RESUMO:
O teatro se manifesta de múltiplas maneiras e captá-las oferece
riscos e dificuldades, no entanto neste trabalho procuramos seguir o pensamento
de Eugênio Barba e oferecer novas perspectivas para a abordagem da teoria
teatral, particularmente desde um ponto de vista da antropologia teatral.
Premissas - Quem sou Eu ?.
Advertência..
Posições Iniciais.........
O Teatro é uma Ilha..........
Dos diferentes tipos de Teatro.........
Antropologia Teatral - A questão da pré-expressividade.
Cotidiano / Extra-cotidiano.......
O Equilíbrio com Desequilíbrio.........
Energia / corpo-mente................
A Energia para o Ator: um "como" e não um "que".
Edgar Morin e a Lógica das Máquinas.....................
Breve histórico do Processo Civilizatório...............
1. A variável Sapiens..................
2. A Era Planetária......................
3. A era das Máquinas...............
Pontos Básicos.......
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1. Premissas - Quem sou Eu ?
Desde cedo, Eugenio Barba, aprendeu a observar com acuidade. O andar, o movimento
das mão, maneiras de olhar, etc. Esta faculdade surgiu, nos diz, por
ser basicamente um estrangeiro, na vida e na arte. Na vida, pois como Italiano
de origem, veio ainda cedo, 17 anos, a emigrar para a Noruega, e sua dificuldade
com a língua e os costumes, levaram-no a desenvolver a habilidade de
entender sem o recurso das palavras, o que as pessoas que o circundavam sentiam:
repulsa, amor amizade, compaixão... Ele é um estrangeiro na arte,
porque como veremos, preservou este distanciamento que a vida o conduziu, em
seu ofício, o teatro. O avalia com olhos que o distanciam do olhar tradicional.
Postulamos, e ao longo de nossa análise tentaremos demonstrar, que este
viés empírico, o infortúnio da saída de sua terra
natal, Itália, aliada a procura existencial ( o quem sou Eu ?) define
seu trabalho e suas idéias.
Outra vantagem, é que esta baliza, questão existencial, nos servirá
de fio condutor e permitirá ao longo do texto manter uma certa coesão,
principalmente quando estivermos detalhando o conceito que motivou este trabalho,
o conceito de Antropologia Teatral.Assim, em resumo, seu estranhamento devém,
como veremos, de diferenças tanto práticas quanto teóricas.
Mas uma pergunta ordenou este estranhamento: Quem sou Eu ? ... A procura por
uma resposta a esta indagação resultaram na base de sua vida e
de sua arte.
2. Advertência.
Como pudemos ver em nossa consideração inicial, utilizaremos
como fio condutor, para compreender os conceitos de Eugenio Barba, sua postulação
existencial principal o Quem sou Eu ? Mas apenas para criar um pano de fundo,
já que na frente, iluminado estarão seus conceitos práticos.
Daqui pode-se inferir que o teatro é uma questão que se coloca
como existencial, referente a identidade do ator. Veremos que esta identidade
irá desempenhar um papel fundamental em sua Antropologia Teatral. De
outro lado, devemos ressaltar que o mundo cênico representa um mundo onde
o nosso cotidiano, já não mais serve para exprimi-lo. Como consequência,
nossa linguagem cotidiana distorce a realidade cênica. Aprender teatro
hoje, é aprender não só uma nova língua, mas uma
nova forma de pensar a vida. Como Barba gosta, o mundo artístico implica
em leis artísticas, assim como o mundo sub-atômico implicam leis
atômicas. A grande dificuldade é que comumente se utilizam categorias
mentais do universo cotidiano para tentar entender o universo cênico,
isto traz grandes erros.
Devemos salientar que supomos um conhecimento básico do mundo cênico
de suas práticas e métodos pois sem isto nossas colocações
sobre a obra de Barba são ininteligíveis. Conseqüentemente,
Barba escreve para atores e diretores de Teatro.
Eugenio Barba é basicamente um teatrólogo, pois é graças
ao seu trabalho no grupo Odin, dinamarquês, que veio ter reconhecimento
internacional. Não é propriamente um teórico, mas um prático
que reflete sobre sua ação, mais precisamente sua profissão,
o teatro. Ao longo de sua vida, foi definindo os conceitos que apresentaremos,
mas sempre deveremos ter em mente, que são conceitos práticos,
podem assim sofrer mudanças, não se ordenam num todo coeso, um
sistema. Contudo existe um rigor , o qual tentaremos nas passagens posteriores
colocar , criando a imagem do primeiro plano, a linguagem própria ao
teatro, e do plano de fundo, a redefinição da identidade profissional.
3. - Posições Iniciais
Eugenio Barba foi fortemente influenciado por uma prática teatral que
chamaremos de vanguarda. Um teatro que reage a uma forma de organização
da cultura teatral . Vejamos mais detalhadamente.
No Ocidente, particularmente na Europa, a arte da representação
sofre um processo histórico, que culmina como uma organização
comercial, pertencente ao setor terciário, ordenada sob a racionalidade
do lucro, inserida num contexto do capitalismo avançado, onde se torna
como outros setores, voltada para o consumidor utilizando-se de merchandising,
ou seja, o teatro veio a se inserir com o tempo, dentro de um quadro mais amplo,
que veio a se chamar de indústria cultural.
Inserida no Sistema Econômico Capitalista, esta indústria cultural
serve como pilar de manutenção do Sistema , ao difundir uma práxis
coerente com o mesmo, aqui queremos dizer, não é do Sistema só
porque é mercantil, mas sobretudo por preservar o processo ideológico,
processo de representação do mundo, nos moldes tradicionais, (veremos
mais adiante com detalhes).
4. O Grupo de teatro é uma ilha...
Barba ao longo de sua vida luta para criar suas "ilhas", "aldeias",
onde espera preservar uma idéia de fazer teatro, no qual a identidade
do ator e de seu grupo estão em primeiro plano, em oposição
ao teatro tradicional, produto pasteurizado, consumido em massa, supondo um
público também pasteurizado, o que aliás a Europa como
centro do capitalismo é um exemplo ótimo, onde o ator é
funcionário de uma companhia teatral, nos moldes de um operário
assalariado, onde sofre do mesmo processo de alienação ( Perda
do conhecimento global de seu ofício, inversão de posição
de sujeito para objeto dentro do contexto cênico, etc.)
Eugenio Barba, vem conseqüentemente, na mesma direção dos
grandes atores e diretores do século XX, que reagiram a este processo
que culminou com inserção completa dos atores e de sua arte ,
na maioria, num sistema onde perdem sua identificação ou raiz,
processo semelhante porque passaram o operariado no mundo industrial. Indentifica-se
com outros grupos de "vanguarda" pelo mundo afora, tentando preservar
a própria tradição de seu ofício. Por isto mesmo,
vanguarda não é derrubar ou destruir ou combater simplesmente,
mas também recuperar um tipo de representação que foi deslocado
para um campo marginal e que bem pode ser o teatro clássico, no sentido
mais restrito possível ( pré-indústria cultural ?)
Barba nos diz "... vanguarda pode ser também , aqueles grupos que
ao longo da história do teatro, reagiram contra a tradição,
indo inspirar-se nos clássicos, no teatro grego, ou romano." (1)
Também tentaremos também mostrar que vanguarda para Barba está
relacionada a um tipo de teatro revolucionário, como ele nos diz, por
analogia, como o mundo nosso cotidiano esta para o mundo atômico . De
nosso mundo tão conhecido, tão acessível, para um mundo
que exige um novo aparelho conceitual, uma nova forma de pensar. O Teatro de
Eugenio Barba tem a tendência de se distanciar do teatro tradicional,
como distante estão ..." as idéias de Newton em relação
as de Bohr " (2).
