UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
HISTÓRIA DA FILOSOFIA- PSBG III- TURMA H1.
PROFESSOR DOUTOR: PAULO FAITANIN
GRUPO: Angela dos Santos, Gabriela, Jean Souza, Carlos Magno, Pedro Santos
Uma leitura do Relativismo a partir da
noção de Verdade em São Tomás de
Aquino
Paulo Faitanin - UFF
II. A verdade é valor objetivo do conhecimento
Introdução
Argumento-base do relativismo e sua refutação com base na filosofia tomista
O relativismo filosófico e, consequentemente, as correntes que o tem como alicerce, afirmam que o conhecimento da realidade está sujeito à interpretação por parte dos indivíduos. O argumento relativista nega a existência de uma verdade absoluta, dessa forma, a realidade é mutável: os valores morais e a concepção do que é bom ou ruim, do que é aceitável ou condenável, em uma sociedade, poderão variar de acordo com as diferentes sociedades e ao longo do tempo. Valores que hoje são condenáveis em uma sociedade podem não ser no futuro.
Tomemos como exemplo de postura relativista, as afirmações do antropólogo M. J. Herskovits . Ele afirma que as avaliações (os julgamentos) que as pessoas fazem são relativas a um fundo cultural. Ou seja: uma pessoa faz um julgamento a partir dos valores de sua cultura. O julgar está sujeito à endoculturação sofrida por cada um.
Segundo esse autor, o Princípio do relativismo cultural seria:
“Os juízos baseiam-se na experiência, e a experiência é interpretada por cada indivíduo em termos de sua própria endoculturação”.(p.81)
Para Herskovits, a realidade só pode ser experimentada através do simbolismo da linguagem. Ele defende que a realidade seria definida e redefinida pelos simbolismos sempre variantes das inúmeras línguas da humanidade. Os próprios fatos do mundo físico seriam discernidos através da tela endocultural: a percepção do tempo, a distância, o peso, o tamanho e outras “realidades” se achariam condicionadas pelas convenções de um determinado grupo.
Refutando o posicionamento relativista, o pensamento de São Tomás de Aquino, cuja base filosófica se encontra em Aristóteles, afirmará que o princípio primeiro para o conhecimento da realidade é o princípio da não-contradição, o qual afirma que não há como um objeto ser e não ser ao mesmo tempo.
Dessa forma, a posição relativista, que afirma que o objeto de conhecimento pode ser interpretado de acordo com o observador, negaria o valor objetivo da realidade. Segundo o tomismo — a doutrina filosófica de São Tomás de Aquino —, o posicionamento relativista é resultado de uma exacerbação do subjetivismo.
Para o tomismo, a verdade será resultado da adequação entre o intelecto e o objeto do conhecimento, mas essa adequação não se dá de acordo com cada sujeito, de acordo com a carga cultural ou com a subjetividade de cada um: todos os seres humanos são dotados de intelecto, é isto que os difere dos animais e os define como seres dotados de racionalidade e, por compartilharem dessa racionalidade e da capacidade de buscar a verdade nas coisas que os cercam, todos os homens estarão propensos a encontrar uma verdade comum naquilo que os cerca. A existência de mais de uma verdade em um mesmo objeto é resultado de interpretações errôneas da realidade.
Para a filosofia de São Tomás de Aquino:
“[A] verdade é (...) o valor objetivo da relação de adequação do intelecto e do objeto, máxima expressão do conhecimento do ser do objeto no intelecto”.
Dessa forma, a argumentação relativista torna-se insustentável porque, além de negar o valor objetivo da realidade (de negar a possibilidade de compreensão do ser do objeto e de sua verdade única), contraria o princípio basilar do conhecimento humano, que é o princípio da não-contradição.
Nossa atitude filosófica diante do tema:
1º. Perguntar "o que " a coisa ou o valor ou a
idéia é.
2º. Perguntar "como" a coisa, a idéia ou o valor
é.
3º. Perguntar "por que " a coisa, a idéia ou o
valor existe e é como é.
"Não se aprende filosofia, mas a filosofar", já
disse Kant. A filosofia não é um conjunto de
idéias e de sistemas que possamos aprender automaticamente,
não é um passeio turístico pelas paisagens
intelectuais, mas uma decisão ou deliberação
orientada por um valor: a verdade. É o desejo do verdadeiro
que move a filosofia e suscita filosofias".
