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O NEOLÍTICO MORAL VÍCIOS PRIVADOS, BENEFÍCIOS PÚBLICOS?
A ética na riqueza das nações
A tese do neolítico moral
"O retardamento ético da humanidade"
" A ética não acompanha o avanço científico, tecnológico e material do homem"
Desde o surgimento da filosofia moral, no Iluminismo grego do século V a.C, a noção de que a ética não acompanha o avanço científico, tecnológico e material do homem tem sido uma nota constante.
O início da reflexão crítica sobre os princípios da conduta humana marcou também o início de expectativas mais elevadas sobre as capacidades e o potencial humano, estendendo-se até os dias de hoje:
Sócrates
"A virtude não é dada pelo dinheiro, mas da virtude vem o dinheiro e todos os outros bens do homem, tanto públicos quanto privados".
Sócrates questionava a aceitação passiva dos costumes, crenças e tradições socialmente estabelecidos, para ele uma "vida irrefletida" . Não aceitava que as pessoas não buscassem a sabedoria e a virtude e apenas se dedicassem à busca do dinheiro. Ele se dirigia a qualquer um que quisesse ouvi-lo, buscando ajuda-lo a descobrir por si mesmo que os prazeres mundanos eram ilusórios e que a única coisa de fato valiosa neste mundo seria o aperfeiçoamento moral e intelectual.
Platão
"A minoria pensante legisla, o homem comum acata"
Platão, ao contrário de Sócrates, desconfiava da capacidade da maioria dos cidadãos para a "vida filosófica". Para Platão, a solução era proteger e treinar os raros "temperamentos filosóficos" e entregar a eles o poder político. Essa minoria pensante distinguiria o certo do errado em questões morais e "moldaria o padrão da vida pública e privada de acordo com a sua visão do ideal". Os homens comuns, ou seja, os "não pensantes" seriam submetidos a um processo de condicionamento e manipulação ideológica que os manteriam em condição de "saúde moral" tolerável.
Lucrécio
"O custo do processo civilizatório foi o sacrifício de valores importantes e a corrupção dos sentimentos morais"
A idéia de que o progresso tecnológico e econômico promove, de alguma forma, o retrocesso moral, encontrou em Lucrécio o grande expoente e sistematizador.
Na visão de Lucrécio, o crescimento da riqueza, a organização da vida política no Estado e o uso do dinheiro transformaram o caráter dos homens. Para Lucrécio os homens civilizados são vítimas da sua insaciabilidade e da incontinência dos seus desejos, possuem uma ambição sem limites.
A missão da filosofia moral, para ele, era dirigir-se aos indivíduos como eles eram, com suas crenças, medos, ambições e frustrações, e persuadi-los a refletir e reconsiderar seu modo de vida. Se os homens se libertassem de falsos valores, aceitassem seus limites e se dispusessem a inquirir sobre a natureza dos bens realmente essenciais para sua felicidade, buscariam uma vida voltada para o cultivo da amizade e a busca desinteressada do conhecimento.
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Filosofia moderna
Hobbes
Na visão hobbesiana, como em Lucrécio, o homem é um animal aquisitivo, insaciável, vaidoso e que busca incessantemente sobrepujar os demais.
Maquiavel
"O temperamento da multidão é volúvel, e ao passo que é fácil persuadi-la de alguma coisa, é difícil fixa-la naquela persusão. Por isso é mais seguro ser temido do que ser amado. Um príncipe estará mais seguro no exercício do poder sendo temido do que sendo amado por seus súditos"
Hobbes, como Lucrécio, registra "a contenda perpétua por prestígio, riquezas e autoridade" que alimenta uma situação de conflito e inimizade potencial entre os homens. Maquiavel, como Platão, observa o comportamento inconstante e irrefletido da grande maioria dos cidadãos na sua relação com as leis e o poder público. Em ambos os casos as semelhanças apontadas se restringem à percepção da realidade humana como ela é. Ao contrário de Lucrécio e Platão, tanto Hobbes quanto Maquiavel não realçam as diferenças entre "o que é" e "o que deve ser". Eles não se apresentam, como portadores de valores puros e superiores aos do homem comum, ou como reformadores morais da sociedade.
Iluminismo europeu
Com o advento do Iluminismo europeu, a percepção do entre "o que é" e "o que deve ser" ressurge. Se Hobbes e Maquiavel fizeram do objeto de reprovação dos moralistas antigos uma simples premissa comportamental da análise, já os iluministas mais exaltados e os adeptos do movimento romântico irão retomar os pensamentos desses moralistas.
Rousseau
" Foram o ferro e o trigo que primeiro civilizaram os homens e arruinaram a raça humana"
Mais do que qualquer outro, Rousseau defendeu de maneira intransigente a idéia de que o avanço da civilização provocou o retrocesso moral do homem.
Para Rousseau, a descoberta da agricultura e da metalurgia, aliada à crescente divisão do trabalho, resultou no surgimento da propriedade privada e no aumento da desigualdade entre os homens.