Veremos que o nosso tema Antropologia Teatral, visa enfeixar os diferentes
conceitos e princípios, que permitem, segundo Barba , dotar o ator, enquanto
objeto principal de suas preocupações, da capacidade de controlar
seus instrumentos, de "vestir ou despir-se" de seus personagens conscientemente
e de um modo belo e atraente. Ou seja dotá-lo de técnica e conceitos
que o aparelhem a fazer frente a uma realidade que de um lado aliena o ator
( enquanto operário no teatro), gerando em seu trabalho uma mudança
de valor , de um ator que reproduz uma arte que Barba contesta, para um ator
dotado de "Identidade". Superando assim os limites de uma perspectiva
que se pretendesse apenas resumir algumas técnicas cênicas. Em
resumo a técnica teatral será o centro de nosso trabalho e estará
enfeixada como parte da Antropologia Teatral. Veremos a seguir como ele organiza
esta mudança. Por fim na parte 2 mostraremos como as considerações
de Barba se relacionam com a função da Antropologia para Edgar
Morin. Devemos antecipar que Morin procura definir parâmetros globais
para a Antropologia, que coincidem com a análise que Eugenio Barba efetua
e propõe. Ou seja o trabalho de Eugenio Barba sobre a prática
Teatral e sua posição frente o teatro tradicional esta coerente
com as conclusões de Morin quando critica o pensamento realista em sua
versão analítica.
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Inicialmente procuramos demonstrar que o sentido do teatro que Barba propõe
tem como pano de fundo, uma crítica a perspectiva da indústria
cultural estabelecida nos núcleos mais avançados , nos centros
culturais mais importantes. Não propõe uma solução
geral, mas uma maneira de viver (o ator). Daqui para frente, entraremos em seu
trabalho prático, para vermos como sua "revolução
" se articula.
1. Dos diferentes tipos de Teatro .
"A Antropologia Teatral é basicamente um estudo sobre o ator e para
o ator"... onde pode-se distinguir duas diferentes categorias de atores
que no modo de pensar normalmente se identificam com "Teatro Ocidental"
e "Teatro Oriental."(3) Uma arte sob regras definidas e outra aparentemente
livre destas. Barba prefere uma outra distinção, imaginária,
mais abrangente: Pólo Sul e um Pólo Norte. Sigamos as colocações
de Barba sobre o ponto de vista da liberdade de interpretar...
" O ator do Pólo Norte é aparentemente menos livre. Modela seu comportamento cênico segundo uma rede bem experimentada de regras que define um estilo ou um gênero codificado. Este código da ação física ou vocal, fixado em uma peculiar e detalhada artificialidade (seja o balé ou um dos teatros clássicos asiáticos, a dança moderna, a ópera ou mimo) é suscetível de evoluções e inovações."
e a seguir...
" No princípio, entretanto, todo ator que tenha escolhido esse tipo
de teatro, deve adequar-se a ele...aceitando um tipo de pessoa cênica
estabelecido por uma tradição. A personalização
será o primeiro sinal de sua maturidade artística"
Vemos já nesta definição de Teatro do Pólo Norte,
uma forma de pensar a arte cênica que modifica a personalidade do ator,
de modo que se transforma em um tipo cênico pré-estabelecido. Um
tipo de pessoa cênica guiado pela tradição.
A personalização deste tipo cênico , será o início
da etapa de maturidade para o ator, e esta perda da personalidade não
representa um prejuízo, pois permite ao aprendiz expandir-se indo além
dos limites de sua própria experiência comum. Ao iniciar o seu
trabalho, o ator veste-se com os traços do personagem, e por isso se
pode dizer que se trata de uma personificação, que será
tanto mais verídica, quanto mais rica em elementos for desenvolvida.
Assim, interpretar é criar personas, máscaras, que se afiguram
como verdadeiras no contexto cênico. Tudo deve ocorrer para o espectador,
como se fosse o mais real possível, melhor dizendo, o melhor possível,
pois a figura representada sob estas condições acaba por ficar
melhor do que uma suposta figura real que serviu de inspiração.
O grande ator cria personas que aos olhos do espectador parecem mais críveis
do que a própria realidade.Vejamos o seu oposto: o ator do Pólo
Sul que corresponde como vimos ao Teatro do Pólo Sul.
"O ator do Pólo Sul não pertence a um gênero espetacular caracterizado por um detalhado código estilístico. Não tem um repertório de regras taxativas a respeitar. Deve construir ele mesmo as regras sobre as quais apoiar-se. Inicia sua aprendizagem a partir dos dotes inatos de sua personalidade.
Usará como ponto de partida as sugestões que derivam dos textos
que representará, das observações do comportamento cotidiano,
da imitação no confronto com outros atores, do estudo dos livros
e dos quadros, das indicações do diretor. O ator do Pólo
Sul é aparentemente mais livre , mas encontra maiores dificuldades ao
desenvolver, de modo articulado e contínuo, a qualidade de seu artesanato
cênico."
Podemos ver que se trata de uma categoria de ator, e não uma diferença
regional, ou cultural. Este ator do Pólo Sul pode estar agora em qualquer
local , Ocidente ou Oriente. Este ator cria seus personagens empiricamente,
isto é sem qualquer fundamentação na tradição.
Utiliza-se de recursos pessoais, e geralmente não freqüentou qualquer
escola dramática.
Normalmente esta categoria de ator esta presente em toda parte. Diríamos
que seu trabalho padece de uma coerência cênica que só pode
ser obtida com maior elaboração, o que não quer dizer que
não obtenha bons resultados. Tudo irá depender do ator, e de sua
destreza pessoal, ficará o resultado a sorte de um dia inspirado, e em
geral sua performance pode sofrer abalos, porque podem lhe faltar as imagens
pessoais para compor seu personagem. Faltaria neste caso uma maior continuidade,
melhore instrumentos cênicos.
Barba agora compara a ambos....
" Ao contrário do que parece à primeira vista, é o
ator do Pólo Norte que tem maior liberdade artística ao passo
que o ator do Pólo Sul permanece facilmente prisioneiro da arbitrariedade
de uma excessiva falta de pontos de apoio. A liberdade do ator é mantida
no interior do gênero ao qual pertence, e seu preço é uma
especialização que torna difícil a saída do território
conhecido.
O ponto central desta comparação esta na existência ou não
de um conjunto de regras cênicas definidas para o ator atuar. Não
é puramente um oposição simples, ter ou não ter
regras, para atuar, mas na concepção distinta do que significa
atuar. As implicações que esta definição irá
desdobrar levará a uma profunda diferenciação (basicamente
temos uma dificuldade que decorre de que a linguagem que exprime o mundo cotidiano
não serve para o universo cênico, o melhor seria ter sempre claro
que corpo, por exemplo, tem significados distintos para um e outro mundo). Voltemos.
Esta suposta restrição, de fato permite vôos muito mais
altos, pois já esta assegurada um repertório de experiências
de gerações, os quais podem ser assimiladas e mesmo ultrapassadas,
mas sempre de uma base muito maior do que aquela que o indivíduo pela
mera observação teria, ou seja , a riqueza do material que decorre
da adesão a esta tradição compensa em muito, as supostas
restrições que a primeira vista existiriam, principalmente uma
suposta perda de liberdade. Por outro lado é sabido que a simples observação,
imitação, não permite ao ator executar papéis mais
complexos, pois lhe faltariam estruturas que só são possíveis
com muito treinamento e discussão ( veja-se a seguir equilíbrio
e postura).
