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Depoimento de Ângela
Há cinqüenta anos não se falava em
"síndrome do pânico". Pelo menos
não aqui na minha cidade, no interior , onde não
havia terapeuta,
psiquiatra ou psicólogo. Todos os problemas de
ordem emocional eram
diagnosticados da mesma maneira.
Aos dezesseis anos tive a primeira
crise durante uma missa na
capela da escola.Depois disso, não conseguia
sequer entrar em igreja, muito
menos assistir missa. Mãos geladas, suor frio,
um medo intenso... Aos
poucos o espaço foi ampliado e o medo passou a
fazer parte da minha vida:
medo de passar numa determinada rua, medo de
andar só, medo de atravessar a
praça, medo de ir às festas, de cair, de
sufocar, de morrer.....
Interessante que passava temporadas agindo como
uma pessoa "quase normal"
mas, quando menos esperava , os sintomas
voltavam com muita
intensidade.Algumas vezes, após alguns episódios
mais intensos, minha mãe
me levava ao médico da família.Ele conversava
comigo em particular e, pelo
que hoje entendo, tentava associar meu problema
com histeria. Fazia uma
preleção e receitava vitaminas!
Quando concluí o segundo grau, não
consegui fazer faculdade porque
teria que residir fora e faltou coragem. E
assim, com altos e baixos a vida
prosseguiu e eu quase aceitando o problema como
algo irreversível com o
qual eu teria que aprender a conviver.Precisava
andar sempre acompanhada e,
quando isso não era possível, me sentia tão
insegura que caminhava rente à
parede para ter apoio, caso caísse.Sempre dizia
que a única coisa que
invejava nas pessoas, era a sua capacidade de ir
e vir despreocupadamente.
Que maravilha poder andar livre e solta!!! Que
maravilha poder ser uma
pessoa normal!!!
Aos vinte e seis anos, casada e com uma
filha de seis, meu marido
por questão de trabalho,precisou ficar fora
durante seis meses. Foi então,
quando ele estava ausente, que tive uma crise
tão terrível. Fiquei
completamente muda, sem conseguir articular
nenhuma palavra.Naquela
ocasião, o remédio milagroso foi "Complexo B".
No final do mesmo ano, tive
a pior de todas as crises: não conseguia
comandar os movimentos, nem
concatenar as idéias e quase não podia articular
as palavras. Sentia como
se estivesse com a alma separada do corpo e só
pedia para não me deixarem
morrer. Fui hospitalizada e submetida a uma
"sonoterapia" durante dez dias.
Quando saí do hospital estava quase cinco quilos
mais magra e ainda fiquei
um bom tempo sob o efeito das drogas. Meu médico
, muito amigo e bem
intencionado, conversou comigo e sugeriu que eu
suspendesse os
anticoncepcionais e engravidasse.Segui à risca
e,exatamente um ano depois,
tive meu segundo filho.Quando ele tinha poucos
dias, nova crise: estava
fazendo um trabalho de costura e, de repente,
entrei em pânico com um medo
terrível de ferir meu filho. Corri para meu
marido e pedi que protegesse a
criança. Eu suava frio , tremia e tinha
taquicardia. Ele entendeu, procurou
conversar e me acalmar, mas essa sensação de vez
em quando voltava.Graças à
sua compreensão e apoio, fui convivendo com o
problema.... Dois anos mais
tarde, finalmente foi possível procurar um
neurologista na capital, médico
esse, considerado de alta
competência.Diagnosticou "psicose maníaco
depressiva" e aconselhou terapia coisa que,
morando no interior, estava
fora de cogitação. Alguns anos mais tarde
finalmente, no Rio de Janeiro,
foi possível iniciar um tratamento. Melhorei
bastante, mas até superar o
problema sofri muito porque morava num andar
alto e tinha muito medo de me
jogar lá de cima.
Tive muitas recaídas, principalmente
quando passava por algum
problema de ordem financeira ou preocupações de
qualquer espécie. Sempre
procurei me conscientizar que seriam situações
passageiras, que eu não
tinha nenhum mal físico e que precisava
enfrentar com muita coragem e
determinação meus problemas
emocionais.Felizmente, sempre fui uma pessoa
alegre e extrovertida.
E assim o tempo passou e lá um dia, há quinze
anos, assim como chegou,
sem avisar, o pânico se despediu... Hoje, aos
sessenta e seis anos tenho
uma saúde excelente e sou imensamente feliz. Sou
uma pessoa normal, graças
a Deus!!!
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