Afirmar que a verdade é um valor significa: o verdadeiro
confere às coisas, aos seres humanos, ao mundo um sentido que
não teriam se fossem considerados indiferentes à
verdade e à falsidade.
Ignorar é não saber alguma coisa. A ignorância
pode ser tão profunda que nem sequer a percebemos ou a
sentimos, isto é, não sabemos que não sabemos,
não sabemos que ignoramos. Em geral, o estado de
ignorância se mantém em nós enquanto as
crenças e opiniões que possuímos para viver e
agir no mundo se conservam como eficazes e úteis, de modo que
não temos nenhum motivo para duvidar delas, nenhum motivo para
desconfiar delas e, conseqüentemente, achamos que sabemos tudo o
que há para saber.
A incerteza é diferente da ignorância porque, na
incerteza, descobrimos que somos ignorantes, que nossas
crenças e opiniões parecem não dar conta da
realidade, que há falhas naquilo em que acreditamos e que,
durante muito tempo, nos serviu como referência para pensar e
agir. Na incerteza não sabemos o que pensar, o que dizer ou o
que fazer em certas situações ou diante de certas
coisas, pessoas, fatos, etc. Temos dúvidas, ficamos cheios
de perplexidade e somos tomados pela insegurança.
Outras vezes, estamos confiantes e seguros e, de repente, vemos
ou ouvimos alguma coisa que nos enche de espanto e de
admiração, não sabemos o que pensar ou o que
fazer com a novidade do que vimos ou ouvimos porque as
crenças, opiniões e idéias que possuímos
não dão conta do novo. O espanto e a
admiração, assim como antes a dúvida e a
perplexidade, nos fazem querer saber o que não
sabíamos, nos fazem querer sair do estado de
insegurança ou de encantamento, nos fazem perceber nossa
ignorância e criam o desejo de superar a incerteza.
Quando isso acontece, estamos na disposição de
espírito chamada busca da verdade.
O desejo da verdade aparece muito cedo nos seres humanos como
desejo de confiar nas coisas e nas pessoas, isto é, de
acreditar que as coisas são exatamente tais como as percebemos
e o que as pessoas nos dizem é digno de confiança e
crédito. Ao mesmo tempo, nossa vida cotidiana é feita
de pequenas e grandes decepções e, por isso, desde
cedo, vemos as crianças perguntarem aos adultos se tal ou qual
coisa "é de verdade ou é de mentira".
Quando uma criança ouve uma história, inventa uma
brincadeira ou um brinquedo, quando joga, vê um filme ou uma
peça teatral, está sempre atenta para saber se
"é de verdade ou de mentira", está sempre atenta para a
diferença entre o "de mentira" e a mentira propriamente dita,
isto é, para a diferença entre brincar, jogar, fingir e
faltar à confiança.
Quando uma criança brinca, joga e finge,
está criando um outro mundo, mais rico e mais belo, mais cheio
de possibilidades e invenções do que o mundo onde, de
fato, vive. Mas sabe, mesmo que não formule explicitamente tal
saber, que há uma diferença entre
imaginação e percepção, ainda que, no
caso infantil, essa diferença seja muito tênue, muito
leve, quase imperceptível - tanto assim que a criança
acredita em mundos e seres maravilhosos como parte do mundo real de
sua vida.
Por isso mesmo, a criança é muito
sensível à mentira dos adultos, pois a mentira é
diferente do "de mentira", isto é, a mentira é
diferente da imaginação e a criança se sente
ferida, magoada, angustiada quando o adulto lhe diz uma mentira,
porque, ao fazê-lo, quebra a relação de
confiança e a segurança infantis.
Quando as crianças, estamos sujeitos a duas
decepções: a de que os seres, as coisas, os mundos
maravilhosos não existem "de verdade" e a de que os adultos
podem dizer-nos falsidades e nos enganar. Essa dupla
decepção pode acarretar dois resultados opostos: ou a
criança se recusa a sair do mundo imaginário e sofre
com a realidade como alguma coisa ruim e hostil a ela; ou,
dolorosamente, aceita a distinção, mas também se
torna muito atenta e desconfiada diante da palavra dos adultos. Nesse
segundo caso, a criança também se coloca na
disposição da busca da verdade.