Este processo de adoção de um estilo, implica excluir outros,
e tomá-lo como se fora o único, ou pelo menos durante o processo
de aprendizagem, não se influenciar por outros o que poderia ser fatal,
por serem incompatíveis. Adotar este estilo, "convenção",
implica que seu estilo escolhido de atuar, deve revestir de absoluto, como dito
é convenção para o analista mas é absoluto para
o ator. Por conseguinte , enquanto assimila uma certa técnica, deve levá-la
ao ápice sob pena de se tornar uma caricatura de técnicas. Ao
desenvolver plenamente uma técnica, o ator criará um eixo para
si que o habilitará a ser mesmo independente deste ou aquele estilo,
pois a base para criação de personagens, o ator já terá.
Esta é uma discussão antiga, mas podemos tomar como um fato que
o progresso em qualquer terreno, sempre foi construído tendo por base
o esforço anterior empreendido, aprender por esforço próprio,
só de "olhar", é limitado e como nos coloca Barba, muito
mais operoso, e do ponto que interessa, para o ator, muito mais restritivo.
Todas as técnica artísticas, enquanto convenções
sobre o modo de atuar, são como princípios, normas que na maioria
das vezes se parecem, mas diferem nos resultados que produzem, em suas obras.
Veremos a seguir existirem alguns princípios comuns na arte de representar,
princípios universais que no contexto do atuar é denominado por
Eugenio Barba de pré-expressividade.
2. Antropologia Teatral - A questão da pré-expressividade.
Eugenio Barba, pensamos, utiliza o termo Antropologia Teatral de uma maneira
genérica querendo mais definir um comportamento de um estudioso diante
da problemática da ação de representar do que criar uma
nova área acadêmica. Novamente ele cunha esta expressão
de sua vivência teatral. Vejamos um breve histórico. Após
ter assimilado com se amigo Jerzy Grotowski os conceitos e técnicas básicas
de um teatro crítico, de laboratório, que ele denomina de vanguarda,
Barba deixa Varsóvia em direção à Ásia. Ali,
viaja seguidamente pela China, Índia, Tailândia, Bali, Indonésia,
onde viria a refinar as idéias acima expostas, das diferentes categorias
de encenar, bem como se depara com novos recursos cênicos, que como exporemos
o levarão a repensar o próprio conceito de Teatro. Na Ásia
encontra uma arte tipicamente clássica, nos moldes do "Pólo
Norte" quanto elementos atuando no mais perfeito sentido de "Pólo
Sul".
Percebe no movimento em cena de um artista Nô, Japonês, um sutil
movimento das mão e acompanhando os dedos observa o equilíbrio
e suavidade dos movimentos, impossíveis de serem obtidos sem anos de
exaustivos treinamentos. (Como consequência um ator do "Pólo
Sul", jamais atingiria este nível).
Em seus diálogos descobre um intenso treinamento de equilíbrio
postural , da posição da coluna em relação ao tronco,
do leve arquear dos joelhos, reforçando este desequilíbrio, e
remetendo o peso do corpo para a base do pé. Observou que algo parecido
ocorria com seus atores também. Lembrou-se das aulas de Teatro que assistira
em Copenhague, e das aulas sobre o caminhar, a procura de um novo equilíbrio,
que deveria ser o utilizado pelo ator, diferentemente do andar comum. Com o
passar dos anos, chamou este momento que antecede a interpretação
de pré-expressividade. Anterior a expressão, que permite a expressão
ocorra sem cortes, límpida e cristalina, este momento é comum
a todas as escolas e tradições cênicas. O equilíbrio
corporal será assim o seu primeiro princípio. Contudo é
preciso dispor as várias técnicas num vetor teórico, a
saber a diferença entre o saber cotidiano e o extra cotidiano (teatral).
3. Cotidiano - Extra-cotidiano.
Vimos que anterior a expressão cênica Barba constatou elementos,
princípios que se repetem, que são objeto da Antropologia Teatral.
O mais importante é o princípio do equilíbrio. No entanto
uma distinção analítica se faz necessária para articular
a situação particular que vive o ator. Como sua ferramenta é
o corpo, é preciso distinguir o uso que nós fazemos diariamente
do uso específico que o ator faz. O uso cotidiano do uso Extra-cotidiano
(cênico).O uso natural, nosso, do corpo, segue-se o uso cênico,
obviamente que o nosso uso não é puramente natural, mas como nos
diz Barba cultural. Assim temos o uso cotidiano do corpo regido por padrões
culturais, e o uso Extra-cotidiano, neste caso do teatro, regido por padrões
que ele Barba retira da tradição cênica bem como desenvolve
em laboratório. No caminhar, falar, sorrir, chorar, cada um executa inconscientemente,
seguindo padrões culturais, que podem ser compreendidos historicamente.
A técnica, justamente diferencia o ator do homem comum mesmo que estejam
ambos executando uma ação equivalente. Suponha que se apresente
usando nada mais do que uma simples túnica, o ator sem dizer nada, dotado
de técnica já impressiona. Brilha aos olhos diferentemente. Artificial
porém belo. Isto ocorre devido ao uso técnico do corpo. Mas não
nos antecipemos. Atentemos para as palavras do texto Barbiano sobre o assunto.
Barba...o cotidiano e o Extra-cotidiano.
" No contexto cotidiano a técnica do corpo esta condicionada pela
cultura, pelo estado social e pelo ofício. Em uma situação
de representação existe uma diferente técnica do corpo.
Pode-se então distinguir uma técnica cotidiana de uma técnica
extra-cotidiana "...
e a seguir...
"As técnicas cotidianas são muito mais funcionais, não
pensamos muito nelas...nos movemos, sentamos, carregamos... com gestos que acreditamos
naturais mas que em vez disso, são determinados culturalmente... o primeiro
passo para descobrir quais podem ser os princípios do bios cênico
do ator, a sua "vida", consiste em compreender que as técnicas
cotidianas se contrapõe técnicas extra-cotidianas que não
respeitam os condicionamentos habituais do uso do corpo"(5)
Ou seja, o ator deve compreender esta diferença cotidiano- extra-cotidiano,
para poder criar seu bios, corpo cênico , dando assim vida a seu personagem.
Sem esta base sua criação, seu personagem esta sujeito a ser uma
caricatura bizarra. Se estivéssemos falando de uma construção
teríamos a obra executada por um sujeito prático e uma obra criada
por um engenheiro com conhecimentos de estilo arquitetônico. Quem não
observou isto no dia a dia e já não percebeu na simples divisão
dos ambientes uma grande diferença ?
A técnica extra-cotidiana foi desenvolvida a séculos e refinada
pelo estudo e a pesquisa. No Teatro esta técnica esta muito refinada.
Exige uma concentração e desgaste imensos. Fosse possível
transpô-la para o plano prático o nosso desgaste seria absurdo.
Nosso uso cotidiano, supõe a máxima economia de energia enquanto
que o uso cênico é exatamente o oposto o máximo dispêndio
de energia para o mínimo movimento.
As técnicas cotidianas se embasam na tradição cultural
cotidiana e como vimos, em nada são naturais. Dobrar-se ao cumprimentar
alguém é um ato de educação desenvolvido dentro
do mundo social e fora dele não faria sentido, estender as mão
, etc. Compreendido isto deveremos partir para a noção de equilíbrio
que nos permitirá fazer a diferença. Em cena o equilíbrio
corporal é modificado radicalmente...( princípio pré-expressivo).
