivência humana e para o futuro da humanidade. O fundamentalismo político de Bush e de Bin Laden Nos dias atuais, assistimos, estarrecidos, a dois tipos de fundamentalismo político. Um representado pelo presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, e outro, por Osama Bin Laden. O presidente norte-americano urde seus discursos no melhor código fundamentalista: "A luta é do bem (América) contra o mal (terrorismo islâmico). Ou se é contra o terrorismo e pela América, ou se é a favor do terrorismo e contra a América." Não há matizes nem alternativas. O ataque terrorista não foi contra os Estados Unidos, mas sim contra a humanidade, na suposição de que eles são a própria humanidade. O projeto inicial de guerra se chamava "Justiça Infinita", termo que usurpa a dimensão do divino. Depois, com menor arrogância, mas na linguagem da utopia, chamou-se de "Liberdade Duradoura". O presidente termina suas intervenções com "Deus salve a América". Igualmente fundamentalista é a retórica dos talibãs e de Osama Bin Laden. Este também coloca a guerra entre o bem (islamismo) e o mal (a América). Em seu famoso discurso após o atentado, divide o mundo entre dois campos: o campo dos fiéis e o campo dos infiéis: "O chefe dos infiéis internacionais, o símbolo mundial moderno do paganismo, é a América e seus aliados". O atentado terrorista significa, nas suas palavras, que "a América foi atacada por Deus em um dos seus órgãos vitais. Graça e gratidão a Deus". A cultura ocidental como um todo é vista como materialista, atéia, secularista, antiética e belicista. Daí a recusa em dialogar com ela e a vontade de estrangulá-la em nome do próprio Alá. Em nome de que Deus ambos falam? Não é seguramente em nome do Deus da vida, de Alá, o Grande e Misericordioso, nem em nome do Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, da paixão pelos pobres, da ternura dos humildes e da opção pelos oprimidos. Falam em nome de ídolos que produzem mortes e vivem de sangue. É próprio do fundamentalismo responder terror com terror, pois se trata de conferir vitória à única verdade e ao bem, e destruir a falsa "verdade" e o mal. Foi o que ambos, Bush e Bin Laden, fizeram. Enquanto predominarem tais fundamentalismos, seremos condenados à intolerância, à violência, à guerra e, no termo, à ameaça de dizimação da própria biosfera. Estamos numa encruzilhada da história humana. Ou se criarão relações multipolares de poder, eqüitativas e inclusivas, com pesados investimentos na qualidade total da vida para que todos possam comer, morar com mínima dignidade e apropriar-se de cultura com a qual possam se comunicar com seus semelhantes, preservando a integridade e beleza da natureza, ou iremos ao encontro do pior, quem sabe ao mesmo destino dos dinossauros. Armas para isso existem e sobra demência. Faz-se urgente mais sabedoria que poder, e mais espiritualidade que acúmulo de bens materiais. Então os povos poderão se abraçar como irmãos na mesma Casa Comum, a Terra, e irradiaremos como filhos e filhas da alegria, e não como condenados ao vale de lágrimas. Na linguagem dos filhos de Abraaão, eu lhes digo: Shalom, Shala-melek, Paz e Bem. |
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