Nessa busca, a criança pode desejar um mundo
melhor e mais belo do que aquele em que vive e encontrar a verdade
nas obras de arte, desejando ser artista também. Ou pode
desejar saber como e por que o mundo em que vive é tal como
é e se ele poderia ser diferente ou melhor do que é.
Nesse caso, é despertado nela o desejo de conhecimento
intelectual e o da ação transformadora.
A criança não se decepciona nem se
desilude com o "faz-de-conta" porque sabe que é um
"faz-de-conta". Ela se decepciona ou se desilude quando descobre que
querem que acredite como senso "de verdade" alguma coisa que ela sabe
ou que ela supunha que fosse "de faz-de-conta", isto é,
decepciona-se e desilude-se quando descobre a mentira. Os jovens se
decepcionam e se desiludem quando descobrem que o que lhes foi
ensinado e lhes foi exigido oculta a realidade, reprime sua
liberdade, diminui sua capacidade de compreensão e de
ação. Os adultos se desiludem ou se decepcionam quando
enfrentam situações para as quais o saber adquirido, as
opiniões estabelecidas e as crenças enraizadas em sua
consciência não são suficientes para que
compreendam o que se passa nem para que possam agir ou fazer alguma
coisa.
Assim, seja na criança, seja nos jovens, seja
nos adultos, a busca da verdade está sempre ligada a uma
decepção, a uma desilusão, a uma dúvida,
a uma perplexidade, a uma insegurança ou, então, a um
espanto e uma admiração diante de algo novo e
insólito.
Em nossa sociedade, é muito difícil
despertar nas pessoas o desejo de buscar a verdade. Pode parecer
paradoxal que assim seja, pois parecemos viver numa sociedade que
acredita nas ciências, que luta por escolas, que recebe durante
24 horas diárias informações vindas de jornais,
rádios e televisões, que possui editoras, livrarias,
bibliotecas, museus, salas de cinema e de teatro, vídeos,
fotografias e computadores.
Ora, é justamente essa enorme quantidade de
veículos e formas de informação que acaba
tornando tão difícil a busca da verdade, pois todo
mundo acredita que está recebendo, de modos variados e
diferentes, informações científicas,
filosóficas, políticas, artísticas e que tais
informações são verdadeiras, sobretudo porque
tal quantidade informativa ultrapassa a experiência vivida
pelas pessoas, que, por isso, não têm meios para avaliar
o que recebem.
Bastaria, no entanto, que uma mesma pessoa, durante uma semana,
lesse de manhã quatro jornais diferentes e ouvisse três
noticiários de rádio diferentes; à tarde,
freqüentasse duas escolas diferentes, onde os mesmos cursos
estariam sendo ministrados; e, à noite, visse os
noticiários de quatro canais diferentes de televisão,
para que, comparando todas as informações recebidas,
descobrisse que elas "não batem" umas com as outras, que
há vários "mundos" e várias "sociedades"
diferentes, dependendo da fonte de informação.
Uma experiência como essa criaria perplexidade,
dúvida e incerteza. Mas as pessoas não fazem ou
não podem fazer tal experiência e por isso não
percebem que, em lugar de receber informações,
estão sendo desinformadas. E, sobretudo, como há outras
pessoas (o jornalista, o radialista, o professor, o médico, o
policial, o repórter) dizendo a elas o que devem saber, o que
podem saber, o que podem e devem fazer ou sentir, confiando na
palavra desses "emissores de mensagens", as pessoas se sentem seguras
e confiantes, e não há incerteza porque há
ignorância.
Uma outra dificuldade para fazer surgir o desejo de busca da
verdade, em nossa sociedade, vem da propaganda.
A propaganda trata todas as pessoas - crianças, jovens,
adultos, idosos - como crianças extremamente ingênuas e
crédulas. O mundo é sempre um mundo "de faz-de-conta":
nele a margarina fresca faz a família bonita, alegre, unida e
feliz; o automóvel faz o homem confiante, inteligente, belo,
sedutor, bem-sucedido nos negócios, cheio de namoradas lindas;
o desodorante faz a moça bonita, atraente, bem empregada, bem
vestida, com um belo apartamento e lindos namorados; o cigarro leva
as pessoas para belíssimas paisagens exóticas, cheias
de aventura e de negócios coroados de sucesso que terminam com
lindos jantares à luz de velas.