4. O equilíbrio com desequilíbrio
" Esse princípio constante se encontra em todas as formas codificadas
de representação: uma deformação da técnica
cotidiana de caminhar, de deslocar-se no espaço, de manter o corpo imóvel.
Essa técnica extra-cotidiana baseia-se na alteração do
equilíbrio. Sua finalidade é um equilíbrio permanente instável.
refutando o equilíbrio natural, o ator intervém no espaço
com um equilíbrio de luxo: complexo, aparentemente supérfluo e
com alto custo de energia.
"Pode-se nascer com graça ou com o dom do ritmo, mas não com o dom do equilíbrio instável"( Etienne Decroux, paroles sur le mime, Paris, Gallimard, 1963, p. 168.)
Este princípio do equilíbrio instável, não é
natural de modo algum. Pode-se ter o maior dom, mas este equilíbrio particular
só se obtém dentro de uma aprendizagem mais refinada. E é
este equilíbrio postural diferenciado que por si só garante uma
expressividade cênica impressionante. Este equilíbrio de luxo é
formalização, estilização, codificação.
Assim sendo, apenas inserido em uma tradição cênica é
possível assimilar este equilíbrio. Sendo um momento da pré-expressividade
, a técnica do equilíbrio instável ordenada pelos conceitos
de técnica cotidiana e extra-cotidiana produzem resultados cênicos
espantosos.
Vejamos o exemplo que Barba recolheu de sua viagem ao Japão. Atentemos
para este uso especial do corpo e a que ponto pode chegar o ator e o grau de
refinamento que se pode conseguir, sua delicada expressão cênica,
a qual citamos por se tratar de uma profunda reflexão sobre a noção
de representação implícita e explícita !
" ...as técnicas extra-cotidianas, que tem a ver com a pré-expressividade,
caracterizam, mesmo antes que esta vida(cênica) queira significar algo..."
e sigamos...
... "Será que existe um nível de arte do ator no qual ele
esteja vivo, presente mas sem representar algo ou alguém? E contudo há
atores que usam sua presença cênica para representar sua ausência.
Parece um jogo de idéias e no entanto é uma figura do teatro japonês."
Até aqui sempre temos em mente o ator representando algo ou alguém.
Quando o ator entra em cena, procuramos rapidamente identificar o que ou quem
o ator representa. No entanto o refinamento e a sutileza deste teatro, seja
Nô, Kabuki, ou no Kyogen existe um ator que representa o nulo , aparentemente
irrepresentável. Sigamos com a citação...
"Por exemplo no Teatro Nô, o segundo ator, o waki, representa freqüentemente
seu não estar, sua ausênsia de ação. Eles ativam
uma complexa técnica extra-cotidiana do corpo, que não deve servir
para personalizar, mas para fazer notar sua capacidade de não personalizar."...
"
Esta elaborada negociação artística se reencontra também
quando o personagem principal sai de cena: o Shite, já despojado de seu
personagem, mas nem por isso reduzido a sua identidade cotidiana, distancia-se
dos espectadores com a mesma qualidade de energia que faz viva a sua representação."
Pudemos aqui compreender a riqueza deste momento da pré-expressão,
es as incríveis possibilidades colocadas para o ator, neste caso do Pólo
Norte, que simplistamente consideraríamos mais restrito em sua liberdade.
Criou-se graças ao estudo cênico, neste exemplo, o teatro japonês
, uma figura aparentemente impossível, com um grau de sofisticação
impressionante. De fato sempre que pensamos a arte, a vemos com uma forma de
representação que exige um conteúdo. Fulano ou Ciclano
exprime em cena algo ou alguém. Aqui o aparentemente impossível
é conseguido, que em nenhuma hipótese poderia surgir da suposição
da imitação pura e simples da realidade.
Vemos aqui a expressão viva de uma figura intelectual ao mesmo tempo
viva e atuante. Uma figura cênica complexa e intrigante. Obviamente, mesmo
despojado de seu personagem, vestimentas, adereços, etc, este ator japonês
carrega consigo a presença cênica que o habilita a permanecer atuando
ainda que não exprima nada. Ou este nada ainda exprime algo. Sabemos
que ali esta presente um ator. Agora temos alguns fundamentos para compreender
a noção Barbiana de pré-expressividade, momento anterior
a expressão, atuação em cena. Claro deve ficar que resultado
só é obtido, a custa de muito treinamento e que exige o emprego
do equilíbrio dinâmico. Aprofundemos esta noção de
Equilíbrio pois em conjunto com as técnicas extra-cotidianas formam
a base do teatro Barbiano.
O equilíbrio....
" O equilíbrio é a capacidade do homem de manter-se ereto
e de mover-se deste modo no espaço -- é o resultado de uma série
de inter-relações e tensões musculares do nosso organismo.
Quando ampliamos nossos movimentos, realizando passos maiores que o normal ou
posicionando a cabeça mais para a frente ou para trás - o equilíbrio
é ameaçado. Neste momento entra em ação uma série
de tensões para impedir que caiamos. A "tradição do
mímico moderno fundamenta-se no désequilibre para dilatar a presença
cênica. Exatamente como o off-balance na dança moderna . "
Vemos que no universo cênico, o equilíbrio é modificado,
tornando-se a base da qual decorrerão todos os movimentos corporais.
Daí podemos compreender que o corpo cênico, justamente por ultrapassar
os limites e imposições culturais, pode alcançar uma estética
diferenciada, o ator pode utilizar o seu corpo, através do treinamento,
com maior flexibilidade que jamais teríamos. Pode com os recursos técnicos
encantar-nos, criando diferentes impressões em nós, dando-nos
a impressão de uma argila que pode assumir diferentes formas, aumentar,
diminuir, expandir, contrair.
São estas analogias que nos permitem visualizar o que o recurso técnico
habilita. Neste caso equilíbrio do corpo em cena, e o resultado para
o espectador, diminuindo ou dilatando a presença cênica do personagem.
Em conjunto com outras técnicas que veremos permitem a regulagem da intensidade
da presença do personagem em cena, habilita um melhor manejo pelo diretor
do desenrolar da peça, possibilitando variações de nuances
que de outro modo seria impossível.
Para quem executa a peça é fundamental deter estes instrumentos
cênicos , que só são possíveis pelo treinamento exaustivo
e concepção adequada dos elementos em jogo no teatro. Quando tais
conhecimentos estão de posse do ator, este pode avaliar o seu progresso
pessoal, o famoso mote , aprender a aprender.
Poderemos agora sintetizar os pontos colocados , a saber a relação
entre o cotidiano e o extra-cotidiano, mundo cênico, e sua relação
neste momento analisado, pré-expressividade com o equilíbrio corporal.
