Amar
(Cecília Meireles)

Amar o perdido
deixa confundido
este coração.
Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do não.
As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão.
Mas as coisas findas,
muito mais que
lindas,
essas ficarão

Tu tens um medo:
Acabar...
Não vês que acaba todo o dia...
Que morres no amor...
Na tristeza...
Na dúvida...
No desejo...
Que te renovas todo o dia...
No amor...
Na tristeza...
Na dúvida...
No desejo...
Que és sempre outro...
Que és sempre o mesmo...
Que morrerás por idades imensas...
Até não teres medo de morrer...

E então serás eterno...

Não queiras ter Pátria...
Não dividas a terra...
Não dividas o céu...
Não arranques pedaços ao mar...
Não queiras ter...
Nasce bem alto...
Que as coisas todas são tuas...
Que alcançará todos os horizontes...
Que o teu olhar, estando em toda parte...
Te ponhas em tudo,
Como Deus...

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A Viagem Definitiva
(Juan Ramon Jimenez)

“... e eu partirei. Mas os pássaros ficarão cantando:
e meu jardim ficará, com sua árvore verdejante,
com seu poço dágua.
Em muitas tardes os céus serão azuis e plácidos,
e os sinos da torre repicarão,
como repicam esta tarde.

Aqueles que me amam passarão,
e a cidade explodirá de novo cada ano.
Mas meu espírito sempre vagará nostálgico
no mesmo recanto escondido de meu jardim florido.”

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POESIA XXXI
(Victor Hugo)


A campa dizia à rosa:
Que fazes tu, flor viçosa,
Do orvalho da madrugada?
E a rosa diz docemente:
Que fazes de tanta gente
Que jaz em ti sepultada?

Do orvalho que em mim ressume
Eu faço um suave perfume,
A flor falou com vaidade;
Eu faço, a campa falou,
Do corpo que me chegou
Um anjo na imensidade.

(VICTOR MARIE HUGO; visconde de Hugo, poeta, romancista. dramaturgo, ensaista e político francês. Nasceu a 26 de Fevereiro de 1802 em Besançon e morreu em Paris aos 22 de Maio de 1885.)

 

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 Eros e Psiquê
(Fernando Pessoa)

 

Conta a lenda que dormia
Uma Princesa encantada
A quem só despertaria
Um infante, que viria
De além do muro da estrada.

 Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que a Princesa vem.

A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera.
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.

Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado.
Ele dela ignorado.
Ela para ele é ninguém.

Mas cada um cumpre o Destino –
Ela dormindo encantada
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada.

E, se bem que seja obscuro
Tudo pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E, vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora.

E, inda tonto do que houvera,
À cabeça em maresia,
Ergue a mão, e encontra a hera,
E vê que ele mesmo era
A princesa que dormia.

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 O que te ofertei
(Marylia Meirelles)

 

O que te ofertei
Não foi o corpo gasto
Que teu desejo via
Belo, perfeito, repasto...

 Não foi o beijo amante
Que tua gula buscava
Na ânsia curiosa
De um vivaz infante...

Não foi o intenso abraço
De total entrega,
Abissal, eterna,
Infinito espaço...

Foi a alma antiga,
Nascida há milênios,
Que migrou contigo
E jamais voltou.

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