A propaganda nunca vende um produto dizendo o que ele é
e para que serve. Ela vende o produto rodeando-o de magias, belezas,
dando-lhe qualidades que são de outras coisas (a
criança saudável, o jovem bonito, o adulto inteligente,
o idoso feliz, a casa agradável, etc.), produzindo um eterno
"faz-de-conta".
Uma outra dificuldade para o desejo da busca da verdade vem da
atitude dos políticos nos quais as pessoas confiam, ouvindo
seus programas, suas propostas, seus projetos, enfim, dando-lhes o
voto e vendo-se, depois, ludibriadas, não só porque
não são cumpridas as promessas, mas também
porque há corrupção, mau uso do dinheiro
público, crescimento das desigualdades e das
injustiças, da miséria e da violência.
Em vista disso, a tendência das pessoas é julgar
que é impossível a verdade na política, passando
a desconfiar do valor e da necessidade da democracia e aceitando
"vender" seu voto por alguma vantagem imediata e pessoal, ou caem na
descrença e no ceticismo.
No entanto, essas dificuldades podem ter o efeito oposto, isto
é, suscitar em muitas pessoas dúvidas, incertezas,
desconfianças e desilusões que as façam desejar
conhecer a realidade, a sociedade, a ciência, as artes, a
política. Muitos começam a não aceitar o que
lhes é dito. Muitos começam a não acreditar no
que lhes é mostrado. E, como Sócrates em Atenas, começam a fazer perguntas, a indagar sobre fatos e
pessoas, coisas e situações, a exigir
explicações, a exigir liberdade de pensamento e de
conhecimento.
Para essas pessoas, surgem o desejo e a necessidade da busca da
verdade. Essa busca nasce da busca da verdade. Essa busca nasce
não só da dúvida e da incerteza, nasce
também da ação deliberada contra os
preconceitos, contra as idéias e opiniões
estabelecidas, contra crenças que paralisam a capacidade de
pensar e de agir livremente.
Podemos, dessa maneira, distinguir dois tipos de busca da
verdade. O primeiro é o que nasce da decepção,
da incerteza e da insegurança e, por si mesmo, exige que
saiamos de tal situação readquirindo certezas. O
segundo é o que nasce da deliberação ou
decisão de não aceitar as certezas e crenças
estabelecidas, de ir além delas e de encontrar
explicações, interpretações e
significados para a realidade que nos cerca. Esse segundo tipo
é a busca da verdade na atitude filosófica.
Podemos oferecer dois exemplos célebres dessa busca
filosófica. Já falamos do primeiro: Sócrates
andando pelas ruas e praças de Atenas indagando aos atenienses
o que eram as coisas e idéias em que acreditavam. O segundo
exemplo é o do filósofo Descartes.
Descartes começa sua obra filosófica fazendo um
balanço de tudo o que sabia: o que lhe fora ensinado pelos
preceptores e professores, pelos livros, pelas viagens, pelo
convívio com outras pessoas. Ao final, conclui que tudo quanto
aprendera, tudo quanto sabia e tudo quanto conhecera pela
experiência era duvidoso e incerto. Decide, então,
não aceitar nenhum desses conhecimentos, a menos que pudesse
provar racionalmente que eram certos e dignos de confiança.
Para isso, submete todos os conhecimentos existentes em sua
época e os seus próprios a um exame crítico
conhecido como dúvida metódica, declarando que
só aceitará um conhecimento, uma idéia, um fato
ou uma opinião se, passados pelo crivo da dúvida,
revelarem-se indubitáveis para o pensamento puro. Ele os
submete à análise, à dedução,
à indução, ao raciocínio e conclui que,
até o momento, há uma única verdade
indubitável que poderá ser aceita e que deverá
ser o ponto de partida para a reconstrução do
edifício do saber.
Essa única verdade é: "Penso, logo existo", pois,
se eu duvidar de que estou pensando, ainda estou pensando, visto que
duvidar é uma maneira de pensar. A consciência do
pensamento aparece, assim, como a primeira verdade indubitável
que será o alicerce para todos os conhecimentos futuros.
Nossa idéia da verdade foi construída ao longo
dos séculos, a partir de três concepções
diferentes, vindas da língua grega, da latina e da hebraica.