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Os conceitos expostos atuam em conjunto formando uma base ao que se agregará
a noção de Energia. No universo cênico mais e mais especializado,
regem leis que interagem conjuntamente, todas elas fundadas nos mesmos princípios.
mundo cênico tem leis e regras próprias não sendo assim
mera cópia do mundo cotidiano. Nos encanta e enquanto o faz, mal percebemos
que naquele todo se identificam procedimentos, textos sub-textos, desvios e
controles da emoção que mal imaginamos, mas que após anos
de treinamento, fluem naturalmente aos olhos do espectador. Devemos lembrar
que o saber distingue no homogêneo o heterogêneo, no contínuo
o descontínuo e vice- versa. Para nós a peça flui como
um todo indiferenciado, mas para o iniciado se compõe de diferentes momentos,
na peça e na cena e cada movimento se subdivide em tantas frações
que sejamos capazes de executar
Nesta segunda parte, concluiremos nossa narração das bases práticas
sob as quais se sustenta o ofício de ator, e iremos adentrar com uma
leve discussão da linguagem teatral a qual nos permitirá fechar
nosso trabalho, mostrando que a Antropologia Teatral proposta por Eugenio Barba
resume os principais elementos para a prática teatral bem como sua revolução
é reconhecer a especificidade do teatro, e refletir procurando nesta
reflexão, a base para o ator se definir como sujeito, dotado de uma identidade,
isto é a resposta a indagação geral inicial é Sou
Ator. Por outro lado verificaremos que o teatro Barbiano é parte de um
vasto movimento intelectual que procura superar os limites do racionalismo utilitarista
vigente, de uma lógica maquinal, e para tal, nos basearemos nos conceitos
antropológicos de Edgar Morin.
Energia / Corpo - Mente .
Toda a nossa análise anterior teve como base a preparação
do ator, o momento que chamamos pré-expressividade. Tivemos então,
a distinção fundamental, cotidiano/extra-cotiano; Quanto a expressão
cênica, esta ocorre com a mudança da postura, do equilíbrio
corporal que afeta o corpo, produzindo o bios cênico (corpo).
Assim nos preparamos para nossa postulação, a qual afirma que
a atividade teatral se especializou criando conceitos própios distintos
dos que usamos diáriamente, e que isto significou uma quebra do sentido
usual das palavras. Voltaremos a este ponto posteriormente. Falta no entanto
colocarmos um conceito para completar nossa noção de pré-expressividade
, a saber, Energia.
A Energia para o ator : um "como"e não um "quê".
Básicamente a Energia para o ator, é o ímpeto, aquilo que
o impulsiona para o trabalho cênico de preparação exaustiva.
O acompanha no momento de execução do espetáculo, enfim
esta presente a cada momento de sua atividade. Pode ser pensada e é frequentemente,
como sendo algo que se tem, domina. No entanto energia é um processo
que o ator estabelece consigo mesmo ,que o rege desde seu interior, é
assim como um subconciente. Contudo é ainda dominável, manipulável,
é pensamento.
O pensamento regerá o ator, e o envolverá completamente. Quando
o ator desenvolve sua técnica, seu corpo se modifica e é capaz
de expressar diferentes estados emocionais. No entanto, frequentemente o uso
excessivo da técnica leva ao tecnicismo, a querer resolver tudo na base
da técnica, redundando numa camisa de força cênica. O ator
deve chegar a um ponto em que é capaz de lidar com a sua Energia de maneira
que não o limite (o ator), e isto só é possível
quando compreende já ao fim de seu treinamento que persistiram situações
que fogem ao treino.
Voltemos ao texto.
"Como movimentar-se. Como ficar imóvel. Como mise-en-scene, ou seja, mise-en-vision a sua presença física e transformá-la em presença cênica, e portanto expressão. Como fazer visível o invisível: o ritmo do pensamento"(pg.77 canoa..)
Estamos tratando da postura que se adota , do movimento, da imobilidade, tudo
seguindo o ritmo do pensamento. Será ele quem irá gerar a presença
cênica, determiminará o efeito cênico que nos deslumbra.
O que chamos de Energia aparecerá sob uma figura de um algo, um "quê",
mas na verdade é um como, um processo que se estabelece e que devém
com o treinamento. Barba afirma mais precisamente...
"O nosso pensamento pressiona os nossos gestos, como o polegar do escultor
quando imprime formas, e o nosso corpo, esculpido interiormente, se dilata.
O nosso pensamento pinça o reverso do nosso invólucro com o polegar
e o indicador, e o nosso corpo, esculpido interiormente, se contrai."
Retorna a imagem do corpo cênico como sendo plástica, maleável,
que com o treinamento pode ser manejado mais fácilmente. Aqui temos que
no fundo o corpo cênico é modelado pelos pensamentos, ou melhor
esculpido por eles. Agora poderemos entender mais claramente como se dá
efetivamente a manipulação do corpo pela técnica.
O corpo do ator, com o desenrolar do treinamento orientado, permite-se "dilatar"
ou "comprimir". Esta maipulação do seu instrumento implica
ter a percepção do resultado que se quer. Pois esta manipulação
obedece ao critério de em última instância, cativar o espectador.
Aqui foi exposto de maneira metafórica, dilatar, comprimir, mas a idéia
é regular a presença cênica. São expressas com metáforas,
mas para o ator são indicações práticas para o trabalho.
Em certas peças o ator parece ocupar todo o palco, parece explodir de
energia. Nestas circunstâncias, nos extasiamos, nos empolgamos, às
vezes choramos. Por um instante, mesmo o indivíduo mais cerebral se empolga
e deixa-se levar pelo contexto criado naquele pequeno espaço. Agora imaginemos
uma cena plena de vitalidade, cheia de cargas, muita ação, tudo
ocorrendo num ritmo super-excitante, e num instante tudo pára, uma pausa.
Sem mais nem menos. Ficamos atônitos. Mal nos refazemos e tudo reinicia.
Como foi isto possível ? Energia. Veremos que parar, cessar o movimento(
e saber retomar), pode diferenciar o grande ator.
Para "vencer a defesa do espectador ( que vem ao teatro para que estas
sejam vencidas sendo estimuladas por isso ) são necessárias sutilezas
fintas e contrafintas."(pg.78)
A questão é que ocorre algo mais em cena, que uma simples relação
de comunicação transmissor/receptor, ou seja, o que se estabele
na relação espectador/ator, no contexto da cena, é uma
troca de energias, de emoções, uma interação que
gera uma situação de qualidade diferente, e esta interação
não deve permitir que por exemplo, possamos terminar uma peça
nêutros. Barba compara a uma dança entre ator e espectador. Neste
momento tudo deve estar coordenado.
Observemos...
"O ator ao representar percebe direções, sente as mudanças. Sente-se continuamente orientado. Neste sentido, o personagem é uma sucessão de impulsos, de movimentos do sentir...O ator é posto a prova quando deve parar estes impulsos, de movimentos como consequência da fala do outro ator.( Jouvet, louis, Le comedien desincarné, Paris,Flamarion,1954,p.182.
Temos aqui um ponto muito interessante, a saber, o controle deste sentir tão
fundamental ao teatro. Evidentemente que as emoções não
se apresentam tal qual no estado bruto, não são todavia artificiosas,
são verdadeiras emoções cênicas. O sentir, que nos
conduz, no caso do ator deve poder ser controlado. Evidentemente isto não
é absoluto. Tudo se passa como se fora uma sucessão de movimentos
do sentir. A despeito disso, como colocamos anteriormente, o ator respeita as
falas, e por isso para na fala de seu companheiro. Um ator sem experiência
perderia o "pique", e poderia retomar sua fala sem o mesmo ímpeto.
Aí entra o contrôle das energias que o cercam, por fora, aparentemente
inerte, mas se move por dentro (interior).
Uma vez que a peça teve seu desenrolar, o ator sente suas energias fluindo,
mas por instantes entra em repouso, mas apenas externamente, no seu interior
tudo é movimento. Tais emoções aparecem como que desligadas
para o espectador, mas diríamos, que neste instante esta em estado de
alerta.
O grande ator transmite aparente imobilidade emocional, mas nos surpreende por
recomeçar com tanto brilho como quando havia interrompido sua participação.
