Não
passou
Passou?
Minúsculas eternidades
deglutidas por mínimos
relógios
ressoam na mente cavernosa.
Não, ninguém morreu, ninguém
foi infeliz.
A mão- a tua mão, nossas mãos-
rugosas, têm o antigo
calor
de quando éramos vivos. Éramos?
Hoje somos mais vivos do que
nunca.
Mentira, estarmos sós.
Nada, que eu sinta, passa realemente.
É
tudo ilusão de ter passado.
Carlos Drummond de Andrade

Acordar, viver
Como acordar sem
sofrimento? Recomeçar sem horror? O sono transportou-me àquele reino
onde não existe vida e eu quedo inerte sem paixão.
Como repetir,
dia seguinte após dia seguinte, a fábula inconclusa, suportar a semelhança
das coisas ásperas de amanhã com as coisas ásperas de hoje?
Como
proteger-me das feridas que rasga em mim o acontecimento, qualquer
acontecimento que lembra a Terra e sua púrpura demente? E mais aquela
ferida que me inflijo a cada hora, algoz do inocente que não
sou?
Ninguém responde, a vida é pétrea.
Carlos Drummond de Andrade
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