Em grego, verdade se diz "Aletheia", significando
não-oculto, não-escondido, não-dissimulado. O
verdadeiro é o que se manifesta aos olhos do corpo e do
espírito; a verdade é a manifestação
daquilo que é ou existe tal como é. O verdadeiro se
opõe ao falso, pseudos, que é o encoberto, o escondido,
o dissimulado, o que parece ser e não é como parece. O
verdadeiro é o evidente ou plenamente visível para a
razão.
Assim, a verdade é uma qualidade das próprias
coisas e o verdadeiro está nas próprias coisas e o
verdadeiro está nas próprias coisas. Conhecer é
ver e dizer a verdade que está na própria realidade e,
portanto, a verdade depende de que a realidade se manifeste, enquanto
a falsidade depende de que ela se esconda ou se dissimule em
aparências.
Em latim, verdade se diz
"veritas" e se refere à
precisão, ao rigor e à exatidão de um relato, no
qual se diz com detalhes, pormenores e fidelidade o que aconteceu.
Verdadeiro se refere, portanto, à linguagem enquanto narrativa
de fatos acontecidos, refere-se a enunciados que dizem fielmente as
coisas tais como foram ou aconteceram. Um relato é veraz ou
dotado de veracidade quando a linguagem enuncia os fatos reais.
A verdade depende, de um lado, da veracidade, da memória
e da acuidade mental de quem fala e, de outro, de que o enunciado
corresponda aos fatos acontecidos. A verdade não se refere
às próprias coisas e aos próprios fatos (como
acontece com a "Aletheia"), mas ao relato e ao enunciado, à
linguagem. Seu oposto, portanto, é a mentira ou a
falsificação. As coisas e os fatos ou são reais
ou imaginários; os relatos e enunciados sobre eles é
que são verdadeiros ou falsos.
Em hebraico verdade se diz "Emunah" e significa
confiança. Agora são as pessoas e é Deus quem
são verdadeiros. Um Deus verdadeiro ou amigo verdadeiro
são aqueles que cumprem o que prometem, são
fiéis à palavra dada ou a um pacto feito; enfim,
não traem a confiança.
Todas as coisas consideradas pelo intelecto possuem suas respectivas expressões intelectivas de adequação do intelecto com as coisas.
A partir de tal adequação real procura-se chegar à verdade das coisas. Deste modo podemos dizer que a verdade é um valor, mas valor objetivo: cada coisa possui o seu valor por aquilo que é; é digno de estima, independente do interesse subjetivo ou da utilidade, bem ou prazer que possam produzir. Assim o valor está ligado à dignidade que pertencem à coisa, à pessoa e à ação e que estão na origem do interesse pessoal e do preço. É um valor transcendental, porque considera como valor a essência do ser da coisa.
Quantos objetos existem, tantos serão os valores. Portanto os valores não são iguais porque há hierarquia segundo o ser, considerando-se que há graus de perfeição do ser. Então, se a verdade é uma expressão do ser e se há diversos seres, haverá diversas verdades. E se há graus de perfeição do ser, haverá graus de valor da verdade. Ou seja, ser e verdade são proporcionais segundo o valor, onde o valor máximo do ser, digno, importante, interessante e estimado é Deus.
Deus como a verdade maior, dotada de maior valor
É preciso entender a concepção de Deus como a verdade com precedência sobre todas as demais, aquela cujo ajuste do intelecto humano com o Real é capaz de propiciar o mais alto grau de valoração dentre todas as categorias possíveis e existentes. E partindo-se da premissa de que os valores não têm a mesma equivalência, seguindo-se uma hierarquia com vários graus, está, portanto, a concepção de Deus ocupando o ápice dessa escala de valores. É esta a representação do ser perfeito, aquela que agrega todas as virtudes morais que um ser humano almeja.
Porém, para se ter qualquer entendimento ou crença acerca da existência de Deus é preciso transpor a sensibilidade imediata. Tal experiência transcende a constatação empírica e representa um estágio de abstração mental, só possível aos seres dotados de racionalidade, e dentre esses ainda é necessário àqueles que se interessarem pelo tema o devido desprendimento e disposição para se chegar a algum entendimento.
