Mais um ciclo, mais estudos e mais histórias
Quando
estudantes e professores param suas aulas convencionais (conservadoras)
por toda uma semana para “estudar” história e assuntos afins, bem se
vê uma reprodução de histórias que criticamos, de discursos que por
hora saturamos, e de práticas que de alguma forma vem contribuindo para a
manutenção da ordem vigente. A situação é um evento que visa
contribuir na construção de conhecimento e com a demanda dos estudantes
por outras discussões fora das salas de aula. A princípio um evento como
outro qualquer, daqueles que fere as leis do estado da Bahia, no que diz
respeito à gratuidade dentro das Universidades Estaduais. Mas quando
saltamos num mar de outras análises, construídas por estudantes e
professores comuns, percebemos que as questões teóricas e práticas nos
mostram muito mais do que um mero evento acadêmico – política.
A
crítica da hierarquia em todos os níveis da vida social, que acadêmicos
oferecem linhas e mais linhas de seus enormes textos ou mesmo seus
textículos,
aqui se apresenta na co-relação de importância entre professores e
estudantes. Se é bem verdade que a meritocracia hoje se aproxima das
mentes estudantis, é também verdade que este foco de poder, construído
por nossos mestres, é implantado, desenvolvido e concretizado a cada dia,
a cada aula, como forma de opressão aos estudantes. Professores utilizam
suas pesquisas para obtenção de recursos e títulos, que por sua vez
contribuem para o desenvolvimento de mais pesquisas. É de fato um ciclo:
pesquisa, título, recursos, mais pesquisas... Já o estudante que muitas
vezes é obrigado a pesquisar – ou por leis acadêmicas, ou por não ver
formas de práticas não teórico-acadêmicas – vai se tornar ébrio com
o ciclo de méritos, e se lançar cegamente pelo caminho mais curto: o da
pesquisa do mestre. E apesar de ser consenso que professores e estudantes
contribuem para a construção de conhecimento, por que motivo são sempre
os professores que são chamados a contribuir por um pró-labore, mesmo
quando estes têm salários, bolsas e etc, enquanto o estudante tem de
pagar para observar e para apresentar seu pequeno trabalho, mesmo na
maioria dos casos sem auxílios e por vezes sendo obrigado a pesquisar
pela cultura de méritos? Bem, para os arquitetos do conhecimento, estes questionamentos não importam,
“historicamente tem sido assim”, e é na manutenção desta história
que estes apostam.
Daí,
o evento que deveria colaborar na construção do conhecimento, até o
faz, mas sob a imposição do conhecimento, logo sob a informação burra.
Se o evento é para o estudante, o é também para moldá-lo, para que
siga o caminho pré-estabelecido pelo mestre. Como pode ser feito para o
estudante e dito bom para este, quando não se é discutido conjuntamente,
quando este não participa da construção? Estar no coletivo de construção
é ter a garantia de que o produto vai atender à suas necessidades e não
colaborar com a imposição espetacular do saber. É da relação
horizontal entre indivíduos que se cria saberes necessários à
humanidade. Nenhuma relação entre professores e estudante pode ser
mediada única e exclusivamente pelas diretrizes acadêmicas e os achismos
do primeiro, quando se espera que o produto desta seja benéfico para toda
uma sociedade. Não se deve esperar que os únicos beneficiados sejam os
estudantes e os professores, enquanto existe toda uma sociedade privada de
estar do lado de dentro dos portões da universidade. É para essa
sociedade que ensinamos, pesquisamos e estendemos conhecimento, não
podemos tratá-la unicamente como espectadores, como puro objeto de
pesquisa, mas como sujeitos ativos, como atores a participar totalmente de
“nossas” discussões.
Mas
em todas as zonas geográficas observa-se de uma forma ou de outra a
passividade frente ao espetáculo opressivo, e na universidade não é
diferente. Toda crítica também é valida aos estudantes que assistem
passivos às práticas que o excluem das criações em seu meio. A
passividade estudantil reside: 1) na
concordância em pagar para observar; 2) na concordância em pagar para
contribuir com o evento; 3) em aceitar algo que lhe excluiu da discussão
e da construção; 4) em não fazer a crítica prática quando da discordância.
Quantas vezes o estudante se reuniu com setores de fora dos muros da
academia para apresentar suas pesquisas? Mas na academia fica contente ao
pagar uma taxa para observar outras pesquisas e discussões, como se esta
taxa fosse mérito para o evento. O pior, ele paga mais caro ainda para
apresentar seu trabalho (pesquisa) como se o valor que pagou valorizasse
este. Nenhum taxa valoriza qualquer trabalho, pois o máximo que ela faz
é segregar os que podem e os que não podem pagar (por qualquer motivo),
da mesma forma que valor nenhum media a importância de um evento ou uma
pesquisa.
O
sacrifício dum professor ao realizar um evento – que de alguma forma
lhe promove, lhe dá oportunidades de fortalecer sua linha de pesquisa,
enriquecer teu trabalho trazendo profissionais que atuem na tua área –
é entendido pelo estudante como sacrifício real, como algo que o
professor se deu inteiramente à causa estudantil. Se é que existe um
sacrifício, este é mítico, mas os reais sacrificados, os estudantes,
aceitam, colaboram e até se deixam sacrificar por uma causa que não é
sua. Sacrificados porque são a dita causa do evento, porque são
explorados ao pagar para observar, ao pagar para apresentar seu trabalho,
ao trabalhar como monitor, mesmo quando diariamente explorados pelo
Estado, pagam seus impostos, que lhes serve para que não pague mais nada
na Universidade Estadual Pública. Sacrificados por haver a probabilidade
de talvez não se sentir contemplado com o evento e ter de participar para
ter direito à carga horária extracurricular, que é obrigatória, mas não
é de graça.
Em
fim, existem ciclos de méritos, existe o estudo de um conhecimento que é
imposto, e existem muitas histórias, muitas mesmo, o suficiente para que
prestemos bastante atenção nelas e não na situação na qual estamos
inseridos. Mais do que acadêmico, um evento com estas características,
é político, pois no plano de fundo estão intenções que nem sempre
conseguimos apreender para nós. Neste caso, toda crítica também é válida
para nós. Até o próximo!
Gardencia Fimon, 19 de outubro de 2005
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