Outra quesatão interessante é que o controle da energia se dá
de maneira a que a cada espetáculo, mesmo que em várias sessões
em um mesmo dia, o ator deve reiniciar como se fora a primeira vez. Tudo isto
é tensão de energia, mas como realça Barba, é tudo
pensamento.
" Para um ator ter energia significa saber como modelá-la. Para
ter uma idéia e vivê-la como experiência, deve modificar
artificialmente os percursos, inventando represas, diques, canais... Estes constituem
resistências contra as quais pressiona a intenção, consciente
ou intuitiva, e que permitem a sua expressão. O corpo todo pensa/age
com uma outra qualidade de energia. Um corpo-mente em liberdade afrontando as
necessidades e os obstáculos predispostos, submetendo-se a uma disciplina
que transforma em descobrimento..."
E completa esta compreensão com...
" A inteligência de um ator é a sua vitalidade, o seu dinamismo,
a sua ação, a sua tendência, a sua energia. Um sentimento
que vive e provoca nele, a um certo ponto, por um certo costume, um olhar profundo,
uma condensação da sua sensibilidade, uma consciência de
si mesmo. É o pensamento-ação." (pg79)
Enfim , energia é o pensamento-ação. Durante a peça,
não se pensa simplesmente, já que todo o que é expresso
interiormente se reflete no bios do ator. O pensamento segue a nantureza do
personagem, e em função do longo treinamento flui livremente,
com rapidez e de forma ordenada.Assim todo pensamento é ação,
é corpo em movimento. Em oposição, quando pensamos cotidianamente,
de um certo modo podemos estar desvinculados até da própia realidade
vivida, este pensamento não modela a face com a mesma intensidade que
modela a do ator. Culturalmente dissimulamos as emoções, ou pelo
menos aceitamos como um comportamento social, uma certa dissimulação.
Achamos que se trata de seriedade. De qualquer maneira, nossas expressões
guardam certa distância do que foi pensado.
Em um campo distinto, o emocional para o ator deve fluir muito mais livremente.
Assim sendo, o pensamento, como outras definições utilizadas não
é o mesmo que consideramos cotidianamente. Este pensamento-corpo, é
pura reação onde no treinamento aprende-se a utilizá-lo
para que os movimentos emitidos, em todos os sentidos, possam ser emitidos como
se fossem espontâneos , como verdadeiros. De outro lado, o pensar é
puro sentir, durante a ação quando sai liberado em uma descarga,
marca e define a presença cênica.
A questão da sexualidade do ator.
No caso do grupo Odim o treinamento já implica que o ator lide facilmente
com papéis diferentes de seu sexo, o ator deve lembrar-se que é
forma que se ligará a um conteúdo. As definições
que recebemos, homem/mulher devem ser esquecidas.
O ator deve-se permitir trafegar livremente por personagens mais ou menos delicados,
independente do sexo que tenha. Parece um pouco óbvio mas o ator iniciante
deve manejar as sutilezas da natureza humana, que ora é frágil,
ora é mais ríspida. Todos temos mas é bem mais flexível
no ator desenvolvido.
Claro que existe uma especialização, e se utiliza o lado masculino
ou feminino que flui mais graciosamente, mas o corpo cênico deve ser forma
que se modela com a criação do personagem, e vem assim suposto
que o sexo ali é do personagem e não do ator.
Deve-se ter claro, o problema central aqui é compor um personagem ou
seja, um padrão preciso de ações, que constitua as margens,
os limites dentro dos quais flui a energia que transforma o bios natural em
bios cênico, ou melhor, o seu mise- en-vision . Nesta composição
do personagem, o ator precisa, desvincular sua imagem pessoal do sexo que nasceu.
Coloquemos que esta distinção, mis-en-scene/mise-en-vision, do
aparente que se pretende ser, para o que é de fato, o que se exige na
construção do personagem. Estar no palco uma simples imagem ou
estar no palco um ente com vida.
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Como pudemos acompanhar anteriormente, a organização do teatro
de Eugenio Barba pretendeu efetuar uma crítica ao teatro tradicional
através de mudanças teóricas e práticas. Barba inicia
propondo uma distinção basilar, pensar o teatro com uma natureza
distinta da que supomos para o cotidiano, nossas vidas. Iniciou pela distinção
básica inicial, de que o teatro implica representação,
expressão, de modo sutil e diferenciado, distinto do que imaginamos usualmente.
Mostrou-nos que o ator é mais livre quando se permite subordinar a uma
técnica cênica do que se partisse de suas própias observações,
imitações para criar seus personagens. Pudemos entender este limite
ao avaliarmos o resultado da alteração do equilíbrio, que
não é inato, na expressão cênica. Assim seguindo
a exposição podemos afirmar que o ator, dotado dos recursos que
a técnica teatral dispõe, pode e consegue maior abrangência
e liberdade cênicas que nenhum outro ator, gravitando em suas própias
observações poderia alcançar.
Ao analisar-mos o teatro Japonês, na figura do Shite, adentramos em um
outro universo conceitual, rompendo a barreira dos limites da representação,
personalizando o impersonalizável. Quando Barba propõe um teatro
de Vanguarda, básicamente assume que o teatro tradicional participa de
uma maneira de representar o mundo, que ao romper, por abstração,
as diversas partes que compõe o atuar, resulta numa perda do sentido
para o ator bem como para o espectador, que fica assim, na situação
típica de um consumidor, que não pode escolher, o produto, apenas
aprovar ou não.
Para o ator, a adoção desta maneira de encarar significa abnegar
sua identidade de ator, se restringir a um simples posicionamento no mercado
de trabalho.
O teatro mercantil, avançou sem a menor dúvida(pensemos apenas
na iluminação, e nos complexos arranjos mecânicos de muitos
musicais), mas gerou uma híper-especialização interna a
qual resulta na perda da capacidade de controle pelo ator do resultado cênico.
Decorre disto então, que o ator se especializa como um operário,
realizando uma função delimitada, sem necessariamente compreender
o que se passa globalmente. Desta especialização exagerada, fruto
de um pensar que é socialmente dominante, a saber, lógico-analítico,
resulta uma mecanização do trabalho cênico nos moldes de
uma organização fabril.
A saída para este processo, Barba propõe começar repensando
as diferentes rupturas que o teatro tradicional efetuou : Separação
de sexos, dança da representação, espectador do ator, etc.
Disto resultou numa concepção original do teatro, chamado por
ele de terceiro teatro, aqui uma terceira via. Incorpora a tradição
cênica, sob o princípio denominado de pré-expressividade,
equilíbrio postural, redundando numa diferenciação abrangente
de todos os movimentos em cena, e atribui a Antropologia Teatral a sitematização
destes princípios comuns aos atores.
Barba cedo percebe que sua crítica não terá efeito se não
conseguir modificar o papel do ator, dotando-o de uma identidade, isto é
uma técnica sólida e uma filosofia teatral que justifique o treinamento
pelo qual passará: Desgastante e operoso.