É Deus a substância primeira, propulsora da vida e responsável pela ordenação do espaço universal. Não possui forma definida ou definitiva, e permeia todo o universo, regendo-o dentro de uma ordem coerente. É o ser que, além dele, não se pode pensar em outro maior. Crentes ou incrédulos de sua existência poderiam convergir para a seguinte conclusão: deve haver uma qualidade máxima de ser, que não é superável por nenhuma outra, tenha a denominação que tiver.
Além disso, toda essa idéia não precisa ter vínculo com qualquer tipo de religiosidade, é fruto apenas do exercício mental que difere de qualquer crença, tradição ou ideologia. Porém, segundo Tomás de Aquino, a comprovação ou negação de Deus por meio da experiência prática é algo impraticável, sendo possível apenas no mundo das idéias. Logo, em se experimentando uma argumentação contrária por meio da experiência empírica seria uma negligência com o princípio da não contradição, pois as propriedades atribuídas ao sujeito precisam estar no mesmo plano para que se possa concordar ou refutá-las de forma convincente e adequada.
E qualquer definição ou delimitação de sua forma ou aparência seria impraticável, pois Ele não possui limites nem tampouco forma definida. É a representação da substância máxima que rege a coordena a vida. E jamais poderemos explicar a vida pelos meios empíricos, ou seja, em hipótese alguma qualquer aglomerado de átomos de Carbono, somado com outros tantos de Hidrogênio, mais Ferro, Nitrogênio, Cálcio e etc., será suficiente para explicar a vida, pois esta transcende a qualquer explicação palpável.
Porém, para se ter qualquer entendimento ou crença acerca da existência de Deus é preciso transpor a sensibilidade imediata. Tal experiência transcende a constatação empírica e representa um estágio de abstração mental, só possível aos seres dotados de racionalidade, e dentre esses ainda é necessário àqueles que se interessarem pelo tema o devido desprendimento e disposição para se chegar a algum entendimento
A verdade se relaciona com a presença, com a espera de
que aquilo que foi prometido ou pactuado irá cumpri-se ou
acontecer. é uma palavra de mesma origem que amém, que
significa assim seja. A verdade é uma crença fundada na
esperança e na confiança, referidas ao futuro, ao que
será ou virá. Sua forma mais elevada é a
revelação divina e sua expressão mais perfeita
é a profecia.
"Aletheia" se refere ao que as coisas são; "veritas"
se refere aos fatos que foram; "Emunah" se refere às
ações e coisas que serão. A nossa
concepção da verdade é uma síntese dessas
três fontes e por isso se refere às coisas presentes
(como na "Aletheia" ), aos fatos passados e à linguagem
(como na "veritas") e à confiança-esperança
(como na "Emunah").
Palavras como "averiguar" e "verificar" indicam buscar a
verdade; "veredito" é pronunciar um julgamento verdadeiro,
dizer um juízo veraz; "verossímil" e "verossimilhante"
significam ser parecido com a verdade, ter traços semelhantes
aos de algo verdadeiro.
Existem diferentes concepções filosóficas
sobre a natureza do conhecimento verdadeiro, dependendo de qual das
três idéias originais da verdade predomine no pensamento
de um ou de alguns filósofos.
Assim, quando predomina a "Aletheia", considera-se que a
verdade está nas próprias coisas ou na própria
realidade e o conhecimento verdadeiro é a
percepção intelectual e racional dessa verdade. A marca
do conhecimento verdadeiro é a evidência, isto é,
a visão intelectual e racional da realidade tal como é
em si mesma e alcançada pelas operações de nossa
razão ou de nosso intelecto. Uma idéia é
verdadeira quando corresponde à coisa que é seu
conteúdo e que existe fora de nosso espírito ou de
nosso pensamento. A teoria da evidência e da
correspondência afirma que o critério da verdade
é a adequação do nosso intelecto à coisa
ou da coisa ao nosso intelecto.
Quando predomina a "veritas", considera-se que a verdade
depende do rigor e da precisão na criação e no
uso de regras de linguagem, que devem exprimir, ao mesmo tempo, nosso
pensamento ou nossas idéias e os acontecimentos ou fatos
exteriores a nós e que nossas idéias relatam ou narram
em nossa mente.
Agora, não se diz que uma coisa é verdadeira
porque corresponde a uma realidade externa, mas se diz que ela
corresponde à realidade externa porque é verdadeira. O
critério da verdade é dado pela coerência interna
ou pela coerência lógica das idéias e das cadeias
de idéias que formam um raciocínio, coerência que
depende da obediência às regras e leis dos enunciados
corretos. A marca do verdadeiro é a validade lógica de
seus argumentos.