Mas, com a mesma intensidade com que denigre a situação existente, Rousseau vai enaltecer o futuro sonhado e afirmar o potencial de mudança. É na crença da "perfectibilidade humana" que vai alimentar a visão rousseauniana da possibilidade de uma completa regeneração da ordem política e social, isto é, da criação de uma sociedade justa na qual o homem - remodelado e apaziguado - deixou de ser o egoísta vaidoso e insaciável para se tornar o cidadão virtuoso e dedicado de uma democracia igualitária.
O ser humano, na concepção de Rousseau, possui uma capacidade "quase ilimitada" de aperfeiçoamento moral e intelectual.
A tarefa básica era dar conseqüência prática ao princípio da "perfectibilidade humana". Para tanto, tratava-se de realizar uma profunda reforma pedagógica e educacional. Se o homem era por natureza livre e bom, a salvação era um ato de vontade.
No plano político, a Revolução Francesa de 1789 certamente contribuiu para inflamar as esperanças de uma súbita e iminente regeneração moral.
No plano filosófico, o efeito mais importante do protesto moral de Rousseau foi a acolhida altamente favorável e calorosa que lhe deu Kant, que o compara com a figura de Newton, a estrela máxima do firmamento iluminista.
Kant
"Enquanto os Estados aplicarem todos os seus recursos em estratagemas vãos e violentos de expansão, obstruindo assim os esforços lentos e trabalhosos dos cidadãos para cultivar suas mentes, e até mesmo privando-os de qualquer apoio nesses esforços, nenhum progresso nessa direção pode ser esperado"
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Era romântica
Primeira Revolução Industrial
"Os homens perderam toda a crença no Invisível, e acreditam, e tem esperanças, e trabalham apenas no Visível ... Somente o material, o imediatamente prático, não o divino e espiritual, é importante para nós"
A aceleração do processo de mudança econômica e tecnológica associado à Primeira Revolução Industrial foi um outro fator que contribuiu poderosamente para aguçar a percepção da separação de entre "o que é" e "o que deve ser".
A posição romântica era a herdeira direta do primitivismo de Rousseau.
"O que é que todas essas artes e invenções fizeram para o caráter, para o valor da humanidade? Estão melhores os homens?".
Mas, a visão do neolítico moral não se restringiu às hostes românticas. A tese do neolítico moral acabou penetrando e prosperando até mesmo na economia clássica inglesa, cuja figura central foi John Stuart Mill.
John Stuart Mill
O objetivo da posição milliana era trazer o princípio da "perfectibilidade humana" para o centro do palco. Mill acreditava que cada indivíduo é dotado de um impulso de auto-aperfeiçoamento, isto é, de um desejo de tornar-se melhor como pessoa humana e de uma capacidade crescente de pautar sua conduta à luz de suas próprias deliberações e consciência moral.
A expressão concreta deste impulso, segundo Mill, era o fato de que a natureza humana estava se aprimorando do ponto de vista moral, estético e intelectual ao longo do tempo. A "perfectibilidade humana" permitia compreender melhor o passado e abria uma nova perspectiva de reforma sócio-econômica. Ela era vista, portanto, não só como uma realidade histórica, mas, principalmente, como uma bússola e promessa em relação ao futuro.
Ao contrário dos adeptos da versão extrema do neolítico moral, Mill não precisou idealizar o passado ou culpar o avanço material da civilização para ressaltar o atraso ético do homem em relação ao progresso em outras áreas de atividade.
Basicamente, Mill argumentava que a acumulação de capital a qualquer preço e o crescimento populacional haviam impedido a afirmação de outros valores essenciais como a autonomia na esfera do trabalho, o respeito pela natureza e o aperfeiçoamento moral e estético.
O traço distintivo da postura milliana é a crença de que a estabilidade demográfica e a educação poderiam transformar profundamente a psicologia moral da maioria dos homens. É neste ponto que Mill claramente se distancia da posição mais cética e cautelosa adotada pelos iluministas escoceses e outros críticos do entusiasmo moral.
Supondo a estabilidade populacional (sempre uma peça indispensável para qualquer avanço futuro), o instrumento básico desse processo era a educação. A ela caberia formar o caráter e despertar o desejo de auto-aperfeiçoamento nos indivíduos.
A partir dos pensamentos desses filósofos, Eduardo Giannetti da Fonseca chegou a conclusão que a tese do neolítico moral é uma ilusão.
A tese do neolítico moral reforça a idéia de que a situação presente é de alguma forma inédita em termos históricos e que tanto as oportunidades abertas como os desafios a enfrentar não encontram paralelo no passado. Trata-se, portanto, de uma estratégia para atribuir significação especial ao presente.
A ética não deve ser estática. As mudanças no conhecimento científico, no meio ambiente e na problemática da sociedade demandam uma constante revisão dos nossos julgamentos morais. Mas, uma "nova consciência", não é o tipo de coisa que pode ser inventada, decretada ou planejada. A mudança no campo da ética se trata de um processo lento, extremamente descentralizado e que só pode surgir a partir do cultivo gradual e paciente de atitudes e valores já existentes na mente dos indivíduos.
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