Finalmente Eugenio Barba se depara com a necessidade de resitir ao violento
processo de mecanização do teatro que ocorreu, criando suas ilhas
cuja maior função é garantir que o antigo patrimônio
teatral não desapareça. Um teatro que supõe uma comunhão
ator - espectador, que fala de seus mitos, usos e costumes, que lhe fala ao
coração. De certa forma um teatro que supõe uma realidade
que já não existe mais, pois a atiga comunidade, com seu ethos,
foi substituída por uma organização social impessoal. Agora
poremos ligar Eugenio Barba ao nosso pensador Edgar Morin, e sua crítica
ao pensamento reinante, nos núcleos dominantes do capital. Iniciaremos
como uma breve digressão, conhecendo alguns dos pontos mais caros a Morin.
topo
Edgar Morin e a Lógica das Máquinas
Na direção de uma crítica ao modelo dominante de pensamento,
em nosso caso aplicado ao teatro, é necessário maior aproximação
e nos utilizaremos de algumas posições de Edgar Morin, principalmente
sua crítica ao pensar analítico . Nos fundamentaremos no seu livro
Terra-Pátria.
Breve histórico do processo civilizatório ( Terra-Pátria)
1. A variável Sapiens
Ao longo de seu devir, o homem em sua feição Sapiens, superou
as limitações de seu meio ambiente, reescrevendo-o, ou seja tornando-o
afeito aos seus interesses. Sua trajetória nos leva a considerar que
como Sapiens temos cerca de 50000 anos. Mas destes, apenas nos últimos
5000 anos, conseguimos estabelecer comunidades organizadas, sob leis, distintas
das comunidades nômades anteriores.
Enquanto bárbaros, nômades caçadores vagávamos errantes
pelo planeta a procura de caça. Cultuávamos os elementos naturais,
a chuva, o sol, as estrelas. Em nossa realidade, saltitavam demônios,
bruxas, e deuses, animais parte homens. Éramos governados pelo mito,
vivíamos num império oral, analfabetos. Para Morin no entanto
éramos contudo uma humanidade, partilhávamos de ritos comuns e
nos reconhecíamos uns nos outros, partilhavamos de nossa comunidade,(
Terra-Patria, prólogo, pg 9).
Com o aparecimento das grandes civilizações urbano/rurais, fundadas
na linguagem escrita, os Sapiens dominam a terra e expulsam para rincões
isolados, todas as outras formas de organização humana. Nasce
a história com o surgimento do Estado, na mesopotânia, no Egito,
India e China.
"Numa formidável metamorfose sociológica, as pequenas sociedades
sem agricultura, sem estado, sem cidade, sem exército dão lugar
a cidadelas, reinos, impérios de várias dezenas de milhares, depois
milhões e bilhões de sujeitos, com agricultura,cidades, Estado,
divisão de trabalho, classes sociais,guerra, escravatura, e mais tarde
grandes religiões e grandes civilizações."(opus cit.
pg 10)
Neste processo milenar, da passagem da pré-história para a era
hstórica, perdeu-se o sentido de humanidade original. As diferenciações
étnicas, culturais se cristalizam. Contudo Morin nos ensina que devemos
compreender todo o processo civilizatório do ponto de vista antropológico,
implica que...
"devemos considerar as diversas formas de organização social
aparecidas no tempo histórico, desde o Egito faraônico, a Atenas
de Péricles, até as Democracias e o Totalitarismo contemporâneos,
como emergências de virtualidades antroposociais...como a concretização,
a atualização das potencialidades do Homo Sapiens-demens."
( idem, pg 11)
Vistos isoladamente, perderíamos o sentido desta travessia, que cada
vez mais,e com maior rapidez nos direcionamos para o reencontro com a unidade
perdida. Desde os inícios do século XV, a humanidade assiste uma
integração initerrupta, de todos os seus seres, o que inicia sob
a denominação de era Planetária, sua idade do ferro.
2. Era Planetária
Básicamente, o processo de integração da comunidade humana
se inicia, com o período chamado ciclo das navegações,
das grandes conquistas marítimas, que partindo da Europa, descobriram
a América e comprovaram a esfericidade do planeta. O desenvolviemto da
navegação escancarou a porta para a unificação dos
povos e culturas.
Intensa troca de produtos, animais e vegetais, técnicas e conceitos varreram
a terra e com o predomínio militar, os povos europeus governaram o mundo
pelos 450 anos seguintes. Europeus do sul e do Norte devastaram e pilharam todo
o planeta. Contudo, este processo doloroso, serviu para gerar um desenvolvimento
das técnicas e das ciências sem paralelo, em qualquer período
anterior da história dos Sapiens. O resultado foi a ocidentalização
do mundo (op.cit. pg 17)
Com isto a cultura européia serve de base para a redefinição
de todos os povos emergentes da América , África e da Ásia.
Europeus disseminan-se por imigração e mesclagem, mantendo assim
seu predomínio sob a terra.
Do século XV até os nossos dias houve uma transformação
significativa, de um mundo ainda agrário, para um predominantemente industrial
e urbano. O processo de mundialização ocorre em todos os sentidos,
inclusive no religioso e no econômico. Neste final de século XX
assistimos a ascenção dos asiáticos, como que emergindo
das sombras, fato que com certeza recoloca certos dados no lugar, já
que desde a antiguidade a Ásia sempre foi o centro da civilização.
No entanto devemos compreender que somos uma civilização mundial,
interdependentes. Com a emergência do Japão, da India e China,
reequilibram-se os pólos de influência.
3. A Era das Máquinas
Neste movimento de expansão,o fator chave foi a revolução
mental ocorrida na Europa, chamada revolução técnica. Fator
determinante para sua expansão e dominação, sem dúvida
foi o pensamento lógico-matemático, que se disseminou pelos setores
de produção e daí por toda a sociedade. É dogma
nos diz Morin considerar..." conhecimento pertinente, o que cresce com
a especialização e abstração."(opus cit. pg
131) Este conhecimento não é senão o pensamento analítico.
Vejamos com Morin o descreve.
" O conhecimento especializado, é, em si mesmo, uma forma particular
de abstração. A especialização abstrai, ou seja,
extrai um objeto de um determinado campo, rejeita os laços e intercomunicações
com o respectivo meio e insere-o num setor conceitual abstrato que é
o da disciplina compartimentada cujas fronteiras quebram arbitrariamente a sistemicidade(
a relação de uma parte com o todo) e a multidimensionalidade dos
fenômenos; conduz à abstração
matemática que opera por si mesma uma cisão com o concreto, privilegiando
por um lado, tudo o que é calculável e formalizável e ignorando,
por outro, o contexto necessário à inteligibilidade dos seus objetos."
( opus cit. pg 131)
Este modo de abordar os fenômenos ocorre basicamente pela necessidade
de formalização matemática. Retira-se do fenômeno
todas as características não mensuráveis e a seguir destas
que restaram, são articuladas num modelo explicativo do fenômeno.
Na física a queda de um objeto é resumida, a uma expressão
algébrica, supondo uma realidade imaginária, simplificada( uma
ambiente com ou sem atrito, com ou sem gravidade), o que em outras eras , particularmente
na Idade Média seria considerado um absurdo. Não devemos contudo
desprezar pois este modo de conceber a realidade, é extremamente proveitoso,
e foi graças a ele que pudemos avançar no conhecimento com tanta
rapidez. Uma vez que este modo de pensar penetrou no território da produção,
por meio do emprego de engenheiros e físicos, as máquinas passaram
a reunir todo conhecimento físico existente, e o poder industrial se
multiplicou. A divisão do trabalho, regida pelo ritmo das máquinas,
bem como novas técnicas de arranjo e disposição destas,
no espaço fabril, multiplicaram mais uma vez este poderio.
Iniciamos o século XX, com uma capacidade industrial jamais vista ou
sonhada. Com base no arsenal teórico Newtoniano, conquistamos o mar,
a terra, e o ar. O planeta se tornou uma aldeia global( Mac Luhan). Contudo
os resultados sociais foram igualmente devastadores.