Finalmente, quando predomina a "Emunah", considera-se que a
verdade depende de um acordo ou de um pacto de confiança entre
os pesquisadores, que definem um conjunto de convenções
universais sobre o conhecimento verdadeiro e que devem sempre ser
respeitadas por todos. A verdade se funda, portanto, no consenso e na
confiança recíproca entre os membros de uma comunidade
de pesquisadores e estudiosos.
O consenso se estabelece baseado em três
princípios que serão respeitados por todos: que somos
seres racionais e nosso pensamento obedece aos quatro
princípios da razão; que somos seres dotados de
linguagem e que ela funciona segundo regras lógicas
convencionadas e aceitas por uma comunidade; que os resultados de uma
investigação devem ser submetidos à
discussão e avaliação pelos membros da
comunidade de investigadores que lhe atribuirão ou não
o valor de verdade.
Existe ainda uma quarta teoria da verdade que se distingue das
anteriores porque define o conhecimento verdadeiro por um
critério que não é teórico, e sim
prático. Trata-se da teoria pragmática, para a qual um
conhecimento é verdadeiro por seus resultados e suas
aplicações práticas, sendo verificado pela
experimentação e pela experiência. A marca do
verdadeiro é a verificabilidade dos resultados.
Essa concepção da verdade está muito
próxima da teoria da correspondência entre coisa e
idéia, entre realidade e pensamento, que julga que o resultado
prático, na maioria das vezes, é conseguido porque o
conhecimento alcançou as próprias coisas e pode agir
sobre elas.
Em contrapartida, a teoria da convenção ou do
consenso está mais próxima da teoria da coerência
interna, pois as convenções ou consensos verdadeiros
costumam ser baseados em princípios e argumentos
lingüísticos e lógicos, princípios e
argumentos da linguagem, do discurso e da comunicação.
Na primeira teoria (correspondência), as coisas e as
idéias são consideradas verdadeiras ou falsas; na
segunda (coerência) e na terceira (consenso), os enunciados, os
argumentos e as idéias é que são julgados
verdadeiros ou falsos; na quarta (pragmática), são os
resultados que recebem a denominação de verdadeiros ou
falsos.
Na primeira e na quarta teoria, a verdade é o acordo
entre o pensamento e a realidade. Na segunda e na terceira teoria, a
verdade é o acordo do pensamento e da linguagem consigo
mesmos, a partir de regras e princípios que o pensamento e a
linguagem deram a si mesmos, em conformidade com sua natureza
própria, que é a mesma para todos os seres humanos (ou
definida como a mesma para todos por um consenso).
Conclusão
" A verdade é um valor objetivo do conhecimento".
A filosofia busca desde o seu surgimento a verdade. E nessa busca pela verdade, algumas concepções de verdade, surgiram e serviram para forma a idéia de verdade do pensamento ocidental até nossos dias.
Quando há ignorância não nos deixa perceber
ou sentir alguma coisa. Quando há incerteza não nos
damos conta da realidade que nos cerca, há falhas naquilo em
que acreditamos. A insegurança nos surpreende quando nossas
crenças, opiniões e idéias não dão
conta do novo. Então, queremos saber o que não
sabíamos e ficamos dispostos a "buscar a verdade".
Em nossa sociedade é muito difícil esse
despertar. Buscar a verdade , diferentes fontes de
informações, distorcem ou dão idéias
opostas. Exemplo: comparar notícias de jornais, revistas. A propaganda distorce os valores, fumo e álcool fazem bem e deixam os usuários famosos.
Essa busca surge ou da decepção ou da
decisão. Descartes , fazendo um balanço de tudo que lhe foi ensinado, submeteu a um exame crítico conhecido como "dúvida metódica". "Penso, logo existo". Essa é
a única verdade, pois mesmo que se duvide que está
pensando, ao duvidar, pensou. Assim, começa-se a
reconstrução do saber. Três são essas concepções: Uma grega, uma latina e a outra hebraica.
