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O terror e os direitos humanos | |
Deseja-se que a intransigência do governo talibã em submeter-se à ordem internacional, entregando os responsáveis pelos atos terroristas de 11 de setembro, não justifique a cegueira das bombas inteligentes | |
(*) Por Sueli Carneiro
A alta comissionada para os Direitos Humanos das Nações Unidas, Mary Robinson, esteve há pouco em missão oficial no Uruguai. Apesar da agenda apertada, abriu espaço para uma visita à ONG afro-uruguaia Mundo Afro. Uma visita que expressa reconhecimento e avaliação acerca da Conferência de Racismo ocorrida em Durban e concluída pouco antes dos atentados a Washington e a Nova York, assunto que, pelas proporções dramáticas que adquiriu para o mundo, monopolizou as atenções da opinião pública mundial. Portanto, tanto quanto prédios, o terror derrubou também temas e agendas que ganhavam reconhecimento em níveis nacionais e internacionais e entre eles o profícuo debate que se processava na sociedade brasileira sobre as desigualdades raciais e os mecanismos a serem instituídos para a sua superação. Os atentados e seus desdobramentos impediram uma avaliação mais ampla do evento de Durban e, sobretudo, ofuscaram os resultados positivos da Conferência de Racismo, em especial para os afro-descendentes da América Latina e do Caribe. Presente no ato organizado pelos afro-uruguaios em homenagem a Mary Robinson, Francisco Esteves, presidente da Fundação Ideas de Direitos Humanos do Chile e coordenador do Foro de ONGs da Conferência Regional das Américas que antecedeu Durban reconheceu que os afro-descendentes entraram no processo da Conferência de Racismo como vítimas e saíram dela como atores políticos. E é o reconhecimento desse protagonismo dos afro-descendentes na Conferência de Durban o sentido emblemático da visita de Mary Robinson ao Mundo Afro do Uruguai, uma das organizações afro-latino-americanas que maior empenho tiveram na construção dos resultados positivos de Durban em relação aos afro-descendentes. Saudada pelos tambores do candomblé afro-uruguaio, Mary Robinson afirmou em sua saudação aos afro-uruguaios que Durban adquiria maior importância ainda a partir dos acontecimentos de 11 de setembro, que impuseram uma nova leitura da questão dos direitos humanos no mundo. E será precisamente dos escombros do World Trade Center que a alta comissionada extrairá os novos conteúdos, que o terror amplificou, para a realização dos direitos humanos nesse novo milênio: a segurança dos seres humanos e o combate à discriminação como pré-requisitos para alcançar a paz. Disse ela em Montevidéu: Creio que os acontecimentos de 11 de setembro nos fazem refletir sobre o que deveríamos estar fazendo antes. Atender à pobreza em qualquer nível que se viva em nossas sociedades, atacar o problema da discriminação definindo para ela uma agenda, e dar alta prioridade política para a solução do problema do Oriente Médio. Questionada sobre como se deveria combater o terrorismo, Mary Robinson foi categórica: Há duas maneiras: em primeiro lugar, o Conselho de Segurança da ONU adotou resoluções nas quais prevê medidas para buscar o dinheiro ilícito e avivar a cooperação judicial entre os países. O segundo caminho é aplicar a agenda antidiscriminatória, que se adotou na Conferência contra o Racismo na África do Sul. É necessária essa agenda porque creio que, ao aplicar medidas contra o terrorismo, pode ser que haja governos que restrinjam os direitos de expressão, suprimam as atividades de opositores, as vozes das minorias e limitem o direito dos exilados ao asilo. Portanto, o terror tem o poder de deter o avanço da democracia, dos direitos de igualdade e da liberdade, e permite que à sua sombra, ou tendo-o como álibi, práticas genocidas, autoritárias e excludentes, presentes hoje no mundo, continuem a prosperar. Francisco Esteves enfatizou também que o momento exige que as organizações de direitos humanos da América Latina e do mundo tenham nova compreensão do que são os direitos humanos no século XXI. Reiterou a convicção de que as Nações Unidas têm um papel fundamental no desenvolvimento dos povos e na derrota do racismo, e peremptoriamente afirmou: Não queremos uma coalizão guerreiro-institucional suplantando as Nações Unidas. Mary Robinson reafirma: É importante combater o terrorismo, porém fazê-lo dentro dos valores da lei, da justiça e dos direitos humanos. No artigo Os limites éticos da guerra, no jornal Ultimas Notícias, de Montevidéu, o articulista Rafael Addiego Bruno recorre à visão do monsenhor Tauran, secretário de relações da Santa Sé com os Estados, sobre as três condições éticas para a resposta aos ataques terroristas: Usar a força com objetivos nitidamente definidos; proteger a vida dos inocentes, evitando atacá-los diretamente; e, a força usada deve ser proporcional ao prejuízo ou dano que se combate, excluindo-se, portanto, as armas de destruição em massa. Por fim alerta que toda guerra se rege por regras jurídicas e éticas que devem ser acatadas pelos beligerantes. Assim sendo, deseja-se que a intransigência do governo talibã em submeter-se à ordem internacional entregando os responsáveis pelos atos terroristas de 11 de setembro, convocando ao sacrifício, com essa decisão, todo o povo afegão, não justifique a cegueira das bombas inteligentes. |
(*) SUELI CARNEIRO É PESQUISADORA DO CNPQ E DIRETORA
DO GELEDÉS INSTITUTO DA MULHER NEGRA