"O pensamento que compartimenta, corta e isola, permite que os especialistas
e peritos tenham muito sucesso nos seus compertimentos e cooperem eficazmente
em setores de conhecimento não complexos, nomeadamente nos que dizem
respeito ao funcionamento das máquinas artificiais; mas a lógica
à qual obedecem espalha na sociedade e nas relações humanas
os constrangimentos e os mecanismos desumanos da máquina artificial,
bem como a sua visão determinista, mecanicista, quantitativa e formalista,
ignorando, ocultando ou dissolvendo tudo o que é subjetivo, afetivo,
livre e criador"(opus cit. p 132 e 133).
Para nossos fins esta avaliação é suficiente. Como vimos
Barba criticou o teatro tradicional porque rompeu com o sentido histórico
do teatro, sua tradição. Mecanizou o atuar, levando a um tecnicismo,
muito enfeite, pouca razão. Agora vemos que não poderia ter sido
de outro modo. Barba com sua crítica colocou um problena de sua área,
mas que bem poderia exprimir o própio contexto social vigente, já
que ambos Morin e Barba, estão diante de um memo fenômeno: a expansão
do pensamento formal analítico e sua disseminação por todos
os lados e aspectos sociais. A aldeia Barbiana, é um núcleo de
resistência a corrente dominante no teatro mas bem pode expressar um sentimento
de mal estar diante do avanço desta mentalidade que permeia muitos acadêmicos
de diferentes áreas e funções.
Barba e Morin sabem que em nossa época o pensar analítico é
dominante, e ir contra é remar contra a maré. No entanto Morin
sugere atenção com o devir histórico pois parece que começam
a aparecer problemas, nos quais o pensar estabelecido é parte do problema
e não solução, é preciso partir para a multi-disciplinariedade(
fato que fica claro quando consideramos os danos ecológicos ocorridos
e suas implicações sociais).
Se Barba recoloca e reestrutura todo o espetáculo a partir do ator, rompendo
as separações habituais, ator/espectador, andar/dançar,
o enredo não linear, etc, o faz na expectativa de re-colocar o contexto
cênico, para uma interação, e não simples exposição
de uma história.
Em Morin, o pensamento deve recolocar o contexto para não perder o sentido, cita Bastien.
" A evolução cognitiva não caminha para a instalação
de conhecimentos dada vez mais abstratos, mas, ao invés, para a sua contextualização"(
Claude Bastien, Le décalage entre logique et connaissance, Courrier du
CNRS,79,Sciences cognitives, out.1992)
A academia repele mas Morin observa que se trata de um tendência crescente
e necessária. A estabilização do processo de planetarização
esta ainda distante mas podenmos vislumbrar alguns fenômenos. "os
pensamentos fracionários, estilhaçam tudo o que é global,
ignoram por natureza o complexo antropológico e o contexto planetário"(
opus cit p.137) Ou seja a planetarização é inevitável
e seus fundamentos são inter-dependência, multidimensionalidade,
ou como conclui Morin...
" A terra não é a soma de um planeta físico, mais
a biosfera e mais a humanidade. A terra é uma totalidade complexa física/
biológica/antropológica, em que a vida é uma emergência
da história da Terra e o homem uma emergência da história
da vida terrestre.
Se quisermos ser realistas devemos abandonar unilateralismos, pois ser realista
é acercar-se da realidade, compreendê-la o mais profundamente possível.
É necessário portanto um pensamento capaz de lidar com esta realidade:
"pensar o contexto e o complexo"(idem, pg 137). A fórmula completa
do pensar antropológico é pensar global/agir local, pensar local/agir
global.
Temos então a base para um pensamento planetário, o qual deixa..."
de opor o universal e o concreto, o geral e o particular: o universal tornou-se
particular, é o universo cósmico, e o concreto é o universo
terrestre. A perda de universalismo abstrato parece a muitos a perda do universal
e a perda do pseudo-racionalismo parece aos racionalizadores uma subida do irracionalismo...
existe finalmente a emergência do universal concreto"(idem p.139)
É óbvio que esta planetarizaçào terá consequências
para o conhecimento e algumas delas com certeza implicará a quebra de
muitos tabus, acadêmicos ou não. Aqui Morin nos aponta para redefinição
de nossos conceitos mais preciosos, finalmente teríamos chegado a um
tipo de unidade o que se supunha perdida, ou impossível.
Pontos Básicos
Procuramos avaliar a concepção antropológica de Eugenio
Barba, e nos descobrimos com um problema, a saber, seu teatro é um ponto
de resistência a uma concepção de mundo. Claro que se materializa
na área teatral, porém seu trabalho se embasa nesta crítica
que já não é nova e que podemos dizer se estabiliza com
os pensadores de esquerda, numa crítica ao racionalismo e sua racionalidade.
Parte para a construção de seu experimento teatral, de uma compreensão
profunda do mundo em que vivemos, sem a menor dúvida.
Vivemos numa crise pois nosso sistema se fragmenta, seus pilares já apresentam
rachaduras, o modo explicativo, e suas soluções falham. Com Morin,
pudemos perceber que no fundo a crítica Barbiana, era um sub-parte de
um problema bem mais amplo. Com a crítica de Edgar Morin, pudemos avançar,
na compreensão dos limites do pensamento dominante.
Assim pudemos estabelecer, uma concordância entre a crítica Barbiana
ao Teatro tradicional e a crítica de Morin ao pensamento e nossas concepções
estabelecidas. Ambos sabem que estão ilhados. Sabem contudo que não
estão completamente isolados.
Vimos pelo ângulo de Morin, que estamos num processo irreversível
de integração do planeta, tanto sócio, como economicamente.
As consequências para a cultura são e serão enormes. Nessa
era planetária, deveremos enfrentar os desafios da integração
das nações em larga escala. Nossa identidade nacional pode ser
posta em cheque, o que nos diria Barba, nos levara a encontrar os princípios
que subjazem em todos nós, ou seja, devemos nos colocar antropologicamente,
no sentido de uma visão que por detrás desta ou daquela manifestação,
esta o homem.
Se for assim e pensamos que será, a vanguarda deverá ganhar cada
vez mais companheiros. Eugenio barba, luta para manter uma idéia de teatro,
onde se almeja repor um tipo de identidade para o ator, na sua profissão,
a partir de uma compreensão maior, das características de sua
arte, e da unidade que subjaz ( pré-expressividade). O ator é
um espírito saltimbanco, carrega consigo o sonho, e com isto nos faz
sonhar. Carrega nossos mitos , nossa subjetividade, e a expressa conosco. Lembra-nos,
das performances, numa noite, onde espectadore e atores compartilhavam o mito,
ao sabor de uma fogueira, e cantavam e dançavam todos juntos. Esta era
se foi, mas como vimos, seu espírito não se perdeu.
Em nosso mundo moderno, urbano, somos forçados a adotar uma conduta impessoal,
a nos inserir num contexto racional, a nos resumirmos a uma afetividade controlada,
a uma subjetividade que aspira mais espaço, a termos identidade, sem
sermos diferentes. Reconhecimento mas sem distinção. No entanto
tudo é sonho e tudo é vida, a tecno-burocracia, mal se desenvolveu,
a máquina de gerar saberes e técnicas, multiplica o conheciimento
a cada 18 meses, o que levámos uma geração executamos agora
em poucos anos. Em nossa era os avanços se aceleram, e já antevemos
que o impossível é apenas um pouco mais difícil...