Verdade em grego se diz "Aletheia", que significa "não
oculto; não escondido; não dissimulado". A verdade
está nas próprias coisas. Uma cadeira é uma
cadeira. Se opõe ao que parece ser e não é como
parece (princípio da não contradição). Em
hebraico a verdade se diz "Emunah" que significa
"confiança. Da mesma origem de amém , que significa
"assim seja". Em latim a verdade se diz "veritas", se refere
à linguagem, enquanto narrativa de fatos acontecidos.
Quando uma dessas significações predomina,
ocorrem formas da manifestação dessa verdade. Quando
"Aletheia" predomina, a marca do conhecimento verdadeiro é a
evidência , igual é a adequação do nosso
intelecto à coisa ou da coisa ao nosso intelecto.
Quando "veritas" predomina , nosso pensamento ou nossas
idéias relatam ou narram mentalmente. Isto é, uma coisa
é verdadeira não porque corresponde a uma realidade
externa, mas se diz que ela corresponde à realidade porque
é verdadeira.
Finalmente quando predomina "Emunah", a verdade se funda no
consenso e na confiança dos membros , que estudam essa
verdade. Esse consenso se estabelece em três princípios.
1) Um que somos seres racionais e nosso pensamento obedece aos
quatro princípios da razão.
-1-Princípio da identidade, A é A, o que
é , é.
-2- Princípio da não contradição. A
é A e é impossível que seja, ao mesmo tempo e na
mesma relação não A.
-3- Princípio do 3º. Excluído. Ou A é
X ou é Y e não há 3ª. possibilidade.
-4- Princípio da razão suficiente: Tudo o que
existe e tudo o que acontece tem uma razão, causa ou motivo.
2) Somos seres dotados de linguagem e que ela funciona segundo
regras lógicas convencionadas e aceitas por uma comunidade.
3) Que os resultados de uma investigação devem se
submeter à discussões e avaliação pelos
membros de investigação que lhe atribuirão ou
não valor de verdade.
Assim, ao fazermos uma relação entre as
considerações do Professor Paulo Faitanin, e Marilena
Chaui teremos o seguinte quadro:
1) A verdade é relativa?
|
1)Compreender as causas da diferença entre o
parecer e o ser das coisas ou dos erros.
|
2) A verdade é uma reflexão do intelecto?
|
2)Compreender as causas da existência e das formas
de existência dos seres através do intelecto.
|
3) A verdade se identifica com o ser no intelecto?
|
3)Compreender os princípios necessários
e universais do conhecimento racional (intelecto).
|
4) A verdade só existe no intelecto?
|
4)Compreender as causas e os princípios da
transformação dos próprios
conhecimentos (intelecto).
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5)A verdade pode ser dita das coisas?
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5)Separar preconceito e hábito do senso comum da
atitudes críticas do conhecimento.
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6)A verdade é única para o intelecto
humano?
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6) Explicitar com todos os detalhes os procedimentos
empregados para o conhecimento e os critérios de sua
realização.
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7)Mas afirmar que a verdade não é
única para o intelecto humano não significa
dizer que cada intelecto tem a sua verdade?
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7)Liberdade de pensamento para investigar o sentido ou
significado da realidade que nos circunda e da qual fazemos
parte.
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8)A verdade é um valor?
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8)Os resultados devem ser compreendidos e conhecidos por
todos os seres racionais (a verdade é um valor
absoluto).
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9) O que é valor?
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9)A verdade é um valor que deve e pode ser
ensinado através de critérios,
princípios, procedimentos, percursos e resultado de
conhecimento.
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10) Há hierarquia de valores?
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10)Assim como a verdade exige liberdade de pensamento
para o conhecimento, também exige que seus frutos
(hierarquia de valores) propiciem a liberdade de todos.
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11) A hierarquia de valores expressa uma hierarquia de
verdade?
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11) A verdade deve ser objetiva, aceita e compreendida
universalmente, para tal, é necessário
hierarquizar os princípios (valores) que a
fundamentam.
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Bibliografia:
1. FAITANIN, Paulo: Uma leitura do Relativismo a partir da
noção de Verdade em São Tomás de Aquino
2. CHAUI, Marilena: "FILOSOFIA". Editora Ática, 1ª ed.
3. HERSKOVITS, Melville. "O problema do relativismo cultural". (Capítulo 5). In: Antropologia Cultural. São Paulo: Mestre Jou, Tomo I, pp.83-101. BCE: 39 H572m =690, vol.1
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